1 Contexto

A área da Comunicação Ambiental é fortemente marcada pelas influências europeia e norte-americana [Takahashi, 2022], existindo pouca articulação com outras perspectivas, forjadas em contextos de vulnerabilidade socioambiental cada vez mais acentuada. No Brasil, os estudos com essa denominação seguem sendo pontuais e carregam diferentes perspectivas. Aguiar e Cerqueira [2012] pontuaram que este amplo campo de práticas e estudos ainda era pouco explorado na literatura acadêmica nacional no começo dos anos 2010. Isso não significa que as interfaces entre Comunicação e Meio Ambiente não recebam atenção, mas pode indicar que a denominação tenha sido refutada ou substituída por outras no âmbito da pesquisa brasileira.

O Grupo de Trabalho (GT) hoje chamado “Comunicação, Divulgação Científica, Saúde e Meio Ambiente”, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), uma das mais antigas e importantes do País, foi criado em 1991 e mantém-se atuante até hoje. Embora o GT contemple também temáticas de divulgação científica e de saúde, os trabalhos apresentados neste espaço revelam preocupação sistemática com a questão ambiental há quase 25 anos.

Para Gomes et al. [2020], a área da Comunicação Ambiental carece de uma unidade epistemológica, constituindo-se a partir de objetos com a materialidade que necessariamente cruze meio ambiente com a comunicação. No Brasil, há uma dispersão grande dos objetos, metodologias e teorias mobilizados para esses estudos, especialmente porque eles costumam ser gestados em programas de pós-graduação (PPGs) multi ou interdisciplinares. O debate ambiental dentro do campo comunicacional ainda é pouco institucionalizado, dependendo de iniciativas pessoais dos professores e dos próprios pós-graduandos.

Do ponto de vista das práticas, a cobertura sobre o tema ganhou espaço com a realização da II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, a chamada Rio-92. Desde então, a preocupação com a formação e o interesse por pesquisas acadêmicas na área foram se ampliando, algo que coincidiu com a expansão dos PPGs em Comunicação. Contudo, neste início do movimento, os estudos ainda eram centrados muito em como os meios de comunicação, sobretudo as mídias impressas hegemônicas, apresentavam as questões ambientais (as lentes de observação eram predominantemente oriundas do Jornalismo). Isso explica, em parte, o maior avanço epistemológico encontrado nos estudos de Jornalismo Ambiental, que traçaram um caminho próprio.

Barros [2018], em pesquisa do estado da arte acerca do tema nos anais dos congressos nacionais da Intercom, no período de 2001 a 2016, identificou 492 trabalhos relacionados à Comunicação Ambiental, o que corresponde a 6,15% das apresentações realizadas nesses congressos no período, cujo total aproximado é de oito mil comunicações. Tais trabalhos se dividem em vários objetos, abordagens e metodologias, além de diferentes entendimentos do que é, de fato, a Comunicação Ambiental.

Wilson Bueno, professor da Universidade de São Paulo (USP), é um dos pesquisadores brasileiros pioneiros na área. No livro que populariza a discussão da Comunicação e do Jornalismo Ambiental, publicado em 2007, diferencia as duas expressões: a primeira pode ser exercida por profissionais de diversas áreas e competências, como jornalistas, educomunicadores, biólogos, agrônomos, dentre outros, e mesmo por cidadãos que manifestam outra relação sociedade-natureza, como os quilombolas, indígenas e demais segmentos identificados com as comunidades tradicionais, além de ter formatos e processos mais flexíveis do que o Jornalismo. A Comunicação Ambiental é vista como mais abrangente e aborda processos que transcendem o jornalismo, muitas vezes associada à educação ambiental. Como área interdisciplinar, é apreendida e aplicada para além dos limites comunicacionais e, no contexto do campo, enfrenta dificuldade de construir um repertório próprio em razão da própria lógica científica, que reduz os objetos para aprofundá-los (é comum encontrarmos estudos sistemáticos no âmbito da comunicação organizacional, da publicidade ou do jornalismo, por exemplo).

Em pesquisa recente, no qual realiza um levantamento dos grupos de pesquisa registrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que se dedicam à interface da Comunicação e Meio Ambiente, Bueno [2024] aponta que a maioria deles está vinculada a 18 universidades públicas, das quais 13 federais e cinco universidades públicas estaduais; apenas um grupo está inserido na universidade privada. O autor ainda aponta que a maioria dos grupos de pesquisa da área (11) foi fundada depois de 2010 (57,89% do total), sendo que seis deles (31,57%) a partir de 2015, sublinhando o caráter recente das investigações na área.

Neste texto, apresentamos um breve panorama de como a expressão é pouco mobilizada na produção científica brasileira, mesmo que existam pistas de inúmeras convergências a partir de outras denominações, como a etnomídia (relacionada à expressão da identidade étnica e autonomia política e social dos povos indígenas) ou a comunicação climática (aquela que se debruça sobre a problemática das mudanças climáticas) — para citar alguns exemplos. Apresentamos os achados de uma pesquisa bibliográfica em duas importantes bases de dados brasileiras e, na sequência, a trajetória do Jornalismo Ambiental brasileiro, que avançou no debate epistemológico. Para finalizar, realizamos um esforço analítico-reflexivo para buscar formas de dizer e pensar a Comunicação Ambiental que se manifestam de forma diferente, mas possuem elementos de uma comunicação emancipadora que se nutre da vertente comunicacional da América Latina.

2 Comunicação Ambiental: um termo pouco usado

A fim de superar a ideia de que a Comunicação Ambiental é unicamente um meio de propagar assuntos ambientais, Del Vecchio et al. [2015, p. 81] propõem uma discussão epistemológica, considerando a racionalidade ambiental [Leff, 2001] e demais pressupostos do campo ambiental: a “[…] comunicação ambiental é caracterizada […] pela pluralidade, profundidade e vocação em promover debates e ações transformadoras perante questões socioambientais”. Esta tentativa de avançar sobre uma comunicação instrumental que apenas seja veículo para disseminar conteúdos ambientais é semelhante ao que ocorreu na distinção de um jornalismo ambiental em relação a um jornalismo de/sobre meio ambiente, exigindo, no primeiro caso, um comprometimento dos produtores com o saber ambiental e o pensamento sistêmico [Girardi et al., 2012].

Destaca-se ainda que o debate ambiental presente nesta concepção, desde seus primórdios, abarca as assimetrias sociais decorrentes do modelo neoliberal que, até hoje, atualiza práticas da colonialidade de inúmeras maneiras nos territórios do Sul Global. A expropriação da natureza, calcada na ideia de que ela deve ser recurso à serviço da sociedade, é apresentada por Mignolo [2017] como um dos eixos que sustenta a matriz colonial. Logo, ao defender a natureza, há também uma reivindicação por parte dos movimentos ecologistas, que é intrínseca à luta contra as opressões, defendendo a justiça social e a emancipação política [Ferdinand, 2022]. Esse olhar, desde uma ecologia decolonial, percebe que a crise ambiental contemporânea surge a partir da colonialidade e, por isso, engaja-se na luta por um mundo mais sustentável e justo. Novamente, o debate parte dos estudos do jornalismo [Loose & Girardi, 2021], mas tende a se espraiar por outros subcampos da Comunicação que adotem uma visão crítica das relações existentes entre humanidade e natureza.

3 Métodos

A fim de entender o desenvolvimento dos estudos comunicacionais que se cruzam com o campo ambiental, realizou-se uma pesquisa de trabalhos científicos em duas importantes bases brasileiras. Este estudo exploratório busca pistas para compreender o cenário macro da área, embora saibamos que o uso único de uma expressão-chave e sua localização nos títulos dos trabalhos sejam limitadores relevantes. A escolha por “Comunicação Ambiental” nos títulos, no entanto, objetiva mensurar a priorização de tal denominação por partes dos investigadores.

Na busca por artigos nacionais feita no Portal de Periódicos da Capes (https://www.periodicos.capes.gov.br/) com a expressão “Comunicação Ambiental” no título, no dia 10 de fevereiro de 2025, apenas 18 artigos foram encontrados no período de 2001 a 2025 (também foi encontrada a apresentação de um dossiê sobre o tema, mas, por não ser artigo científico, o texto não foi contabilizado no corpus da análise). Em relação aos trabalhos finais de doutorado e mestrado, o Brasil possui um repositório chamado Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações — BTDT (https://bdtd.ibict.br/). Na busca realizada no dia 12 de fevereiro de 2025, a partir da mesma expressão nos títulos dos trabalhos, com a mesma expressão no título, foi possível identificar apenas duas teses e 12 dissertações, sendo a mais antiga publicada em 2008.

4 Principais resultados

No caso da pesquisa realizada por artigos, vale destacar que nem todos desenvolvem ou explicitam a partir de quais teóricos sustentam a ideia de Comunicação Ambiental. Muitas vezes a expressão é citada de forma geral, como se houvesse um consenso do que significa essa interface entre comunicação e meio ambiente.

O Tabela 1 mostra que dos 18 artigos encontrados apenas quatro se debruçam sobre uma discussão teórica acerca da Comunicação Ambiental. Como já identificado por Aguiar e Cerqueira [2012] em estudo anterior, há uma predominância de estudos associados à educação ambiental.

Mais do que buscar um resultado quantitativo, interessa-nos saber como a Comunicação Ambiental é mobilizada nos textos. Dessa forma, criaram-se as categorias abaixo, baseadas nos achados de estudos anteriores sobre a área (Tabela 1).

PIC
Tabela 1: Categorização dos artigos de Comunicação Ambiental. Fonte: E. Beling Loose (2025).

Chama a atenção que, diferentemente do que foi identificado por Aguiar e Cerqueira [2012], pesquisas centradas no Jornalismo Ambiental nem foram identificadas nesta busca, revelando que já há uma demarcação própria desse subcampo, ou seja, quem trabalha com aspectos jornalísticos sob a perspectiva ambiental já nem menciona a expressão “comunicação” nos seus títulos, trazendo o jornalismo como destaque.

Em relação às 12 dissertações encontradas, destacamos as áreas dos PPGs e o ano de publicação, para além da ênfase temática. Apenas duas dissertações sobre o tema foram desenvolvidas em PPGs em Comunicação. Veja o Tabela 2.

PIC
Tabela 2: Identificação dos trabalhos de pós-graduação da área. Fonte: E. Beling Loose (2025).

De modo geral, observa-se que os trabalhos desenvolvidos desde outras áreas de conhecimento tendem a conceber a comunicação ambiental como um meio ou instrumento em prol da educação, sensibilização, etc. Isso é evidenciado inclusive em alguns títulos, como é o caso de “Comunicação ambiental para um turismo sustentável na cidade de Santos: quais ferramentas são utilizadas para conscientizar turistas a diminuir a presença de microlixo nas praias?”, “Proposta de uma cartilha como ferramenta de comunicação ambiental para empreendimentos de geração de energias renováveis no Nordeste brasileiro” e “Plano de Comunicação Ambiental como ferramenta para a conservação da fauna silvestre”.

A perspectiva instrumental da Comunicação é limitada por ser verticalizada e desconsiderar uma série de fatores que compõem o processo comunicacional. Do ponto de vista da gestão ambiental, por exemplo, seguindo a definição que consta na Associação Brasileira de Normas Técnicas [2009], ela é um processo que visa obter informações entre as partes interessadas a fim de gerar um entendimento sobre aspectos e desempenhos ambientais, resultando em confiança, credibilidade e parceria na tomada de decisões.

Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Aparicio Cid [2023], orientado para a produção mexicana publicada entre 2000 e 2021. Segundo a autora, as pesquisas sobre Comunicação Ambiental apresentam escassos avanços teóricos e metodológicos, e muitos se desenvolvem desde a naturalização do desenvolvimentismo. As contribuições multidisciplinares também estão relacionadas a uma abordagem comunicacional mais pragmática ou instrumental do que reflexiva.

Outro ponto a ser destacado neste breve levantamento é a falta de continuidade das publicações ao longo do tempo. O primeiro trabalho identificado é de 2008, mas só existem novos trabalhos em 2012 (três). Nova lacuna aparece até 2018 (um) e 2019 (três). As últimas quatro dissertações foram publicadas em 2023, apontando para um período de interesse que é preciso verificar se terá prosseguimento ou não. O incremento de publicações na área nos últimos anos foi observado em pesquisa de Nepote et al. [2020], que mapeou a produção científica da América Latina acerca do binômio divulgação científica e meio ambiente.

No caso das duas teses encontradas, publicadas em 2014 e 2021, o principal referencial teórico mobilizado é a obra Environmental communication and the public sphere, do norte-americano Robert Cox. A obra começou a ser trabalhada em grupos de pesquisa na área da Comunicação liderados pelas professoras Sônia Aguiar, naquela época vinculada à Universidade Federal do Sergipe, e Myrian Del Vecchio, professora da Universidade Federal do Paraná. Assim, as publicações coordenadas por essas pesquisadoras e seus colaboradores passaram também a ser referenciadas, juntamente com os escritos do brasileiro Wilson Bueno.

Aguiar e Cerqueira [2012] destacam a preocupação central de Cox [2009] com a esfera pública como espaço discursivo, no qual disputas por influência nos processos deliberativos acerca do meio ambiente seriam travadas. Essa questão também é levantada por Hannigan [2009], ao destacar que a visibilidade dada pelos processos midiáticos aos problemas ambientais fomenta o debate público. Tais discussões, baseadas na Teoria da Ação Comunicativa de Habermas e em outros autores interessados na comunicação pública e na formulação de políticas públicas, estão mais fortemente presentes nos estudos brasileiros de comunicação política.

Do ponto de vista da Comunicação Ambiental, a distinção entre uma comunicação engajada e outra instrumentalizada é um dos pontos fundamentais. Para Cox [2009], a Comunicação Ambiental pragmática tem como objetivo educar, alertar, persuadir e ajudar a resolver os problemas ambientais, enquanto a perspectiva constitutiva colabora para nossa atenção e compreensão, complexificando o processo comunicacional.

5 Jornalismo Ambiental brasileiro: as origens de um olhar crítico

O desenvolvimento das pesquisas brasileiras no campo comunicacional começou a ocorrer a partir da observação da cobertura jornalística sobre pautas relacionadas ao meio ambiente. A apropriação da Comunicação Ambiental pelas organizações deu-se posteriormente, lentamente a partir dos anos 1990, assim como o maior uso persuasivo por meio de campanhas publicitárias.

Para Bueno [2007], o Jornalismo Ambiental constitui uma parte relevante da Comunicação Ambiental, que tem como característica a sua vinculação a um sistema de produção particular de informações, o jornalístico. É a partir das lógicas de produção jornalística, sua deontologia e seus princípios éticos, que as formas de dizer o meio ambiente costumam ser investigadas. Os estudos de interface entre o subcampo do Jornalismo e o Campo Ambiental — caracterizado pela interdisciplinaridade e por uma episteme orientada para o olhar do todo ao invés do da soma das partes, que, através do diálogo de saberes, busca constituir um conhecimento próprio: o ambiental [Leff, 2001; Loose & Souza-Lima, 2013] — contribuem para a maturação dos pressupostos epistemológicos do Jornalismo Ambiental [Loose & Girardi, 2017].

O que motivou o desencadeamento de estudos na área ambiental foi a percepção da intensificação da destruição da natureza nos países do Norte Global, sobretudo a partir dos anos 1960. Porém, aqui na América Latina, a temática ganha força vinte anos depois, nos anos 1980, fazendo crescer o número de organizações não governamentais e outras associações que percebiam os efeitos da crise ambiental [Loose & Souza-Lima, 2013]. Além disso, nessa época, o debate era muito segmentado. Meio ambiente era visto como uma pauta de nicho, com pouca ou nenhuma relação com temas considerados mais relevantes, como a política e a economia.

Costa [2005] afirma que somente nos anos 1990 se dá a legitimação do campo ambiental no Brasil, o que coincide com a ampliação da cobertura ambiental. Nepote et al. [2020] ratificam que essa década foi importante para o fortalecimento da área em toda a América Latina. Os preparativos para a Rio-92 foram fomentadores de uma qualificação da cobertura e, consequentemente, impulsionaram o interesse acadêmico sobre o tema. Nesse período, havia uma disputa semântica acerca da denominação do jornalismo que cobria a área [Loose & Belmonte, 2023]: o jornalismo ambiental, mais próximo do jornalismo científico, teve influência do jornalismo estadunidense e buscava mostrar-se objetivo, enquanto o ecojornalismo, alinhado ao movimento ecologista, foi expandido no País por meio da criação de Núcleos de Ecojornalistas. O Núcleo do Rio Grande do Sul, institucionalizado em 1990, foi a primeira entidade brasileira a congregar jornalistas engajados na luta ambiental [Loose, 2011].

É a partir desse posicionamento dos jornalistas frente às questões ambientais que as investigações começam a ocorrer, buscando entender o que seria próprio desse fazer. Aqui já existe uma compreensão de que o meio ambiente teria um saber específico, não sendo apenas um assunto ou tema a ser coberto. O termo “ecojornalista” era visto como pejorativo nas redações de veículos mainstream, o que fez que a expressão “jornalismo ambiental” acabasse sendo mais adotada, até como forma estratégica de ganhar espaço nos veículos que defendiam uma postura neutra dos profissionais. Dessa forma, embora seja mais comum usarmos no Brasil “jornalismo ambiental”, a perspectiva engajada está presente na definição desenvolvida por Girardi et al. [2012], Frome [2008] e Tong [2015], assim como nas práticas profissionais de vários jornalistas especializados que assumem uma postura ativista [Loose & Belmonte, 2023].

As suas bases epistemológicas (ênfase na contextualização; pluralidade de vozes; assimilação do saber ambiental; cobertura sistêmica e próxima à realidade do leitor; comprometimento com a qualificação da informação; e responsabilidade com a mudança de pensamento) [Loose & Girardi, 2017] reiteram a necessidade de confrontar os poderes instituídos e sua lógica de funcionamento baseada na exploração. Mais do que denunciar o modelo de desenvolvimento atual e a lógica moderna, na qual se alicerçam as bases jornalísticas, há um compromisso com a qualificação da informação para a mudança de pensamento [Girardi et al., 2012], de maneira a colaborar para a construção de uma relação outra da natureza com a humanidade, orientada para a sustentabilidade da vida [Leff, 2016].

Importante ressaltar que aqui há, por parte do Jornalismo, a incorporação de uma responsabilidade diante da crise ambiental e de uma noção de meio ambiente que refuta a separação humanidade-natureza, presente no pensamento hegemônico ocidental, assim como a visão cartesiana e utilitarista (que reduz a natureza a recursos). Porto-Gonçalves [2006] afirma que a colonialidade, por meio de estratégias e políticas que prolongam e intensificam os processos de apropriação destrutiva da natureza, está no cerne da Modernidade e de seus efeitos. O autor destaca ainda a “descoberta” da América para consolidação do poder europeu:

[…] ao preço da servidão, etnocídio e, até mesmo, genocídio de povos indígenas e da escravização para fins de produção mercantil de negros trazidos da África, com a consequente desorganização das sociedades originárias e a exploração de seus recursos naturais por todo lado (ecocídio). [Porto-Gonçalves, 2006, pp. 24–25].

As discussões propostas por pesquisadores brasileiros são convergentes com a crítica colonial e capitalista, e reivindicam outra relação com a natureza, entendendo que há diferentes maneiras de ser, existir e viver. Mesmo antes das discussões decoloniais adentrarem com força no campo comunicacional, autores latino-americanos que defendiam uma perspectiva desde o Sul eram incorporados aos estudos de Jornalismo Ambiental, como Paulo Freire, Nancy Mangabeira Unger, Enrique Leff, Carlos Walter Porto-Gonçalves, Walter Mignolo e Alberto Acosta [Miguel et al., 2022].

6 Discussão: o meio ambiente em disputa

Para refletir sobre os achados do estudo, faz-se necessário pensar como a Comunicação Ambiental foi sendo apropriada e popularizada em solo brasileiro. Após inserção do discurso ambiental na mídia, o meio ambiente é levado, com as roupagens que o capitalismo permite, ao mundo dos negócios. Primeiro sob a denominação de sustentabilidade (e suas variáveis), depois com o foco da economia verde e, mais recentemente, no âmbito da sigla ESG (Environmental, Social and Governance, em inglês). Cresce uma preocupação social, mas a apropriação pelo meio empresarial é concebida pelos críticos com desconfiança, como algo propagandístico (visando a valorização da imagem ou reputação), sendo, por vezes, até falacioso [Coelho et al., 2013].

Ainda que o debate em torno do desenvolvimento sustentável seja oriundo da década de 1970, apenas nos anos 1990, nos países desenvolvidos, esta preocupação adentra o universo das empresas, sobretudo em razão da competitividade causada pela globalização [Andrade, 1997]. No Brasil, a discussão chega com mais força uma década depois e tem na Rio+20 um espaço favorável para sua assimilação. Nesse âmbito, a Comunicação Ambiental é geralmente reduzida a uma prática de gestão socioambiental, sendo instrumentalizada pelos anseios do mercado.

Por outro lado, outras práticas, mais alinhadas com um posicionamento crítico desde o campo ambiental, acabam usando outras denominações, que podem ser vistas como parte da área ou mesmo como uma linha de pesquisa própria. Entende-se que “educomunicação socioambiental”, “comunicação indígena” ou “comunicação e bem viver”, “etnomídia”, “comunicação climática”, “comunicação contracolonial ou decolonial”, dentre muitas outras, são abordagens que têm atravessamentos com aspectos do que costuma ser delineado como a área da Comunicação Ambiental.

Estudos específicos dos subcampos, com gradações diferentes de criticidade, podem ser identificadas a partir das expressões: “marketing verde ou ambiental”, “ecopropaganda”, “jornalismo ambiental”, “cinema ambiental”, etc. Tais concepções apenas exemplificam o desafio de reunir sob um mesmo guarda-chuva modos de ver, pensar e sentir o meio ambiente que podem ser, inclusive, opostos. Talvez justamente por isso, a expressão geral tenha ficado esvaziada no Brasil.

Há termos mais ou menos explícitos sobre o que delineiam, mas muitos deles são mobilizados conforme o entendimento primeiro do que é meio ambiente ou sustentabilidade. Um avanço nos estudos epistemológicos desse campo poderia contribuir com a sistematização desses vários outros conceitos, assim como seus pontos de intersecção e especificidades.

Porém, antes, é preciso checar se a abordagem comunicacional e a compreensão de meio ambiente estão, de fato, alinhadas. Cuesta Moreno [2016] assinala que pesquisadores ibero-americanos que trabalham com Comunicação Ambiental não refletem sobre o conceito de ambiente, sendo frequente a perspectiva instrumental, com foco no estímulo de comportamentos pró-ambiente. Isso reduziria o potencial da área enquanto campo acadêmico. O autor indica também que a ideia de meio ambiente foi naturalizada, inclusive no escopo da Comunicação Ambiental.

Nesse sentido, recordamos que há muitos enquadramentos possíveis. Arne Naess [1973], por exemplo, traz a oposição entre a ecologia rasa e a ecologia profunda, que foi popularizada na obra de Fritjof Capra [1996]. Enquanto a primeira coloca os seres humanos no topo de uma hierarquização, a segunda coloca a vida no centro (biocentrismo). Já Martínez Alier [2007] classifica o ambientalismo em três correntes principais: 1) o culto ao silvestre, orientado para a visão naturalista, predominante no surgimento dos movimentos ecológicos; 2) o evangelho da ecoeficiência, que representa a visão da modernização ecológica, onde a ciência e a tecnologia são vistas como solução; e 3) o ecologismo dos pobres, uma visão sócio-política dos impactos gerados pelo modelo de desenvolvimento que tem como motor a destruição da natureza e de todos que dela dependem, representada pelas lutas de camponeses, indígenas e povos tradicionais do Sul Global.

Na América Latina, inspirados na pluralidade de formas de vida de povos indígenas, associadas a uma relação comunitária, equilibrada e sustentável, que permita a sobrevivência da espécie humana e de todas as outras que habitam o planeta, o bem viver é apresentado como uma filosofia alternativa de vida. Acosta [2016, p. 48] aponta que, por meio do bem viver, é possível construir um projeto emancipador que,

[…] ao haver somado histórias de lutas, de resistência e de propostas de mudanças, e ao nutrir-se de experiências locais, às que deverão somar-se contribuições provenientes de diversas latitudes, posiciona-se como um ponto de partida para estabelecer democraticamente sociedades sustentáveis.

Os esforços de teóricos latino-americanos para rever as lógicas impostas pelo pensamento hegemônico, a partir das vivências e saberes das populações marginalizadas e excluídas, estão repartidas em diferentes subcampos comunicacionais. A crítica ao modelo capitalista e suas formas de exploração também perpassam outras áreas. As perspectivas relacional e biocêntrica, no entanto, parecem elementos importantes para pensar sobre as especificidades da área.

Volto a trazer alguns GTs do maior evento de Comunicação do Brasil, o da Intercom, para exemplificar espaços de discussão muito próximos ao da Comunicação Ambiental desde uma perspectiva crítica ao capitalismo e à colonialidade, além de serem orientados para dar visibilidade a outras formas de existência: 1) Comunicação, Alteridade e Diversidade; 2) Comunicação Antirracista e Pensamento Afrodiaspórico; 3) Comunicação para a Cidadania; e 4) Folkcomunicação (orientado para os processos comunicacionais das classes populares e grupos marginalizados). Ainda que não seja o intuito deste texto aprofundar como cada um dos GTs adere à Comunicação Ambiental ou mesmo como eles tenham se originado, sublinha-se a existência de áreas com uma visão mais panorâmica, que é perpassada por conceitos mais abrangentes, como cidadania, diversidade e decolonialidade, no cruzamento com aspectos da epistemologia ambiental.

Essa segmentação permite pensar que na tradição brasileira de pesquisa, seja pelos contextos regionais, seja pela diversidade de interesses que um território de tamanho continental como o do Brasil contempla, o debate ambiental tenha se transversalizado e dissipado em outras áreas a partir de novas denominações.

7 Considerações finais

Retomamos aqui a reflexão de que a área da Comunicação Ambiental no Brasil ainda carece de unidade e delimitações teóricas e metodológicas. Semelhante à proposta de Girardi et al. [2012] no subcampo do Jornalismo, Del Vecchio et al. [2015] defendem uma comunicação atenta aos princípios socioambientais. Entretanto, essa forma especializada de comunicação, comprometida com a epistemologia ambiental, é apresentada como um “vir a ser” [Del Vecchio et al., 2014], considerando os desafios impostos por uma conjuntura política, econômica e social guiada para o crescimento econômico ilimitado, gerador de desigualdades e assimetrias cada vez maiores.

Em reflexão sobre o alcance de uma Comunicação Ambiental que seja de fato transformadora e mudaria a forma de nos relacionarmos com a natureza, os autores pontuam a força do modelo de desenvolvimento hegemônico, atrelado ao consumismo:

[…] até que ponto a Comunicação Ambiental representaria uma viração, que ultrapassaria o nível informacional, a construção de marcas, o estímulo à compra e a descrição de atributos dos produtos, a sedução da mente e da alma, para se tornar a responsável pela transparência das empresas, dos produtos, da realidade de consumo possível na moldura da crise ambiental? [Del Vecchio et al., 2014, p. 215].

Cuesta Moreno [2016] afirma que a Comunicação Ambiental deveria romper com o antropocentrismo e os pressupostos da lógica moderna, que inferiorizam tudo que não é reconhecido como capital, de modo a alcançar um reposicionamento epistemológico. O intuito de tal mudança seria chegar ao biocentrismo. Algo que não seja constituído para mitigar ou apresentar saída paliativas, mas que possa visibilizar alternativas ao sistema dominante, que é insustentável.

O estudo realizado aponta que esse desejo de uma Comunicação Ambiental propositiva e crítica segue sendo pontual na pesquisa brasileira. A produção acadêmica analisada, além de escassa, é pouco problematizadora, o que evidencia a instrumentalização da comunicação para objetivos ligados a diferentes concepções de meio ambiente. A própria designação desta área parece não ser a preferencial entre os pesquisadores, seja pelas possibilidades de expressões similares, seja porque a perspectiva funcionalista está bastante articulada à expressão.

Pesquisas futuras deverão traçar parâmetros para, em meio a tantas formas de dizer, identificar o que está mais próximo daquilo que é próprio de uma Comunicação Ambiental desde a América Latina, considerando suas particularidades e a perspectiva crítica da comunicação.

Referências

Acosta, A. (2016). O Bem Viver: Uma oportunidade para imaginar outros mundos. Autonomia Literária, Elefante.

Aguiar, S., & Cerqueira, J. F. (2012). Comunicação ambiental como campo de práticas e de estudos. Comunicação & Inovação, 13(24). https://doi.org/10.13037/ci.vol13n24.1474

Andrade, J. C. S. A. (1997). Desenvolvimento sustentado e competitividade: tipos de estratégias ambientais empresariais. Revista Baiana de Tecnologia, 12, 71–86.

Aparicio Cid, R. (2023). Comunicación ambiental en México: entre la multidisciplina, la práctica y el conflicto socioambiental. Cuadernos.info, (55), 186–210. https://doi.org/10.7764/cdi.55.55857

Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2009). ABNT NBR ISO 14063:2009 — Gestão ambiental — Comunicação ambiental — Diretrizes e exemplos. Rio de Janeiro, Brasil.

Barros, A. T. (2018). O diálogo teórico entre Comunicação Ambiental e Ciências Sociais na lógica da ciência em ação. Ambiente & Sociedade, 21, e00081. https://www.scielo.br/j/asoc/a/Q56Nyb8TC7WdkhTKjZ8LhHq/?format=pdf&lang=pt

Bueno, W. C. (2007). Comunicação, jornalismo e meio ambiente: teoria e pesquisa. Mojoara Ed.

Bueno, W. C. (2024). A importância dos grupos de pesquisa para a legitimação e consolidação da Comunicação Ambiental no Brasil. JCOMAL, 7(01). https://doi.org/10.22323/3.07010201

Capra, F. (1996). A teia da vida. Cultrix.

Coelho, A. L. A. L., Coelho, C., & Godoi, C. K. (2013). O discurso da sustentabilidade e sua inserção no contexto organizacional. Gestão & Conexões, 2, 147–186. https://periodicos.ufes.br/ppgadm/article/view/5061

Costa, L. M. (2005). A formação do campo ambiental: um resgate histórico do contexto nacional e amazônico. Tempo da Ciência, 12, 147–176.

Cox, R. (2009). Environmental communication and the public sphere. Sage Publications.

Cuesta Moreno, O. J. (2016). Análisis de los supuestos epistemológicos que han configurado la comunicación ambiental y la oportunidad de reconfigurar esta disciplina. Chasqui – Revista Latinoamericana de Comunicación, 131, 123–138. https://revistachasqui.org/index.php/chasqui/article/view/2484

Del Vecchio, M. R., Júnior, P. D. S., Loose, E. B., Mei, D. S., Schneider, T. C., & Duarte, V. S. (2015). A comunicação ambiental e suas potencialidades no enfrentamento dos dilemas socioambientais. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 34. https://doi.org/10.5380/dma.v34i0.39965

Del Vecchio, M. R., Loose, E. B., Schneider, T. C., Nogarolli, A. d. F., & Lambach, H. F. (2014). Os dilemas da Comunicação Ambiental no contexto do desenvolvimento hegemônico. Comunicação Mídia e Consumo, 11(32), 203–221. https://doi.org/10.18568/cmc.v11i32.703

Ferdinand, M. (2022). Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. Ubu Editora.

Frome, M. (2008). Green Ink: Uma introdução ao jornalismo ambiental. Editora UFPR.

Girardi, I. M. T., Massierer, C., Loose, E. B., & Schwaab, R. (2012). Jornalismo ambiental: caminhos e descaminhos. Comunicação e Sociedade, 34(1), 131–152. https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/274011/000872097.pdf

Gomes, I. M., Medeiros, P. M. d., & Maeseele, P. (2020). Comunicação ambiental: explorando múltiplas interfaces. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, 14(2). https://doi.org/10.29397/reciis.v14i2.2130

Hannigan, J. (2009). Sociologia ambiental. Vozes.

Leff, E. (2001). Epistemologia ambiental. Editora Cortez.

Leff, E. (2016). A aposta pela vida: imaginação sociológica e imaginários sociais nos territórios ambientais do Sul. Vozes.

Loose, E. B. (2011). Núcleo de ecojornalistas do Rio Grande do Sul: 21 anos pela qualificação da informação ambiental. Ação Midiática – Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura, 1(2). https://doi.org/10.5380/am.v1i2.26428

Loose, E. B., & Belmonte, R. V. (2023). Ativismo no jornalismo ambiental: como quatro momentos-chave ajudaram a configurar uma prática engajada no Brasil. Brazilian journalism research, 19(3), e1594. https://doi.org/10.25200/bjr.v19n3.2023.1594

Loose, E. B., & Girardi, I. M. T. (2017). O Jornalismo Ambiental sob a ótica dos riscos climáticos. Interin, 22, 154–172. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=504454376010

Loose, E. B., & Girardi, I. M. T. (2021). Interfaces entre o debate colonial e os estudos de jornalismo ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 58. https://doi.org/10.5380/dma.v58i0.75877

Loose, E. B., & Souza-Lima, J. E. d. (2013). (Re) configurações do campo comunicacional a partir da epistemologia ambiental. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, 35(1). https://doi.org/10.4025/actascihumansoc.v35i1.19709

Martínez Alier, J. (2007). O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagem de valoração. Contexto.

Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade (M. Oliveira, Ed.). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), 1–18. https://doi.org/10.17666/329402/2017

Miguel, K., Loose, E. B., & Girardi, I. M. T. (2022). Jornalismo ambiental sob a perspectiva dos estudos decoloniais. Em N. Prata, S. Jaconi, R. Gabrioti, G. Nascimento, H. André & S. S. Matos (Eds.). Intercom. http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/detalheEbook.php?id=57191

Naess, A. (1973). The shallow and the deep, long-range ecology movement. A summary. Inquiry, 16(1–4), 95–100. https://doi.org/10.1080/00201747308601682

Nepote, A. C., Massarani, L., & Rocha, M. (2020). Medio Ambiente y Comunicación: una mirada de la producción científica en América Latina. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, 14(2). https://doi.org/10.29397/reciis.v14i2.2052

Porto-Gonçalves, C. W. (2006). A globalização da natureza e a natureza da globalização. Civilização Brasileira.

Takahashi, B. (2022). Towards inclusive international environmental communication scholarship: The role of Latin America. International Journal of Cultural Studies, 26(4), 372–391. https://doi.org/10.1177/13678779221146302

Tong, J. (2015). The Epistemology of Environmental Journalists: The case of China. Journalism Studies, 18(6), 771–786. https://doi.org/10.1080/1461670x.2015.1076707

Sobre o autor

E-mail: eloisa.beling@gmail.com