1 Introdução
O apelo por uma universidade mais integrada ao contexto social abriu as portas para a extensão universitária protagonizada na América Latina sobretudo pelos movimentos populares com o apoio de estudantes e intelectuais contra a ordem vigente e regimes ditatoriais. No Brasil, a extensão tem influências diversas, combinando vertentes europeia e norte-americana, contextualizada com problemas e reivindicações próprios da história e educação latino americana. As reformas universitárias na América Latina, iniciadas em 1918 por estudantes universitários argentinos, foi o pontapé inicial para uma série de reivindicações contra o “absoluto distanciamento das universidades dos grandes problemas sociais, econômicos, políticos e culturais das nações latino-americanas” [J. A. Paula, 2013 , p. 11]. Assim, buscava-se que uma universidade mais próxima do povo para contribuir com o desenvolvimento da nação.
A influência da extensão universitária de vertente europeia, de cunho culturalista, era orientada pela abertura àqueles que buscavam usufruir do conhecimento e cultura da universidade, com cursos e eventos abertos à comunidade. Por outro lado, a matriz norte-americana, que popularizou-se mundialmente, contribuiu com uma percepção de extensão como serviço, prestação de contas, da universidade, com uma vertente utilitarista [Tauchen, 2009 , p. 78]. No ensino superior brasileiro, “de modo geral, essas vertentes vão combinar-se para compor atividades variadas e de ‘nuanças múltiplas’, denominadas de extensão universitária.” [Tauchen, 2009 , p. 79], culminando no Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931, que se referia às atividades direcionadas à comunidade como uma prática secundária para as instituições universitárias e de caráter utilitário. 1
A perspectiva de prolongamento dos benefícios universitários prevaleceu por pelo menos 30 anos até que o contexto político e educacional de repressão cria o ambiente ideal para a influência latino americana se manifestar por meio de movimentos populares e intelectuais. A concepção que se tem hoje da extensão começou a ser delineada com Paulo Freire, na década de 1960, quando o pedagogo questionou a prática então vigente, vista por ele como invasiva, autoritária e alienante, para propor uma prática integrada, dialógica e de compartilhamento [J. A. Paula, 2013 , p. 18]. A crítica de Freire fundamenta o livro Extensão ou Comunicação?, publicado pela primeira vez em 1969, no Chile, e influencia iniciativas de estudantes, docentes e movimentos sociais que buscam uma universidade que dialoga, troca conhecimentos com a sociedade em vez de apenas transferir conhecimentos para ela.
Esse ideal de extensão está presente no surgimento do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex), em 1987, que organiza uma proposta de extensão universitária como
processo educativo, cultural e científico que articula ensino e pesquisa de forma indissociável para viabilizar a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. [Fórum, 2001 , p. 5].
A entidade ressignifica a atividade, com conceito mais aceito nas universidades brasileiras atualmente, e reforça seu caráter indeclinável para plena realização dos objetivos centrais da universidade [M. d. F. Paula, 2009 , p. 20], característica que é expressa na Constituição Federal de 1988.
A Carta Magna, promulgada em 1988, garantiu a autonomia universitária — buscando colocar um ponto final em uma fase marcada pela forte presença do estado na formação universitária — e abriu as portas para uma nova perspectiva acadêmica: a partir de então, as universidades deveriam respeitar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. 2 Associadas, essas instâncias podem
gerar um novo movimento no processo de produção e socialização do conhecimento na educação superior, ao relacionar dialeticamente o ensino (apropriação, pelos estudantes, do conhecimento historicamente produzido pela humanidade), a pesquisa (produção de novos conhecimentos a partir de problemas emergentes da prática social) e a extensão (intervenção nos processos sociais e identificação de problemas da prática que demandam novas pesquisas). [Mazzilli, 2011 , p. 219]
No entanto, persiste um cenário em que essas instâncias se encontram fragmentadas e coordenar a extensão às demais práticas pedagógicas representa ainda um desafio para gestores educacionais [Mazzilli, 2011 , p. 218]. Ações que propõem superar esse obstáculo são materializadas no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, que obriga “no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social” [Presidência da República, 2014 , p. 11]. Assim, associada à Constituição, a lei reforça que as práticas voltadas para a sociedade devem ser consideradas na formação universitária.
Felizmente, o que se percebe no caso da formação em jornalismo é que este é um curso com grande vocação para atividades de extensão, mesmo antes de sua obrigatoriedade pela Constituição, presentes em produções laboratoriais. No ensino de jornalismo, princípios da extensão estão ligados à formação jornalística em jornais laboratórios ao buscar promover experiências profissionalizantes e experimentais em produções orientadas para a comunidade e a influência na formação da opinião pública [Lopes, 1989 , p. 14]. No jornalismo brasileiro esse modelo é colocado em prática desde 1949 com o curso de jornalismo da Cásper Líbero, a partir de então é explorado de diferentes modos, como produções especializadas e projetos em linguagens jornalísticas. Exposições universitárias como o Expocom 3 comprovam essa vocação ao premiar todos os anos uma diversidade de projetos experimentais oriundos, em boa parte, de projetos de extensão e atividades laboratoriais.
Tendo em vista o contexto universitário brasileiro, buscamos verificar como a articulação entre práticas de ensino e extensão, aliada ao jornalismo científico, configurou como um espaço formativo privilegiado para seus estudantes, que pode contribuir com a formação de uma cultura de divulgação científica, beneficiando a própria instituição universitária que apoia este tipo de iniciativa. Para respaldar estes hipotéticos potenciais, resgatamos dois casos pioneiros no Brasil, cada um a sua maneira: Agência Universitária de Notícias (1968–atualidade), da Universidade de São Paulo (USP), e Universidade Aberta (1991–2007), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A escolha pelas agências se justifica pelo pioneirismo e protagonismo que as iniciativas assumiram na história da formação em jornalismo, reconhecidos por prêmios universitários 4 e profissionais 5 brasileiros, figurando como projetos exemplares para outros cursos no Brasil. A descrição da estrutura das agências, suas fontes de notícias, seu público-alvo e suas produções permitem elucidar os caminhos percorridos e os resultados obtidos nos âmbitos pedagógico e institucional.
Para tanto, partimos de um resgate histórico sobre o ensino de jornalismo científico que, coincidência ou não, teve nos cursos de extensão suas primeiras ações formativas no Brasil. Fazemos um relato sobre as experiências a partir da análise documental e da revisão bibliográfica de autores que participaram ativamente de cada projeto e propomos reflexões sobre os potenciais vislumbrados em cada iniciativa. Ao final, podemos considerar que a instituição universitária pode se beneficiar ao apoiar iniciativas de jornalismo científico. As agências apresentam vantagens econômicas e estruturais, constituindo um modelo viável de divulgação científica de baixo custo para as instituições e, principalmente, para os estudantes que têm acesso a um ambiente com fontes qualificadas, pesquisas pioneiras e o desafio de contextualizar a produção científica universitária à realidade do público.
2 Início autodidata
O ideal positivista que tomou conta do Brasil e do mundo na primeira metade do século XX propiciou o ambiente adequado para a popularização dos conhecimentos científicos, que prometiam, junto da técnica e do pensamento racional, trazer avanço e desenvolvimento para o terceiro mundo. Foi neste contexto, que persistiu até o final da década de 1960, que surgiram os primeiros jornalistas científicos brasileiros, 6 geralmente apaixonados pela ciência que viam na atividade uma maneira de divulgar conhecimentos e eventos relacionados à ciência em maior ou menor grau, mas sem cobertura sistemática sobre o tema [Moreira e Massarani, 2002 , p. 55]. O período é marcado pelo autodidatismo, em que não se registram muitas trocas profissionais nem ações de aperfeiçoamento, já que os poucos cientistas engajados com a divulgação eram vistos por seus pares com desconfiança, “em alguns centros se cavou um profundo fosso entre ciência e jornalismo, como se a notícia científica se apequenasse ou prostituísse quando veiculada na imprensa.” [Reis, 2002 , p. 75].
A relação conflituosa entre jornalistas e cientistas, diagnosticada por José Marques de Melo como o “calcanhar de aquiles” do jornalismo científico, representou um problema para as experiências de jornalismo científico até meados da década de 1960.
O exercício [do jornalismo científico] esbarra, de maneira cristalina e inevitável, nas ‘relações de poder’ que se estabelecem entre cientistas e jornalistas, estes figurando como ‘newsmakers’, propensos a socializar conhecimento erudito, e aqueles atuando como ‘gatekeepers’, nem sempre dispostos a facilitar a popularização da ciência. [Melo, 2014 , p. 40]
Este cenário muda apenas a partir das iniciativas públicas de incentivo ao desenvolvimento científico que além de fomentar a produção científica também atuou no aperfeiçoamento dos profissionais responsáveis por sua divulgação e formadores dos futuros profissionais.
Enquanto o mundo vivenciava a Terceira Revolução Científica, a da tecnociência, no Brasil e na América Latina de maneira geral isto se refletia num momento político-econômico de busca pela modernização, na compra do mito desenvolvimentista, baseado na tecnocracia, que valoriza a ciência como caminho para abandonar o Terceiro mundo. “Para lograr essa meta, tornava-se indispensável a ampla difusão de tais conhecimentos, especialmente aquelas inovações capazes de acelerar a industrialização e modernizar a agricultura dos países pobres” [Melo, 2014 , p. 41]. Assim, a partir da década de 1960, a ciência passa a fazer parte de políticas públicas, que buscam uma nova perspectiva para o conhecimento científico, até então tido como erudito, distanciado das necessidades sociais. Essa busca evidenciou a necessidade de especialização profissional para os jornalistas que começavam pautar a ciência e, especialmente, a tecnologia, motivada ainda pelo aspecto comercial, pois essas produções são “configuradas enquanto produto passível ao consumo.” [G. S. Lima e Giordan, 2014 , p. 25].
3 A profissionalização pela extensão universitária
Ações de aperfeiçoamento para o jornalismo científico começam a ser delineadas após o Golpe de 1964 sob comando da Unesco, em parceria com a Organização dos Estados Americanos (OEA), buscando romper as dificuldades encontradas nas interações entre jornalistas e cientistas nas primeiras tentativas de democratização do conhecimento científico [Melo, 2014 , p. 40]. Nessa época as organizações estavam sob forte influência norte-americana, que se preocupava com a possibilidade que ditaduras de esquerda se propagassem pelo continente americano [Meditsch, 2012 , p. 53], e colocaram em prática uma grande intervenção no ensino de jornalismo brasileiro por meio do Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina, o Ciespal.
Não é possível falar das iniciativas em ensino de jornalismo no Brasil sem citar a presença do Ciespal, responsável pela popularização do modelo norte-americano no jornalismo brasileiro através da formação profissional de jornalistas, deixando marcas no ensino superior em jornalismo assim como no jornalismo científico. O Centro se instalou em Quito, Equador, em 1958 e começou suas atividades promovendo cursos, seminários e workshops em diferentes países da América Latina para jornalistas em atividade e professores. Uma destas iniciativas foi o Curso de Jornalismo Científico, que integrava “parte das estratégias da Unesco para furar o bloqueio existente entre cientistas e jornalistas.” [Melo, 2014 , p. 41]. O curso foi ministrado no Chile, em 1965, para professores e profissionais atuantes no jornalismo latino-americano. Entre outras ações conduzidas pela Ciespal está a associação com o Centro Interamericano para la Producción de Material Educativo y Cientifico para la Prensa (Cimpec) na condução de pesquisas quantitativas e qualitativas sobre jornalismo científico nos países latino-americanos [L. Lima, 2000 , p. 47], e a reedição do livro Manual de Periodismo Educativo e Científico, em 1976. Após os primeiros cursos para jornalistas em atividade, as estratégias da entidade voltaram-se para os futuros profissionais.
Neste período já estava evidente o domínio norte-americano no Ciespal, um claro exemplo disso é a reconfiguração do curso de jornalismo que é transformado em curso de comunicação social através do currículo mínimo de 1969, instaurando o modelo mass communication nos estudos brasileiros de comunicação [Meditsch, 2015 , p. 25]. A entidade passa a orientar em seus seminários a necessidade de capacitação para os assuntos científicos. Porém, o pouco conhecimento acumulado a respeito do jornalismo científico foi uma das preocupações apontadas pelo professor José Marques de Melo ao implementar o ensino da especialidade na USP, em 1970.
4 AUN e a formação contextualizada
Marques de Melo conta que a providência tomada por cursos de jornalismo na época foi acrescentar a disciplina de jornalismo científico na sua grade curricular, porém, Melo via como uma fórmula muito simplista.
A questão mostrava-se bem mais complexa, não se reduzindo à assimilação de decálogos de boas intenções no sentido de popularizar a ciência. Sobretudo porque havia então escasso conhecimento acumulado a respeito dos processos de difusão científica, principalmente sobre as rotinas profissionais vigentes. O que iriam ensinar os professores de jornalismo científico? [Melo, 2014 , p. 42–43].
Essa precaução teórico-metodológica refletiu no modelo inovador de formação desenvolvido na USP. A articulação dos temas científicos à já existente Agência Universitária de Notícias, AUN, em 1971, marcou uma reestruturação da disciplina laboratorial criada junto com o curso em 1968.
A alternativa encontrada pela instituição foi “estimular o interesse dos estudantes pela problemática da divulgação científica, através de dois mecanismos complementares: a) extensão universitária; b) experimentação profissional” [Melo, 1985 , p. 77], por meio de remodelação da AUN. A mudança de estratégia da agência-laboratorial, que passou a privilegiar o noticiário científico, teve início um ano antes, quando o jornalista Manuel Calvo Hernando foi convidado para ministrar o curso de extensão de Jornalismo Científico na USP. O curso, a princípio voltado para alunos do curso de jornalismo, atraiu também os jornalistas interessados pela divulgação científica, confirmando que a ciência começava a ganhar espaço nos veículos comerciais [Melo, 1985 , p. 77].
Inicialmente o laboratório funcionava como uma agência noticiosa que tinha na USP sua fonte de notícias, fazendo boletins sobre coberturas de eventos promovidos pela universidade, tal como congressos e seminários, que eram remetidos para os jornais da grande São Paulo. Após a reestruturação, e graças à parceria com o Cimpec, os alunos do quinto semestre passam a produzir e editar matérias sobre o mundo da ciência e a produção científica na USP. As produções eram distribuídas em boletins semanais para os jornais do Brasil e traduzidas para o espanhol pelo Cimpec que por sua vez tinha matérias de jornalismo científico traduzidas pelos estudantes [Melo, 1985 , p. 79]. O projeto nesses moldes durou até 1975, quando a perseguição política aos profissionais das universidades públicas afastou diversos professores e críticos da ditadura. “Nesse contexto o trabalho científico converteu-se em atividade quase ‘subversiva’, porque as pesquisas da universidade não corroboravam as decisões e as previsões da tecnoburocracia” [Melo, 1985 , p. 81].
A professora Cremilda Medina que assumiu, ao lado de Paulo Roberto Leandro, a agência no período entre 1973 e 1975, reforça o caráter de extensão universitária do projeto, participando ativamente de um contexto geopolítico que se desenvolvia na época, com o plano da Nova Ordem Mundial da Informação que deu origem ao relatório MacBride.
Isso fazia com que o projeto não fosse exclusivamente de gosto pedagógico mas uma vertente de extensão fundamental que era contribuir para a configuração de polos de informação do Hemisfério Sul, e não essa questão de, simplesmente, receber a informação das grandes agências de notícias do Hemisfério Norte. [Medina apud Santos, 2007 , p. 145–146].
Após entrevistas com professores e jornalistas que participaram da AUN em diferentes momentos do projeto, Santos identificou unanimidade entre os docentes sobre a importância do projeto para formação dos estudantes, especialmente “o exercício prático das atividades jornalísticas, auxílio no desenvolvimento de textos e abre a possibilidade do aluno atuar em uma área profissional segmentada.” [Santos, 2007 , p. 151]. Essa opinião também era compartilhada pelos estudantes: “81% disseram que a agência contribui para o aprimoramento acadêmico pessoal, exercício prático das atividades jornalísticas, auxílio no desenvolvimento de textos e estímulo ao cultivo às fontes” [Santos, 2007 , p. 154]
Em todo seu período de funcionamento o público-alvo da AUN permaneceu sendo os veículos de comunicação, inicialmente jornais paulistas e cariocas e posteriormente abrangendo diferentes regiões do país. Desde 2002 passa a funcionar em plataforma online, e a partir desta fase começa a funcionar como uma agência com conteúdo multimídia. Atualmente o projeto integra atividade laboratorial obrigatória para estudantes do segundo ano, coordenada por professores responsáveis pela disciplina Laboratório de Agência de Notícias, que é integrada também por seis horas/aula semanais. A estrutura pessoal é composta por cerca de 30 alunos-setoristas por semestre, web-designer e editora de conteúdo [Silva e Martins, 2016 , p. 2], que mantém a atualização do site e do boletim noticioso.
5 Universidade Aberta
Se o pioneirismo da AUN se deu por ser a primeira agência de notícias universitária do país, o Universidade Aberta da UFSC foi igualmente inovador ao lançar o primeiro portal de notícias atualizado diariamente de Santa Catarina e da universidade brasileira, em 1997. Antes disso, o projeto, iniciado em 1991, já era reconhecido por estar presente em diferentes meios de comunicação, com a veiculação diária de um programa de rádio e a produção do programa Universidade Aberta na TV em parcerias com emissoras locais, além da produção de um jornal impresso. É com o lançamento do Unaberta Online que inicia uma nova fase, quando “tornou-se uma produtora e agência de notícias multimídia, com supervisão de professores e jornalistas profissionais” [Meditsch e M. Frighetto, 2015 , p. 187–192]. Outro aspecto da inovação do projeto foi a conquista do seu auto-financiamento proporcionado por diferentes parcerias, sendo a principal delas com a Comissão Permanente de Vestibular (Coperve/UFSC), em que o Universidade Aberta passou a ser responsável pela comunicação do vestibular da universidade, possibilitando o investimento em profissionais, bolsistas e equipamentos.
Entre os assuntos abordados pelo Universidade Aberta, estava a divulgação de serviços oferecidos pela universidade para a comunidade interna e externa, informes institucionais para estudantes, reportagens sobre a universidade e a educação superior, como a cobertura extensiva feita sobre a greve dos docentes federais em 1998. O jornalismo científico encontrava espaço em programas como o Ciência para a Vida, apresentado na Rádio de Santa Catarina, e nas matérias que tratavam da produção científica e tecnológica da UFSC publicadas semanalmente em jornais de Joinville e de Florianópolis [Baldessar, 2002 , p. 2–4]. A ciência voltava a ser notícia nas coberturas realizadas de congressos científicos como os da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Semana de Ensino Pesquisa e Extensão da UFSC [E. Frighetto M. M. e Zuculoto, 2005 , p. 6].
Participavam do projeto bolsistas e estudantes voluntários de diferentes fases do curso sendo que os estudantes-repórteres ainda frequentavam oficinas, obrigatórias para os bolsistas, constituídas tanto por conteúdo mais prático, como instruções para utilizar programas de edição, quanto “por discussões, também em forma de oficina, de temas como autonomia universitária, economia, políticas públicas — estas são dadas por professores convidados.” [Baldessar, 2002 , p. 6]. Considerando que o projeto foi responsável por diferentes programas, fruto das mais variadas parcerias, pode-se afirmar que seu público-alvo era diverso, não obstante é evidente a predominância para temas voltados à comunidade universitária nacional e da UFSC [E. Frighetto M. M. e Zuculoto, 2005 , p. 3].
Analisando o projeto de maneira ampla, sem adentrar nas produções de jornalismo científico, reconhece-se que a principal diferença em relação à AUN, é uma visão mais universal para a universidade, nítida em matérias sobre greves, orçamento para a educação, dicas sobre a vida estudantil, etc. Apesar de a proposta não ter sido totalmente voltada especificamente para a divulgação científica, ao fazer a cobertura sistemática de assuntos da educação superior, relacionando-se com fontes do meio científico e divulgando informações sobre os conhecimentos produzidos na UFSC, 7 o Universidade Aberta contribuiu com o processo de democratização do conhecimento, essência do jornalismo científico, como apontado por Wilson Bueno:
Para elaborar uma pauta competente em C&T&I, o jornalista científico precisa estar em dia com os principais temas destas áreas para que possa propor questões atuais e relevantes que estimulem o debate e a reflexão e contribuam efetivamente para o chamado processo de alfabetização científica. [Bueno, 2012 , p. 5].
Para a formação dos estudantes o projeto proporcionou ao menos três principais benefícios identificados por Meditsch e Frighetto, após entrevista com ex-participantes, nomeadamente: “a relação entre professores e alunos num ambiente de produção de um jornalismo real; a possibilidade de fazer experimentação; e a participação em coberturas multimídias.” [Meditsch e M. Frighetto, 2015 , p. 194–195]. Baldessar, por sua vez, evidencia o caráter inovador pedagógico e tecnológico, em relação ao próprio currículo e ao jornalismo comercial da época:
Embora não tenha oficialmente em seu currículo nenhuma disciplina de jornalismo on-line, o curso de Jornalismo da UFSC oferece a seus alunos a possibilidade de experimentar nessa área. Contradição ou a experimentação necessária dentro de um espaço que pode se permitir olhar e atender as demandas de mercado mas, ao mesmo tempo, ultrapassá-las? [Baldessar, 2002 , p. 12].
Assim, além da integração multimídia, o destaque do curso de jornalismo foi sendo constituído pelo modelo de formação de seus estudantes para uma nova tecnologia que ainda estava em experimentação e reunia diferentes conhecimentos e atores para sua implementação. “Zé Lacerda (…) junto a outro estudante, Pedro Valente, construiu a primeira página do Unaberta Online em HTML (…). Como os professores ainda não dominavam a tecnologia, alguns alunos acabaram se tornando instrutores dos colegas e dos próprios mestres.” [Meditsch e M. Frighetto, 2015 , p. 195–196].
Por fatores internos e externos o projeto acabou em 2007: a reestruturação no Plano Estratégico de Comunicação da UFSC, excluiu o Universidade Aberta da comunicação do vestibular, retirando “bolsas de extensão dos professores e funcionários, além de verbas de serviços e de material. Internamente, seus últimos coordenadores estavam assumindo outros desafios. Outros docentes não se interessaram em continuar o projeto. Os alunos também não reclamaram.” [Meditsch e M. Frighetto, 2015 , p. 194].
6 A extensão universitária: o encontro com o(s) outro(s) e com a prática
A compreensão vigente de extensão universitária na atualidade está intimamente ligada ao trabalho do pedagogo Paulo Freire, que na década de 1960 reforçou o discurso dos movimentos sociais da época que reivindicavam a democratização da educação. Até então, a extensão tinha concepção unilateral: a universidade com seu conhecimento superior fazia inserções pontuais na comunidade externa. Em seu livro Extensão ou Comunicação? , Freire problematiza a relação entre os detentores do saber técnico-científico e os saberes populares, onde o primeiro subjuga e anula o conhecimento do segundo, tornando-se mero objeto. Porém, enfatiza o autor, “conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer” [Freire, 1983 , p. 16]. O movimento pró-democratização da educação marcou o início de uma nova percepção sobre as funções sociais da universidade brasileira, passando a exigir, além do acesso a todos, uma troca dialógica entre os conhecimentos populares e os técnico-científicos, tendo a extensão como elemento central na integração da universidade à realidade do povo brasileiro [J. A. Paula, 2013 , p. 16].
João Antônio de Paula destaca o papel desempenhado pelo Fórum de Pró-Reitores da Extensão das Universidades Públicas Brasileiras no desenvolvimento de políticas implementação e avaliação das ações de extensão, tendo participado ativamente na reconceitualização da atividade.
É tarefa da extensão construir a relação de compartilhamento entre o conhecimento científico e tecnológico produzido na universidade e os conhecimentos de que são titulares as comunidades tradicionais. É tarefa da extensão a promoção da interação dialógica, da abertura para alteridade, para a diversidade como condição para a autodeterminação, para a liberdade, para a emancipação. [J. A. Paula, 2013 , p. 20]
Foi a entidade que propôs a organização da extensão em oito áreas temáticas: saúde, educação, trabalho, meio ambiente, comunicação, direitos humanos e justiça, tecnologia de produção e cultura. A comunicação está dentro do grupo sugerido pelo autor dos “direitos humanos pensados a partir de uma cidadania ampliada: o direito ao meio ambiente saudável e sustentável; o direito à informação e à comunicação livres e qualificadas; o direito de apropriação e geração de novas tecnologias.” [J. A. Paula, 2013 , p. 21]. É, portanto, aí que as ações de extensão dos cursos de jornalismo se localizam sem, contudo, ignorar as demais áreas temáticas, uma vez que devem ser articuladas num projeto institucional que vise o “enfrentamento das questões contemporâneas do ponto de vista da solidariedade e da sustentabilidade.” [J. A. Paula, 2013 , p. 22].
Valério (2006) concluiu 8 que a extensão universitária representa um espaço ideal para a promoção da divulgação científica:
A extensão agora entendida como processo educativo, cultural, científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade; ou ainda, como prática acadêmica que objetiva interligar a instituição com as demandas sociais, contempla, definitivamente, os pressupostos que conferem importância e legitimidade às ações de divulgação científica. [Valério, 2006 , p. 82].
Como particularidade da divulgação científica, valer-se das práticas de extensão como momento pedagógico apresenta duplo potencial para o jornalismo científico: 1) a proximidade com os centros científicos, logo fontes e pesquisas de referência, que integram fonte (quase) inesgotável de material jornalístico; e 2) a oportunidade de colaborar efetivamente com a democratização do conhecimento, exercendo a práxis em um ambiente profissional, mas sem pressões do mercado de trabalho o que significa um ambiente com maior liberdade experimental e editorial. Aliás, a liberdade editorial é um dos elementos apontados por Wilson Bueno (2012) para exercer um jornalismo científico crítico, posto que não deve se submeter aos interesses, especialmente políticos e econômicos, cada vez mais presentes em pautas científicas no jornalismo comercial. Bueno acredita ainda que a formação para o jornalismo científico deve estar integrada em um processo não só para a formação do estudante, mas de um projeto de democratização do conhecimento:
A capacitação do jornalista científico deve ser pensada como estratégica em uma política global de comunicação para a cidadania e não pode mais ser adiada. Espera-se que a comunidade científica, os veículos, os empresários da comunicação, as entidades representativas do jornalismo, as universidades e a sociedade estejam dispostos a estabelecer finalmente uma parceria para que ela se concretize. [Bueno, 2012 , p. 11].
Já Santos observa que, ao definir temas vinculados ao compromisso social da universidade, as agências de notícia podem ultrapassar o objetivo formativo dos estudantes e contribuir com o contexto social, uma vez que
Ao definir uma estrutura neste sentido, todos ganhariam: os alunos, pois passariam a refletir e entender melhor os temas sociais onde atuam; a universidade, que estaria contribuindo para a coletividade e cumprindo seu papel social; e a comunidade, que disporia de informação e conhecimento, de forma gratuita. [Santos, 2007 , p. 251]
Fica evidente, portanto, as potencialidades que as atividades de extensão ligadas ao jornalismo apresentam à democratização do conhecimento, contribuindo com a formação de uma cultura científica. Para somar, há ainda o elemento pedagógico. O fato de as agências não precisarem de disciplinas específicas para promover uma formação para o jornalismo científico, no caso da AUN, e jornalismo on-line, no caso do Universidade Aberta, é sinal do caráter pedagógico da extensão que, acompanhado por leituras, oficinas e reuniões, corroboram com uma pedagogia dialógica [Freire, 2016 ] em que professores, jornalistas e estudantes aprendem e ensinam juntos. Quando articulada à pesquisa e o ensino, realça as particularidades e potencialidades pedagógicas de cada um destes momentos na formação do estudante. Nos casos estudados, confirmam a liberdade para experimentação e indicam que a instituição universitária pode valer-se de projetos deste tipo para promover ações de divulgação científica e responsabilidade social.
Por fim, é preciso considerar as diferenças regimentares entre a AUN, que é uma disciplina laboratório, e o Universidade Aberta, um projeto de extensão. No caso do projeto da USP o financiamento e organização institucional estão submetidos à instância do ensino, a disciplina laboratório oferece a garantia curricular de continuação e regularidade da iniciativa. Já no projeto da UFSC, o financiamento foi um fator para o desenvolvimento do Universidade Aberta, assim como também teve peso para o fim do projeto. Ambos os casos, cada um com sua particularidade, demonstram como as atividades de extensão ainda precisam ser integradas aos planos institucionais das universidades e legitimada nos projetos curriculares dos cursos visando sua articulação com o ensino e a pesquisa. Nesse sentido, a orientação do PNE para a curricularização das práticas de extensão orientadas para a pertinência social representa uma possibilidade de desenvolvimento para agências universitárias e experiências de divulgação do conhecimento científico produzido na universidade.
7 Considerações
Este trabalho teve como objetivo descrever e refletir sobre a maneira que atividades de extensão universitária podem se constituir como potenciais espaços formativos para o jornalismo científico. Traçando a história do ensino da especialidade podemos observar que as ações de extensão, por meio de cursos de especialização, foram as primeiras iniciativas de formação profissional para o tema, com o Curso de Jornalismo Científico, em 1965. Os cursos de extensão continuaram a ser ofertados na década de 70 e só a partir de então começam a adentrar o campo acadêmico-universitário, por orientações do Ciespal. Desde então, além de disciplinas teóricas, vale-se de produções laboratoriais para promover a extensão universidade-comunidade.
A Escola de Jornalismo da USP, por meio da AUN e sua associação com o Cimpec, liderou iniciativa pioneira no Brasil, logrando “institucionalizar o Jornalismo Científico sem a necessidade de criar uma disciplina especial no currículo” [Melo, 2014 , p. 47]. O caso da USP é exemplar por demonstrar como os ideais da extensão universitária podem estar vinculadas ao ensino em uma disciplina laboratório, a agência foi instituída e coordenada visando os princípios da extensão universitária por atender àquele princípio constitucional que tem por objetivo promover uma relação dialógica entre universidade e sociedade. Em seguida, ao descrevermos as ações da Universidade Aberta, pôde ser feita uma análise comparativa sobre os casos relatados, percebendo as potencialidades de cada modelo. Verificamos que a atenção à extensão universitária apresentou potencial, por um lado, para uma formação profissional dialógica e de experimentação da práxis profissional entre estudantes e professores e, por outro, para a promoção da responsabilidade social intrínseca à universidade. No entanto, é necessário observar que para o êxito e consolidação de iniciativas deste gênero, a extensão ainda tem como principal obstáculo tornar-se uma prática institucionalizada nas universidades brasileiras. A resposta para esse desafio no contexto contemporâneo brasileiro é curricularizar a extensão, articulando a obrigatoriedade de atividades formativas e ações voltadas para a sociedade, processo ainda em estruturação e que encontra exemplos exitosos na formação em jornalismo científico.
Referências
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Authors
Luiza Mylena Costa Silva é jornalista especializada em marketing digital e escreve sobre saúde como redatora de conteúdo online. Está concluindo seu Mestrado em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: mylena.luiza@yahoo.com.br .
Notas
1 “Art. 42. A extensão universitária será efetivada por meio de cursos e conferências de caráter educacional ou utilitário, uns e outros organizados pelos diversos institutos da Universidade, com prévia autorização do Conselho Universitário.” [BRASIL apud Tauchen, 2009 , p. 79].
2 “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” Constituição Federal, 1988. Disponível em http://www.senado.leg.br/atividade/const/ con1988/con1988_14.12.2017/art_207_.asp . Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
3 A Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom) é uma premiação promovida pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) organiza anualmente em reconhecimento aos trabalhos experimentais produzidos exclusivamente por estudantes no campo da Comunicação que devem, obrigatoriamente, ser realizados no espaço acadêmico da Instituição de Ensino Superior (IES) sob orientação e/ou supervisão de um ou mais docentes. Disponível em http://portalintercom.org.br/premios_new/expocom1/apresentacao11 . Acesso em 14 de março de 2018.
4 “O projeto Universidade Aberta foi vencedor das edições do Expocom de 1997, 1998, 1999 e 2000 nas categorias Design de Tela, Jornal Online e Homepage. A agência de notícias Universidade Aberta, recebeu o Grand Prix de Jornalismo em 1998.” (Disponível em https://web.archive.org/web/20050308204053/http://www.unaberta.ufsc.br:80/quemsomos.php Acesso em 12 de julho de 2018.)
5 “Na 10a edição do Prêmio rêmio ABAG/RP de Jornalismo José Hamilton Ribeiro, oferecido pela Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto, reportagens da AUN, ganharam os três primeiros lugares na Categoria Jovem Talento, modalidade escrita.” (Disponível em https://paineira.usp.br/aun/index.php/apresentacao/ . Acesso em 12 de julho de 2018.)
6 Até o início do século XX não era possível afirmar que existiam jornalistas científicos, já que as ações de divulgação científica eram promovidas principalmente por “homens ligados à ciência por sua prática profissional como professores, engenheiros ou médicos ou por suas atividades científicas, como naturalistas. Não parece ter sido relevantes a atuação de jornalistas ou escritores interessados em ciência.”[Moreira e Massarani, 2002 , p. 52].
7 Disponível em http://web.archive.org/web/20070702064721/http://www.unaberta.ufsc.br:80/ quemsomos/ . Acesso em 28 de fevereiro de 2018.
8 No trabalho, promovido na UFSC, foi feita análise documental e entrevista com profissionais responsáveis por 23 ações de divulgação científica na instituição [Valério, 2006 , p. 76–78].