1 Introdução

A produção científica, por parte dos acadêmicos brasileiros, tem, nos últimos anos, feito cada vez mais parte dos noticiários. Assim como demonstrado por Norte [ 2020 ], o destaque para essa produção não tem sido para enaltecer seus méritos e produções de altíssima qualidade, mas principalmente para debater os cortes de verba destinados a esse setor. Entretanto, em um relatório produzido pela agência Clarivate Report , em 2019, a pedido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foram apresentados os números referentes à produção científica no Brasil entre 2013 e 2018, e esses dados revelam não só uma forte relação das Universidades Públicas com a produção científica nacional, como também um aumento de 30% na publicação de artigos científicos no país nesse período [ Web of Science Group, 2019 ].

Essa forte relação entre as universidades públicas e a ciência se manifestou claramente durante a pandemia de Covid-19, onde atuaram de forma efervescente unindo forças entre as diferentes áreas do conhecimento para poder trazer credibilidade e acesso as informações e medidas de combate ao vírus. Assim sendo, a não valorização da Ciência & Tecnologia (C&T) por conta de corte de verbas possibilita a fragilização de um sistema de inovação e pesquisa construído nas últimas décadas [ Arbix, 2020 ]. Como salientado por Pezzo [ 2018 ], dado um cenário de questionamento constante sobre a importância e relevância do direcionamento de verbas públicas para a ciência e tecnologia, aliada a constante equiparação de opinião pessoal a fatos científicos, a utilização de estratégias que envolvem a divulgação de ciência é decisiva para recuperar a legitimidade do processo científico e ganhar o apoio popular.

Também em 2019, foi realizada a mais recente pesquisa de “Percepção Pública de Ciência e Tecnologia no Brasil”. Nessa pesquisa, encomendada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), é possível analisar mais de perto a relação da população brasileira com a ciência. Os dados obtidos demonstram que as pessoas possuem confiança na ciência e em seus “atores principais”, apesar de não serem capazes de citar o nome de um cientista ou instituição que realiza ciência no Brasil [ Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), 2019 ].

Quando perguntado aos entrevistados sobre quem são os cientistas, a maioria das pessoas os definiu como “pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade”, mas quando questionadas, por exemplo, sobre a eficácia dos antibióticos contra vírus, 78% afirmaram que esses medicamentos são úteis para matar os vírus, e na verdade não são [Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), 2019 ]. Com este cenário, demonstra-se a importância no uso de diferentes ferramentas para o entendimento da ciência, tal qual a divulgação científica, que permite aprofundar e problematizar o debate, com o intuito de melhorar o entendimento a respeito do papel social da ciência, tornando-se algo acessível a todos [ Delabio, Piai Cedran, Mori & Michellan Kioranis, 2021 ].

Dentre uma série de termos muitas vezes empregados como sinônimos, da Costa Bueno [ 1985 ] define a “Divulgação Científica” como um processo que se utiliza de diferentes recursos, técnicas e processos para transmitir informações científicas e tecnológicas ao público considerado leigo, sendo algo que pressupõe a recodificação e a transposição de uma linguagem tecnicista para uma mais acessível ao público geral. O agente da divulgação é denominado como Divulgador(a) Científico(a) e, de acordo com Carneiro [ 2020 , p. 6], pode ser definido como “aquele que busca tornar o conhecimento científico acessível e de fácil compreensão, utilizando-se de recursos e técnicas para favorecer o diálogo entre a ciência e a sociedade”.

Bueno também diferencia a divulgação científica do processo chamado de “Disseminação Científica” (mais tarde referida pelo mesmo autor como “Comunicação Científica”), como sendo algo que ocorre entre acadêmicos e especialistas, de áreas diferentes ou não, sobre atualizações, novas descobertas e dúvidas técnicas a respeito da ciência. Um bom exemplo deste processo são os congressos, um tipo de evento no qual autores de diferentes localidades se reúnem para discutir suas produções científicas e se atualizarem sobre suas áreas de atuação e interesse [da Costa Bueno, 1985 ].

Outro termo associado e tratado por da Costa Bueno [ 1985 ] é o de “Jornalismo Científico”. Este engloba a definição do próprio jornalismo e é realizado pelos profissionais formados na área. Também vale destacar o conceito de “Difusão Científica”, o qual considera todas as formas de passar adiante as informações científicas, abrangendo, portanto, a divulgação, a disseminação e o jornalismo científico dentro de um único termo.

O crescimento da internet, e do acesso rápido a este recurso nos últimos anos, é algo notório, que impactou diretamente a população, resultando numa relação mais próxima das pessoas com seus computadores, tablets e, principalmente, smartphones. Como demonstrado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), de 2019, 99,2% da população que acessa a internet o faz pelo celular [ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2018 ]. Este crescimento resultou, paralelamente, o aumento da disseminação de todo tipo de informação, dentre estas as informações a respeito da ciência, destacando que não foi somente um aumento da disseminação de informações verdadeiras, mas também de pseudociências e de mentiras, atualmente conhecidas como fake news . Como apontado por Vosoughi, Roy e Aral [ 2018 ], as fake news são capazes de se espalhar 70% mais rápido do que as demais notícias.

Em 2020, uma nova situação de impacto mundial foi a pandemia de Covid-19, que naturalmente promoveu um aumento da curiosidade e necessidade da população por informações científicas. Esse aumento na procura por informações pode ser constatado por meio do uso da ferramenta Google Trends , a qual verifica os termos mais pesquisados no Google (a principal base de buscas da internet). Com ela, é possível identificar um grande crescimento da procura por termos relacionados à ciência no Brasil; termos como “ciência” e “divulgação científica” se destacam nas buscas, durante os primeiros meses da pandemia. Este aumento da procura por informações promove um aumento da disseminação de fake news , com isso a necessidade e a importância do acesso a informações de confiança tornam-se evidentes e medidas, visando sanar esta demanda, começam a surgir.

Um bom exemplo das medidas que surgiram nos últimos tempos, como facilitadoras da divulgação científica, foi a criação, pela jornalista científica Sabine Righetti e pela biomédica Ana Paula Morales, da Agência Bori ( https://abori.com.br/ ). Esta iniciativa busca suplantar uma dificuldade de comunicação existente entre os jornalistas e os cientistas no Brasil, por meio da criação de uma plataforma de comunicação entre estes setores, para que assim os jornalistas possam contactar os cientistas, esclarecer dúvidas e receber explicações antes de publicarem as notícias de descobertas científicas e afins. da Costa Bueno [ 2010 ] já havia comentado a respeito dessa aproximação de jornalistas, divulgadores e cientistas, em prol da divulgação da ciência praticada no Brasil. Outros exemplos são o Instituto Questão de Ciência ( https://iqc.org.br/ ), criado pela bióloga Natália Pasternak, que busca auxiliar o uso de fatos científicos em políticas públicas. Como demonstrado por da Costa Bueno [ 2010 ], ignorar as relações de divulgação e comunicação científica acarreta em consequências negativas para políticas públicas que buscam solucionar problemas da alfabetização e democratização científica. Por fim, existe o Science Vlogs Brasil ( https://sciencevlogsbrasil.com.br/ ), uma iniciativa conjunta de divulgadores brasileiros que funciona como um selo de qualidade para as pessoas que realizam uma divulgação científica de qualidade. Esses pesquisadores trabalham como uma espécie de super-heróis que se unem contra uma ameaça em comum [ Duarte, 2019 ]. Ações como essas demonstram que há um cenário de divulgação que pode ser melhorado e profissionalizado, com ampla possibilidade de colaboração e comprometimento com informações seguras e de qualidade, que podem ser usadas pela sociedade.

Conforme relatado por Cardoso [ 2017 ] durante o evento “Difusão científica na prática”, realizado pelo Instituto de Estudos Avançados, da USP (IEA-USP), Natália Pasternak pontuou que o cenário para quem pretende fazer divulgação científica, independentemente da plataforma de escolha, ainda não é favorável. Apesar do aumento do número de recursos para acessá-la e do alcance da internet nos dias de hoje, é muito difícil competir pela atenção dos internautas em meio a tantas oportunidades de entretenimento. Neste contexto observa-se que muitas vezes as pessoas que, de fato, consomem conteúdo produzido pelos divulgadores científicos são pessoas já interessadas, ou com algum conhecimento prévio de ciência. Dados previamente apresentados por de Almeida França [ 2015 ] já indicavam o que foi pontuado por Pasternak, pois, ao analisar dados de acesso ao domínio de blogs chamado “ScienceBlogs Brasil”, verificou-se que as pessoas que consomem o conteúdo desta plataforma já possuem algum grau de familiaridade com a comunicação científica, que é utilizada pelos divulgadores científicos hospedados neste blog.

Além de haver competição com os mais diversos tipos de conteúdo e informação, o divulgador científico, muitas vezes, é visto com maus olhos pelos seus colegas do mundo acadêmico, como relatado por Ghilardi [ 2016 ], que costumam alegar interesse de crescimento pessoal por parte dos divulgadores, ou então que poderiam gastar mais tempo e energia fazendo “ciência de verdade” e publicando artigos, ao invés de “perder tempo” traduzindo seus resultados para o público leigo. dos Santos [ 2021 ] coletou relatos de divulgadores científicos que atuam no Youtube, a respeito desse preconceito do mundo acadêmico com a divulgação científica, demonstrando a falta de incentivo e grande desvalorização dessas atividades que até então não possuem valor acadêmico na vida de um pesquisador, trazendo ainda mais dificuldades para quem decide atuar com a divulgação.

Mesmo com essas divergências, ainda é possível observar que muitas pessoas interessadas e que até mesmo trabalham diretamente com ciência vêm se dedicando à divulgação científica, conciliando essa com outras atividades pessoais e profissionais. Por causa disso, traçar o perfil desses divulgadores se apresenta como uma ótima oportunidade para melhor observar e analisar esse fenômeno, estabelecendo relações entre essas pessoas, seus conteúdos, as possíveis dificuldades de divulgar ciência e o atual cenário da divulgação científica no Brasil.

A importância da ciência, uma ferramenta de entendimento do mundo e aprimoramento do conhecimento humano, como sustentáculo central de uma sociedade interconectada e tecnológica, evidencia a necessidade de que todos possam ser capazes de entendê-la e aplicá-la, de acordo com suas capacidades. É necessário, para isso, entender as relações, interesses, dificuldades e perfis sociais de quem busca suplantar tal necessidade, os Divulgadores Científicos, de forma a aprimorar a aplicabilidade e efetividade de suas ações.

Isso posto, este estudo tem como objetivo, principal, realizar de forma exploratória e descritiva, uma caracterização do atual cenário da divulgação científica no Brasil em mídias digitais, por meio do levantamento de dados, junto a indivíduos que se intitulam “Divulgadores Científicos”. Para tanto, é necessário coletar e descrever dados sociodemográficos, métricas e percepções da atividade de “divulgador científico”, obtidos diretamente de quem produz esse tipo de conteúdo. Posteriormente, serão levantados dados sobre como estes indivíduos enxergam esse universo, sobre seu papel dentro do cenário de produção de conteúdo, quais são as possíveis dificuldades de realizar produtos de divulgação científica, e se essas dificuldades possuem relação direta com os diferentes perfis de divulgadores científicos.

2 Metodologia

Foi realizada uma pesquisa descritiva de levantamento, que, de acordo com Gil [ 2017 , p. 50], “caracteriza-se pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer”. A proposta de estudo foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (CEP — USJT) e foi aprovada (N Parecer: 4.677.266). Foi aplicado um questionário estruturado, destinado à população alvo dos Divulgadores Científicos no Brasil (a partir daqui referenciado como “divulgadores”), cujo trabalho está focado nas grandes áreas da Biologia, Física, Química e Ciências da Saúde. Estes selecionados se utilizam das principais redes sociais no Brasil, como forma de propagação de seu trabalho. Para participar, o voluntário(a) devia estar de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e se encaixar na descrição de divulgador científico, a partir de sua autopercepção. Os participantes foram informados, por meio do TCLE, que a sua participação na pesquisa poderá gerar um risco mínimo, sendo informados que sua identidade, apesar de coletada, não será divulgada e nem fará parte da análise direta dos dados.

O questionário, intitulado “Perfil dos Divulgadores Científicos”, foi confeccionado utilizando a ferramenta digital “Google Formulários”. Todas as perguntas utilizadas foram criadas e selecionadas pelos autores do projeto, visando atingir o objetivo de traçar o perfil dos indivíduos que realizam divulgação científica e procurar obter informações a respeito de possíveis dificuldades existentes no processo de divulgação científica. Ele foi dividido em cinco seções: “1: Termo de compromisso e ciência dos dados coletados”; “2: Informações pessoais”; “3: Dados sobre sua divulgação”; “4: Sua relação com a divulgação”; e “5: Finalização — Acompanhamento dos resultados futuros”; contabilizando um total de 43 perguntas de cunho quali-quantitativo e com tempo estimado de preenchimento de, em média, 15 minutos. O questionário ficou disponível para coleta de respostas a partir do dia 10 de maio de 2021 até o dia 4 de julho de 2021, totalizando 56 dias.

Para iniciar a abordagem, junto aos divulgadores, foi criada uma relação de perfis de divulgação científica, a partir de buscas nas redes sociais. Foram identificados 100 divulgadores dentro do perfil proposto até a proposição do trabalho ao CEP, atingindo um total de 342 divulgadores encontrados durante o período em que o questionário esteve aberto a respostas. Cartas convite foram enviadas a estes potenciais voluntários de forma online via e-mail, Instagram ou Twitter. Estas cartas, além de solicitar participação desses divulgadores, também pedia que o participante compartilhasse o questionário para outros membros da comunidade de divulgação científica, para com isso aumentar o alcance da pesquisa. Esta estratégia de ampliação do alcance do estudo é denominada de método de Snowball , que consiste em atingir um número maior de possíveis voluntários para o estudo a partir do compartilhamento da informação pela rede de contato dos voluntários que já aderiram. Com isso, garante-se que mais indivíduos com perfil alvo tenham acesso ao estudo, o que pode levar a uma amostra maior [ Vinuto, 2014 ].

Os dados obtidos a partir do questionário foram descritos como média ± desvio padrão, ou como porcentagem, de acordo com a natureza das variáveis, sendo apresentados, após tabulação, por meio de tabelas e gráficos.

3 Resultados

Ao término do período de coleta de dados (dia 4 de julho de 2021) foram totalizadas 184 respostas ao questionário. Deste total, cinco foram descartadas, por diferentes motivos, como: duplicidade de resposta, não aderência às áreas pré-definidas para este estudo e respostas de indivíduos com menos de 18 anos. Assim, foram obtidas, ao final, 179 respostas válidas.

Foram abordados, por envio de carta convite pelas redes sociais, 334 divulgadores científicos que se encaixavam nas propostas do trabalho. Destes, 186 não deram nenhuma resposta, 22 responderam ao convite dizendo que iriam participar, mas não responderam ao questionário, três não se consideravam “divulgadores científicos” e 121 responderam efetivamente ao questionário. Já em função da estratégia Snowball de amostragem, foi possível contabilizar 60 respostas ao questionário. Dois participantes não informaram no questionário suas páginas de divulgação científica, sendo impossível descobrir se faziam parte do grupo atingido pelo Snowball ou se eram da lista de divulgadores abordados por carta convite. É possível observar na Figura 1 o fluxograma representativo das etapas de coleta e seleção das respostas válidas.


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Figura 1 : Fluxograma das etapas de coleta e validação das respostas dos divulgadores.

Quando perguntados sobre o estado brasileiro em que vivem, 67 (37%) disseram ser de São Paulo, seguido de 29 (16%) do Rio de Janeiro, 16 (9%) de Minas Gerais e 67 (38%) de outros estados (Figura 2 A). Quando perguntados a respeito de gênero, 91 (51%) participantes se declararam como do gênero masculino, 87 (48%) como do gênero feminino e 1 (1%) como não binário (Figura 2 B). A média de idade dos participantes é de 30 anos, sendo o mais novo de 18, o mais velho de 60 anos (moda de 23 anos) (Figura 2 C). Sobre identificação de raça, 119 (66%) se declararam como brancos, 43 (24%) como pardos, 11 (6%) como negros, 4 (3%) como de outras raças e 2 (1%) preferiram não informar (Figura 2 D).


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Figura 2 : Dados sociodemográficos dos divulgadores científicos. Legenda: A — Distribuição de divulgadores científicos por estado brasileiro em número e porcentagem. B — Identificação de gênero de divulgadores científicos em porcentagem. C — Dados relativos a idade dos divulgadores científicos: mais novo, mais velho, média e moda. D — Identificação de raça dos divulgadores científicos em número e porcentagem.

Os participantes também foram perguntados sobre sua escolaridade. Declararam-se Doutores 58 (32%) participantes, 37 (21%) se declararam Mestres, 32 (18%) estão cursando alguma pós-graduação, 31 (17%) estão cursando o nível superior e 21 (12%) estão agrupados em outras categorias. Dentre os cursos mencionadas pelos participantes que estão realizando ou já concluíram o nível superior, a Biologia é a que mais se destaca, com 90 (48%), seguida das demais áreas: Química com 15 (7,5%), Física 12 (6,5%) e outras áreas com 54 (29%); 4 (2%) participantes possuíam mais de uma formação superior.

A respeito do trabalho de divulgação científica desses participantes, todas as respostas abordavam pelo menos uma das 4 áreas propostas neste estudo, e a grande maioria demonstrou que faz divulgação em mais de uma área, dando uma média de 2,7 áreas diferentes por divulgador. De um total de 484 respostas dadas, a área mais mencionada foi a de Biologia, com 154 (32%) respostas, seguida de Ciências da Saúde com 90 (19%), Química com 64 (13%) e Física com 56 (12%). Outras áreas diversas foram citadas de forma esparsa, como Geologia ou Ciências Sociais, correspondendo a 120 (25%) respostas. Os participantes também responderam se já haviam tido algum tipo de experiência ajudando na parte técnica ou na formulação de conteúdo, colaborando ou realizando divulgação científica anterior ao seu projeto atual, e 87 (49%) responderam que já haviam tido alguma forma de experiência; destes a grande maioria se tratava de projetos de extensão e/ou acadêmicos (dados não demonstrados). Esses divulgadores também falaram sobre a época em que iniciaram seus trabalhos com divulgação científica, existindo um destaque claro para o período de 2016 a 2020, com 139 (78%), e para o período de pandemia (de março de 2020 até a data de fechamento do formulário), totalizando 73 (41%).

Os divulgadores também foram questionados sobre quais redes sociais eles utilizam para seu projeto de divulgação (Tabela 1 ). De um total de 576 respostas múltiplas, o Instagram liderou, com 161 (28%) respostas, seguido do Facebook com 93 (16,1%), Twitter com 80 (13,9%) e Youtube com 73 (12,7%). As demais redes e meios de divulgação citados somaram 169 (29,3%), dando uma média de 3,2 redes utilizadas por divulgador. Quando perguntados sobre qual opção de rede seria seu principal meio de divulgação, 3 redes obtiveram destaque, e foram elas Instagram com 112 (63%), Twitter com 23 (13%) e Youtube com 16 (9%).


Tabela 1 : Redes e mídias utilizadas na divulgação científica pelos participantes.
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Também foi perguntado sobre quais seriam as razões que interferiram na escolha das redes usadas para fazer a divulgação e, com posse das três principais redes usadas, se tornou possível comparar as respostas, como demonstrado na Tabela 2 . Os dois principais motivos para todas as redes são o alcance de maior número de pessoas (24%) e maior familiaridade com a plataforma (22%). Outros motivos que se destacam para o Instagram são as ferramentas disponíveis (18%) e a simplicidade da plataforma (16%); para o Twitter os pontos de destaque são a simplicidade da plataforma (20%) e a influência de outros divulgadores (18%). Já para o Youtube chama a atenção o ponto de “facilidade para gerar retorno financeiro” (16%) e influência de outros divulgadores (16%); para outras redes as razões de destaque são as ferramentas disponíveis (25%) e a simplicidade da plataforma (14%).


Tabela 2 : Fatores para escolha da rede social para fazer divulgação científica (respostas com opções múltiplas).
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Também foi solicitado aos participantes que informassem a grandeza do seu número de inscritos, além do número de acessos por semana, considerando sua principal rede de divulgação. Observou-se uma concentração desses números na faixa de 100 a 10.000 inscritos e/ou acessos semanais (Tabela 3 ).


Tabela 3 : Número de acessos por semana e seguidores/inscritos.
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Perguntados sobre sua frequência de publicação, considerando sua principal rede de divulgação, 67 (37%) divulgadores disseram que publicam de 2 a 5 vezes por semana e 37 (21%) publicam uma vez por semana. Sobre quanto tempo os divulgadores demoram para elaborar e estudar todo o conteúdo de uma publicação, 66 (37%) demoram de dois a seis dias, 37 (21%) demoram um dia, e 36 (20%) demoram menos de um dia nessa preparação. De acordo com as respostas, 82 (46%) divulgadores fazem seu trabalho de divulgação sozinhos e 61 (34%) trabalham em grupos de 2 a 5 pessoas.

Também foi perguntado quais seriam possíveis dificuldades enfrentadas por esses divulgadores no processo de divulgação científica e, dentre algumas possibilidades elencadas, os divulgadores puderam escolher quais eles enfrentam e qual delas era a principal. Como pode ser observado na Tabela 4 , as principais dificuldades elencadas foram: o alcance de pessoas (23%), o engajamento de seguidores (23%) e a frequências das publicações (28%). Questionados sobre o retorno financeiro, ao atuar como divulgador científico, 137 (77%) participantes nunca realizaram algum tipo de publicidade/parceria remunerada, e 168 (94%) declararam que não conseguem viver a partir do retorno financeiro proporcionado por sua divulgação científica.


Tabela 4 : Itens indicados como dificuldades de um divulgador científico (respostas com opções múltiplas).
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Os divulgadores também puderam falar livremente a respeito de suas inspirações para seu trabalho de divulgação científica. Muitos deles citaram diversas pessoas, páginas ou instituições como fonte de inspiração, somando ao todo 466 respostas, com uma média de 2,8 referências diferentes, para aqueles que citaram ter alguma fonte de inspiração. As inspirações que tiveram mais de 5 repetições dentre as respostas estão apresentadas na Figura 3 .


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Figura 3 : Referências na área de divulgação científica.

Todos puderam relatar também seus motivos para iniciar projetos de divulgação científica, e muitos relataram que a motivação surgiu da vontade de tornar sua área de conhecimento mais acessível ao público em geral, compartilhando conhecimento, para combater a desinformação e mostrar a ciência no dia a dia, como forma de hobby . A seguir estão transcritos alguns trechos de algumas das respostas dadas, que apontam também outros fatores envolvidos: “ … o início da minha divulgação científica se deu pelo pedido de colegas e amigos… ”; “ … com intuito de ajudar os universitários e quem está prestes a ingressar no nível superior. ”; “ … Os professores da Universidade onde trabalho gostariam de mostrar o que era feito dentro da Instituição… ”; “ … Comecei inspirado por outros divulgadores científicos ”; “ … me ajudou no controle da ansiedade e também a continuar preparando atividades como professora… ”; e “ … em outubro de 2020 defendi meu doutorado em formato de divulgação científica, pois queria fazer minha vó e meu pai entenderem meu trabalho… ”.

Na quarta seção do formulário, os divulgadores responderam sobre pontos relacionados com as suas impressões como um divulgador científico. Primeiramente, foi solicitado que os participantes avaliassem seu nível de dificuldade em fazer divulgação científica no início de seus projetos, e como está esse nível nos dias de hoje. Depois, foi solicitada uma avaliação pessoal sobre quanto eles consideram que seus projetos revertem resultados positivos para seu público e para eles próprios, e o quanto se sentem motivados a realizar seus projetos. As respostas foram obtidas em escala de pontos de 0 a 10, e o compilado dos dados obtidos estão descritos na Tabela 5 , sendo possível observar que não há uma grande queda no nível de dificuldade em se produzir a divulgação, mas que há uma alta motivação e que resultados positivos são atingidos para o público e para o divulgador.


Tabela 5 : Percepções pessoais a respeito da divulgação científica.
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Os divulgadores também foram questionados sobre por quanto tempo planejam continuar se dedicando às suas atividades de divulgação científica, e 87% (156) responderam que pretendem continuar por prazo indeterminado. Pensando a respeito do que poderia auxiliar ou atrapalhar a continuidade/excelência de seus projetos de divulgação daqui em diante, os dois fatores mais mencionados como auxiliadores foram retorno financeiro para 50 participantes (28%) e mais tempo para se dedicar ao projeto para 49 (27%). Já 104 (58%) declararam que o que mais prejudicaria sua divulgação seria menos tempo para se dedicar ao projeto. De forma aberta, os divulgadores também puderam falar a respeito do que ainda esperam alcançar com seus projetos atuais, e a maior parte das respostas se refere ao desejo de alcançar mais pessoas, levar a ciência para novas pessoas, estabelecer parcerias com divulgadores, maior retorno financeiro, prestígio acadêmico e reconhecimento geral. Um dos relatos apresentados resume bem este desejo: “ Espero um dia trabalhar exclusivamente com divulgação científica ”.

Perguntados a respeito dos efeitos da pandemia de Covid-19, os divulgadores demonstraram que para 92 (51%) a pandemia melhorou a qualidade de suas publicações, para 66 (37%) não alterou e para 21 (12%) piorou; sobre a frequência de publicações com 84 (47%) refletiu um aumento, com 67 (37%) não alterou e com 28 (16%) diminuiu. Por fim, 175 (98%) participantes declararam que gostariam de acompanhar ao final os resultados e conclusões do estudo.

4 Discussão

A divulgação científica no Brasil tem crescido nos últimos anos, como demonstrado por Fontes [ 2021 ] em uma análise de visualizações e de inscritos no Youtube, mesmo que não na mesma proporção do crescimento de fontes de pseudociência. Apesar de ter algum grau de crescimento, é muito complicado acompanhar quantas pessoas se dedicam a projetos de divulgação no Brasil, já que não é uma profissão formal e nem possui uma forma de validação entre os pares que se proponha a realizar uma separação formal de quem é divulgador científico de quem não é, isso sem considerar uma separação da divulgação científica de boa e de má qualidade. Algumas poucas iniciativas começam a surgir para atender a procura por especialização na área, como o Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Fiocruz.

Outro fator que influencia na dificuldade de se estimar números totais de divulgadores é que muitas vezes essas pessoas começam projetos e acabam por desistir, ou fazem pausas de períodos indeterminados, impedindo a contabilização daqueles que são ativos e os que não são. Foi possível construir uma lista de 342 divulgadores que foram encontrados por meio de uma pesquisa direta nas redes sociais. Essa lista se construiu desde o início da idealização desse trabalho até a finalização do prazo de respostas ao formulário (aproximadamente cinco meses). Além desta lista, outros 60 divulgadores foram atingidos pelo método Snowball , totalizando 402 divulgadores conhecidos por meio deste projeto; excluindo-se três perfis que não se intitulavam como divulgadores científicos e um perfil excluído, por não se encaixar em um dos critérios deste estudo, totalizando uma lista de 398 divulgadores. Certamente, o número real é muito maior do que este encontrado pelo estudo, e estes estão espalhados por instituições, redes sociais menores, em áreas mais específicas da ciência ou que simplesmente não foram encontrados em meio ao excesso de informação dentro destas redes sociais. Ainda assim, acredita-se que um total de 179 divulgadores exponha de forma fidedigna a realidade do cenário atual da divulgação científica do Brasil, não sendo de conhecimento dos autores deste trabalho a existência de outro estudo que tenha atingido um número de participantes tão expressivo no país.

Outro ponto de destaque é o fato de os divulgadores que fazem parte do público alvo deste trabalho se restringirem a 4 áreas dentro das chamadas hard sciences . A não participação de divulgadores de outras áreas de hard science , e todo o conjunto de soft sciences , se deve exclusivamente a um caráter metodológico, sendo importante salientar que todas as áreas da ciência possuem importância equivalente, portanto sua divulgação também se demonstra necessária para atingir a população de forma geral. A existência de outros divulgadores de áreas diferentes só evidencia que o número total de pessoas dedicadas a alguma forma de divulgação científica é muito maior do que se imagina, e do que se consegue estimar. A respeito da divulgação científica em soft sciences , é comum atribuir a “ciência” diretamente a temas relacionados a biologia, física e química, e, portanto, a divulgação se daria exatamente entre essas áreas, porém há um material amplo de divulgação científica em soft sciences que traz os estudos dessas áreas à tona [ Lobato-Baars, 2018 ].

Parte da expectativa deste trabalho era que o questionário se espalhasse de forma mais ampla pela comunidade de divulgadores brasileiros por meio do método Snowball , contando que os participantes compartilhassem a mensagem com pelo menos mais uma pessoa que fosse divulgadora. A diferença de respostas por parte da abordagem direta (70%) contra o método do Snowball (30%) demonstra que essa expectativa não se cumpriu e levanta o questionamento sobre a necessidade da comunidade de divulgadores fortalecer seu apoio e comunicação interna. Apesar disso, não é possível saber se os divulgadores abordados diretamente pela carta convite também receberam mensagens dos demais divulgadores por meio do Snowball , já que o número de divulgadores inicialmente abordados já era bastante expressivo. É possível também que os métodos desse estudo não tenham favorecido o incentivo a esse compartilhamento de mensagens, trazendo a necessidade de melhorar a forma de abordagem dos voluntários.

Os dados sociodemográficos coletados demonstram uma divisão homogênea entre divulgadores do gênero masculino e feminino, porém isso não se reflete quanto a cor de pele dessas pessoas, demonstrando uma maioria de brancos. Outro ponto que demonstra uma desigualdade é o fato de que 62% desses divulgadores moram em 3 estados da região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais). Essa diferença expressiva mostra que talvez seja necessário levantar um debate a respeito de representatividade dentro da divulgação científica, o que poderia atrair mais pessoas para o mundo científico. Também é necessário entender se essa concentração de divulgadores no Sudeste se deve ao maior número de centros acadêmicos nessa região e o tempo de existência de tais instituições. Uma análise do perfil social de divulgadores científicos do Youtube, realizada por dos Santos [ 2021 ], também verificou uma desigualdade. Seus dados identificaram que a maioria dos divulgadores eram homens, brancos e residentes do estado de São Paulo, salientando novamente a necessidade de uma maior representatividade a nível nacional.

Quanto a formação acadêmica dos participantes, 53% possuem algum nível de pós-formação acadêmica (Mestres ou Doutores), podendo ser um fator que traz mais confiabilidade para as informações divulgadas, seja pelo argumento de “autoridade”, que nem sempre é o objetivo, seja pelo maior grau de instrução e especialização que possuem, tendo o saber necessário para um melhor discernimento do conteúdo científico a ser divulgado. A esse respeito, vale salientar o papel importante e constante do chamado argumento de autoridade dentro da ciência, que é utilizado como uma ferramenta de persuasão ao citar nomes de cientistas importantes e as instituições ligadas ao mesmo, ora em artigos científicos ora na própria divulgação, o que confere veracidade ao discurso e que, em geral, cumpre seu objetivo [ Gontijo & de Oliveira, 2019 ]. A respeito das áreas de formação, 48% (90) dos cursos superiores que os participantes possuíam eram de Biologia, sendo que 85% (154) deles disseram fazer divulgação relacionadas com a área da Biologia, consequentemente sendo a área mais abordada nas divulgações (32%). Esse domínio evidente da Biologia levanta a questão sobre um possível viés das respostas coletadas, sendo necessário descobrir se realmente profissionais da Biologia são muito mais prevalentes na área de divulgação, ou se os demais profissionais também se sentem confortáveis para divulgar sobre Biologia, mesmo não sendo sua área de especialização.

Outro ponto de destaque são as redes sociais/meios de comunicação mais utilizados para divulgação, onde existe um claro destaque para Instagram, Twitter, Facebook e Youtube entre as redes mais utilizadas. Porém, quando questionados sobre qual meio é considerado o seu principal, os divulgadores apontam somente Instagram, Twitter e Youtube, deixando de fora o Facebook, evidenciando o contraste com o Instagram, que é mais utilizado dentre todas as outras redes/meios, de forma disparada (vale ressaltar que Instagram e Facebook fazem parte da empresa Meta). Esse ponto se contrapõe ao apontado por Barbosa e Sousa [ 2017 ], que colocam o Facebook como um ponto de partida para ampliação dos trabalhos de divulgação científica. É também necessário salientar que as abordagens diretas com os divulgadores foram realizadas por e-mail, Instagram e Twitter, levantando a possibilidade de um novo viés. De acordo com as respostas, os principais motivos para escolha das redes é possuir familiaridade com a plataforma, as ferramentas disponíveis e principalmente o alcance de pessoas. Dando destaque dessa vez ao Instagram, que a partir das respostas se revelou como a principal rede para os divulgadores, fica evidente sua relevância por causa de seu uso acentuado por parte do público e pelos divulgadores, sendo possível encontrar grande número de estudos de caso que relatam experiências de divulgações científicas nessa rede [ Luna, 2019 ; de Freitas & Rocha, 2021 ; dos Reis Rodrigues, de Jesus, Games & de Jesus Costa, 2021 ; Costa, 2019 ; da Silva, da Silva & de Castro, 2021 ; Pereira, 2021 ].

Grande parte dos divulgadores trabalha sozinho ou em grupos pequenos, realizam suas publicações de uma a cinco vezes por semana majoritariamente, possuem uma variação no tempo gasto para preparar essas divulgações e, no geral, possuem uma base de seguidores e acessos que varia de 100 a 10.000. Eles relatam que a principal dificuldade é a manutenção da periodicidade de publicações, seguida da preocupação com o alcance e o engajamento das pessoas, demonstrando a necessidade de se criar uma comunidade forte entre os seguidores desses divulgadores. Esteves [ 2020 ] destaca a importância do engajamento para o digital influencer devido sua capacidade de criar laços de lealdade com o público, que, logo, adere mais fácil àquilo que é apresentado pelo influenciador, dessa forma se constitui como uma métrica importantíssima no meio digital.

As motivações desses divulgadores para iniciar seus projetos mora, na maioria das respostas, na definição de um divulgador científico de referência, sempre buscando popularizar a ciência para outras pessoas, tornando-a mais fácil e acessível. Muitos declararam que começaram seus projetos inspirados em outros divulgadores, o que coincide com a pergunta sobre as possíveis inspirações que afetaram o trabalho dessas pessoas. Além disso, vale destacar que foram diversas as fontes de inspirações mencionadas, mas o maior destaque foi o pesquisador Atila Iamarino, que já atua há alguns anos como divulgador em diferentes redes sociais, mas que ganhou muito destaque durante a pandemia de Covid-19, por cobrir os acontecimentos de perto, com base em sua experiência e formação na área, sendo considerado uma autoridade no assunto, dentro do contexto pandêmico [ Meirelles, 2020 ]. Atila Iamarino contou com grande apoio do instituto Serrapilheira ( https://serrapilheira.org/projetos/atila-iamarino/ ), especificamente para o conteúdo produzido referente à pandemia de Covid-19. Outro destaque é a bióloga Natália Pasternak, única mulher que aparece entre os mais citados de forma individual, e que também teve forte atuação na divulgação de ciência durante a pandemia de Covid-19 [ Ramos, Minella, Wolff & de Souza Lago, 2021 ].

De forma interessante, a pandemia foi um fator que claramente teve influência no cenário de divulgação científica no Brasil e no mundo. Sabine Righetti e Luciana Costa, pesquisadoras em divulgação científica, falam a respeito de como esse período pandêmico serviu para aproximar a população com a ciência de diversas formas, trazendo visibilidade e levantando o questionamento sobre a continuidade dessa aproximação entre os divulgadores e o público consumidor deste conteúdo [ Carvalho, 2020 ]. No questionário, os participantes relataram a influência da pandemia no aumento da frequência e qualidade de suas publicações, também sendo possível ver o grande número de perfis de divulgação científica que surgiram durante o período de pandemia (de março de 2020 até junho de 2021), ao todo 73 perfis (41%). Uma pesquisa recente, publicada na revista Nature , fala sobre os impactos negativos da pandemia sobre cientistas que falaram publicamente sobre a Covid-19, e quase 60% dos entrevistados declararam ataques a sua credibilidade e 15% relataram ameaças diretas de morte. A pesquisa incluiu relatos de cientistas brasileiros, como Natália Pasternak, que falou a respeito de como foi lidar com os ataques crescentes, após criticar as medidas tomadas pelo governo brasileiro [ Nogrady, 2021 ].

Por meio das perguntas de percepção, os divulgadores demonstraram uma pequena queda na dificuldade que existia entre fazer divulgação no início de seus projetos e hoje em dia, sendo possível que a experiência exerça um fator importante sobre o trabalho de divulgação. Além disso, os divulgadores percebem um retorno positivo da divulgação tanto para eles quanto para seu público, o que mantém seus níveis de motivação aumentados, demonstrando que a grande maioria não possui em mente um prazo para encerrar suas atividades de divulgação. Talvez seja necessário também procurar soluções que venham sanar aquilo que mais afetaria a continuidade de seus trabalhos, que é o retorno financeiro e mais tempo para se dedicar ao projeto, problemas que andam juntos, já que com uma remuneração os divulgadores poderiam ter a possibilidade de se dedicar exclusivamente a seus projetos. Esse problema fica evidente quando eles respondem que em sua maioria nunca realizaram nenhum tipo de parceria comercial, nem possuem a possibilidade de viver do retorno financeiro proporcionado por sua divulgação, fato reforçado por Bueno e da Fonseca [ 2020 ], junto de ataques ideológicos que esses produtores de conteúdo sofrem nas plataformas. Muitos ainda almejam expandir seu alcance para cumprir os objetivos de suas divulgações, aliado a esse retorno financeiro tão importante.

5 Considerações finais

A divulgação científica se manifesta como uma ferramenta importante para o futuro da sociedade brasileira que, assim como muitas outras, tem a ciência como um alicerce importante de suas instituições, mas que se encontra ameaçada por ter se distanciado do público comum. Portanto, sua relevância é evidente e o seu uso deve ser aprimorado, para que possa exercer sua função de forma eficiente. Para tanto, é necessário entender seu funcionamento, e isso começa por entender um de seus personagens principais: o divulgador científico. Dessa forma, é possível orientar melhor os esforços e recursos disponíveis para os pontos mais importantes que venham a auxiliar o divulgador. Entender quem é o divulgador científico, como ele surge nessa função, suas motivações, interesses, dificuldades, inspirações e percepções da sua realidade faz parte desse processo e merece aprofundamento. Assim, considera-se que esse trabalho atingiu seu objetivo, caracterizando o perfil de um grupo expressivo de divulgadores científicos.

O atual cenário da divulgação científica no Brasil em mídias digitais conta com muitos divulgadores nesse perfil e que precisam criar uma comunidade mais fortalecida, para, assim, defenderem os interesses comuns a todos que prezam a ciência, melhorando sua comunicação interna e a representatividade frente a população do país. Com isso, entende-se que é necessário identificar com mais clareza quantos são os indivíduos que promovem divulgação científica e estabelecer critérios mais claros e objetivos para diferenciá-los dos demais indivíduos que somente divulgam conteúdo em geral pelas redes. É necessário um maior detalhamento e aprofundamento nos dados que envolvem esta área para corroborar ou mostrar novas realidades do que foi aqui apresentado, de forma a continuar descrevendo amplamente esse cenário. A partir daí, deve-se definir estratégias que amplifiquem a valorização desse trabalho, otimizando a aplicação dos recursos disponíveis e unindo os profissionais da área com uma população cada vez mais interessada e consciente a respeito do que verdadeiramente é a ciência. Um possível ponto de enfoque para essas estratégias de valorização pode ser a dificuldade manifestada pelos divulgadores de ter mais disponibilidade de tempo para suas atividades de divulgação. Além disso, também é necessário atentar-se para a dificuldade na procura por financiamento ou alguma forma de remuneração, que atenda às necessidades desses profissionais. É possível que a solução da falta de remuneração acabe também solucionando o problema da falta de tempo, já que uma fonte monetária, provinda da divulgação, poderia eliminar a necessidade de adquirir renda por meio de outras atividades laborais.

Também é de interesse geral que tais estratégias ajudem a trazer mais destaque para divulgadores de outras regiões e etnias do país, atuando em instituições e com profissionais locais, trazendo assim realidades diversas que demonstrem a possibilidade da ciência coexistir com outros fatores culturais, aproximando as pessoas que fazem parte desses diferentes contextos sociais. Portanto, a área de divulgação científica deve continuar crescendo destacando a relevância na sociedade, para manter sua influência positiva sobre a população. Já os acadêmicos devem aplicar muito esforço, junto do aprofundamento dos trabalhos de investigação do cenário da área. Assim, é importante divulgar a ciência para aproximar a população comum dos produtos do método científico, de forma que possam entender a importância e a relevância de se fazer ciência, sejam eles produtos oriundos de pesquisas de base ou aplicadas, que é a base da busca do conhecimento e do desenvolvimento de um país.

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Autores

Lucas Oliveira dos Santos — Bacharel em Ciências Biológicas como bolsista integral pela Universidade São Judas Tadeu. Atuou como estagiário no Instituo ZooFoz, sendo responsável por cuidado com os animais, e no Acervo de Zoologia, Paleontologia e Geologia da USJT, sendo responsável pela manutenção dos equipamentos e espécimes. Co-fundador e ex-Presidente da Liga Acadêmica de Biologia — USJT (LAB-USJT). Experiência como monitor de bioquímica. Área de Interesse: Biologia Molecular, Educação e Divulgação Científica.
E-mail: lucassantos.4336@aluno.saojudas.br .

Karen Barbosa Müller — Graduada em Farmácia e Bioquímica pela Faculdades Oswaldo Cruz. Mestre e Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Atuei por mais de 10 anos em estudos relacionados aos Erros Inatos do Metabolismo, com ênfase em diagnóstico de Doenças de Depósito Lisossômico. Atualmente, me dedico a carreira docente, como professora na Faculdade Oswaldo Cruz e na Universidade São Judas Tadeu, lecionando disciplinas como: Genética, Biologia Molecular, Bioquímica e Bioestatística.
E-mail: karen.muller@saojudas.br .