1 Contexto

Após as primeiras detecções de infecção por uma nova vertente do coronavírus (Sars-Cov-2), que causa a Covid-19, em dezembro de 2019, na China, os meios de comunicação de todo o mundo dedicaram seus espaços para cobrir minuciosamente o crescente número de casos e mortes causados pela nova doença, que se espalhava em um ritmo sem precedentes. Essa cobertura jornalística se intensificou em março de 2020, com a declaração oficial de pandemia pela OMS (Organização Mundial de Saúde). De fronteiras fechadas e voos cancelados à sobrecarga dos sistemas de saúde e altas taxas de ocupação das unidades de terapia intensiva, a imprensa deu os primeiros relatos históricos de uma nova pandemia e segue em uma intensa cobertura até o final de 2022, pois a pandemia não acabou e há sinais de uma nova onda da doença que já causou mais de 6,5 milhões de mortes [ Our World in Data, 2022 ].

A importância da mídia na cobertura de eventos relacionados à saúde pública é bem documentada na literatura. Em momentos de crise ou emergência, a necessidade de comunicação e informação de qualidade é alta para empoderar indivíduos a tomarem decisões embasadas, sendo que a boa relação com a mídia é ressaltada como um dos principais componentes nesta empreitada [ Holmes, Henrich, Hancock & Lestou, 2009 ]. De forma semelhante, a mídia é uma das principais fontes de informação sobre ciência [ Su, Akin, Brossard, Scheufele & Xenos, 2015 ], por meio da qual a maior parte do conhecimento acerca de novas descobertas é acessado.

Em um contexto de sobrecarga informacional [ Bawden & Robinson, 2020 ], no qual há uma abundância de fontes e conteúdos heterogêneos competindo pela atenção dos usuários, a oferta de informações científicas embasadas e profissionais é central para a manutenção do debate público saudável [ The Royal Society, 2022 ]. Este é um dos principais desafios para a comunicação científica contemporânea: “Nesta superabundância informacional, instituições científicas, cientistas e divulgadores de ciência, políticos, organizações governamentais e não-governamentais e uma sorte de atores que muitas vezes vão de encontro ao conhecimento científico, disputam o espaço digital na disseminação de narrativas sobre ciência” [ de Oliveira, 2020 , p. 2].

Como escreveram Garcia e Duarte [ 2020 ], o excesso de informações, muitas vezes conflitantes, torna difícil encontrar aquelas que são úteis para orientar as pessoas. Muitas vezes, coube à imprensa contrapor falas oficiais desinformantes a informações baseadas em evidências. 1 Com isso, observam os autores, no contexto da pandemia da Covid-19, o fenômeno denominado “infodemia” ganhou força. O termo se refere a um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo, amplificado pelas redes sociais e se alastrando rapidamente "como um vírus”. A mídia profissional, portanto, ganha ainda mais relevância.

Uma particularidade importante no caso brasileiro foi a criação do consórcio da imprensa, formado por seis grandes veículos brasileiros, que ficou encarregado de publicar os dados oficiais sobre casos e óbitos confirmados por Covid-19 após decisão do Ministério da Saúde de deixar de publicar tais informações em seu portal [ G1 et al., 2020 ]. Deste modo, coube à mídia o papel de reportar informação científica acerca do desenrolar da pandemia no país e das incertezas dos avanços científicos, bem como informar sobre medidas sanitárias apropriadas.

1.1 Desafios do jornalismo científico contemporâneo

A imprensa, junto às instituições científicas, também precisou conservar sua posição enquanto fonte de informação qualificada em um quadro de queda da credibilidade da notícia profissional. Em paralelo, vive-se também um período no qual a credibilidade da ciência foi questionada com movimentos contrários ao consenso científico. Segundo de Oliveira [ 2020 ], vive-se um momento em que as instituições que produzem e/ou compartilham o conhecimento científico (universidades, centros de pesquisa e a imprensa, por exemplo) passam por uma crise de legitimidade simultânea.

Outros autores descrevem esse contexto a partir das novas possibilidades de produção e compartilhamento de informação que o ecossistema informacional traz em torno das novas mídias digitais e sociais. Apesar das mudanças estruturais nas mídias de comunicação de massa precederem o momento histórico atual, essa nova configuração baseada no alcance cada vez maior por um custo quase zero permite a estabilização de hábitos de consumo e engajamento com informação sem precedentes.

De início, há indícios na literatura de que usuários operam uma motivação partidária por trás da seleção e avaliação de informação, fazendo com que fragmentos de informação e mesmo fatos científicos passem a ser interpretados de forma enviesada [ Röttger & Vedres, 2020 ; Oliveira, Evangelista, Alves & Quinan, 2021 ], confirmando crenças e atitudes pré-impostas.

Além dessa exposição e engajamento enviesados com informação, outro desafio é a mudança no papel da mídia tradicional perante as novas mídias, uma vez que “veículos da mídia tradicional tiveram seus modelos de negócio enfraquecidos, suas prioridades jornalísticas deslocadas e seu poder editorial reduzido pela internet e mídias sociais em particular” [Röttger & Vedres, 2020 , p. 8, tradução livre].

Assim, o ecossistema midiático, especialmente em termos de curadoria de informação, está em transformação — o que tem sido analisado por estudos de plataformização. Se antes os gatekeepers eram grupos ou instituições que tomavam decisão sobre a informação disponibilizada na mídia, hoje isso se encontra disperso. As plataformas digitais resultam na perda de monopólio acerca do fluxo de informação e de alocação de atenção na arena pública [ Jungherr & Schroeder, 2021 ].

Com plataformas como Facebook e WhatsApp, o modo de compartilhar o conteúdo também passou por profundas transformações, sobretudo devido aos algoritmos, cujas diretrizes pouco transparentes produzem novos (e frequentemente desconhecidos) critérios para definir como a informação será disponibilizada. Com frequência, esses conteúdos sucumbem à lógica comercial baseada em algoritmos [ Winques, 2022 ; Gillespie, 2018 ].

Tornou-se necessário que veículos de imprensa adaptem seus processos [ Poell, Nieborg & Duffy, 2022 ]. Por mais que seja possível manter certo grau de autonomia em relação às plataformas, os autores ressaltam que o processo editorial se torna dependente delas essencialmente nas etapas de distribuição, marketing e monetização, nas quais suas infraestruturas são integradas.

A centralidade crescente das novas mídias para consumo de informação no novo ecossistema midiático traz consequências também para a autoridade científica uma vez que os mediadores de credibilidade e relevância hoje operam por mecanismos em grande parte desconhecidos e com critérios distintos aos da comunidade científica.

Como sintomas dessas profundas transformações que Jungherr e Schroeder [ 2021 ] chamam de estruturais estão a propagação de desinformação, o questionamento à credibilidade e imparcialidade da imprensa, bem como de instituições políticas (vale lembrar que esses autores estão preocupados sobretudo com o compartilhamento de informação política). Não obstante, muitos estudos na área de desinformação em saúde também ecoam essas preocupações com as plataformas frequentemente associando a elas um papel fundamental na circulação de conteúdos falsos [ Escóssia, 2019 ; Massarani, Waltz, Leal & Modesto, 2021 ; Massarani, Leal & Waltz, 2020 ; Costa, Viegas, Moreira & Abreu, 2020 ].

A forma com a qual é possível sintetizar informação hoje em dia para postar nas redes sociais faz com que indicadores tradicionais de qualidade da informação, como autoria, informações sobre a fonte e, no caso da informação científica, o aval de evidências, fiquem descontextualizados [ The Royal Society, 2022 ].

Esta conjuntura, Gillespie [ 2018 ] sinaliza como uma revolução importante para as formas de comunicação atuais: o fato de estarmos recorrendo a algoritmos para identificar o que precisamos saber é tão marcante quanto termos recorrido aos especialistas credenciados, ao método científico, ao senso comum ou à palavra de Deus.

Outro desafio importante para o jornalismo atual é combater a desinformação [ de Sola, 2021 ] que, muitas vezes, ganhou voz em autoridades públicas durante a pandemia, como o próprio governo federal. Observou-se, no Brasil, um crescimento de movimentos negacionistas e conspiratórios que, incentivados por autoridades políticas como o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL), pregaram o uso de medicamentos sem eficácia contra o vírus e desestimularam o uso de vacinas [ Madacki, 2021 ].

Somando-se a um quadro de sobrecarga de trabalho nas redações [ Massarani, Neves, Entradas, Lougheed & Bauer, 2021 ; de Sola, 2021 ], as dificuldades para o jornalismo científico na pandemia não são poucas. No entanto, a confiança dos brasileiros na imprensa se mantém alta para informações no geral [ Reuters Institute, 2022 ] e sobre a pandemia [ Toff et al., 2021 ], confirmando tendência já demonstrada em outros estudos [ CGEE, 2019 ]. Por mais que o consumo de informação dos brasileiros ocorra principalmente por meio de redes sociais [Reuters Institute, 2022 ], os usuários relatam baixa confiança nos conteúdos consumidos nestes ambientes; em contraposição, afirmam confiar na imprensa profissional [ Oliveira, Wang & Xu, 2022 ], justificando uma análise detalhada sobre esses conteúdos.

Considerando a conjuntura de crise enfrentada pela mídia tradicional e pela autoridade científica, faz-se pertinente um estudo acerca das informações científicas em circulação, especialmente dentro de uma fonte altamente confiada, como a imprensa. Na literatura sobre jornalismo científico, as pesquisas comumente dedicam-se a descrever os padrões de fontes, tamanho de texto e dispersão dos temas correlatos à ciência dentro dos jornais, com destaque ao impresso [ Massarani, Buys, Amorim & Fernanda, 2007 ; Bauer, Ragnarsdottir, Rudolfsdottir & Durant, 1995 ; Bucchi & Mazzolini, 2008 ]. Existe também uma preocupação mais recente em avaliar a qualidade da comunicação científica em vários meios, incluindo a imprensa [ Olesk et al., 2021 ]. Contudo, menos atenção é dada para descrever o que consiste em conteúdos de ciência na imprensa.

Na literatura internacional, “assuntos de ciência” nas notícias foram definidos como aqueles que reportam sobre descobertas científicas e/ou eventos relacionados às ciências naturais e aplicadas e que incluem aspas de cientistas e argumentação baseada em ciência [ Bucchi & Mazzolini, 2008 ]. Outra abordagem propõe que notícias sobre ciência são aquelas em que aparecem falas de especialistas, pesquisas nas ciências naturais e sociais e o uso de jargão, informação numérica e gráficos, mesmo que a pauta em si não seja sobre ciência [ Bauer et al., 1995 ].

Os dois trabalhos apontam também para a fragilidade de definir notícias sobre ciência a partir da sua publicação em editorias de Ciência ou por repórteres especializados, o que foi confirmado na literatura brasileira com evidências de ciência ocupando diversas editorias da imprensa [ Vogt, Castelfranchi & Righetti, 2012 ]. Contudo, apesar de serem abordagens altamente construtivas, é importante que essas definições sejam atualizadas para englobar as novidades do campo do jornalismo científico à luz de novos desafios. Além disso, na pandemia, ampliaram-se as vozes de cientistas que falavam sobre os diferentes impactos da pandemia [ Xavier, Barata, Tercic & Hafiz, 2020 ], fazendo surgir uma diversidade de atores para discutir temas relacionados à ciência na imprensa, temática na qual este estudo também se aprofunda.

Este trabalho busca somar-se a outros que também propõem a classificação de notícias sobre ciência no contexto de uma crise de saúde pública levando em consideração o ecossistema midiático e momento histórico atuais. É o caso de Neves e Massarani [ 2022 ], que, em uma análise sobre a cobertura de Covid-19 em quatro países, propõem a existência de cinco grandes temas que se sobressaíram nas notícias publicadas por "Folha de S.Paulo"(Brasil), "The New York Times"(Estados Unidos), "The Guardian"(Reino Unido) e "China Daily"(China).

Os autores demonstram que as notícias giraram em torno de cinco categorias: epidemiologia e ciência; governo e política; economia; sociedade e relações internacionais. Nosso estudo soma-se a esse em propor uma categorização de conteúdo oriundo da imprensa profissional na pandemia de Covid-19 em dois países desses países (Brasil e Estados Unidos), e, apesar da diferença na amplitude das amostras, assemelha-se na análise dos dois primeiros temas.

Ao propor uma categorização de conteúdos veiculados na imprensa, interessou-nos analisar como a Covid-19 foi abordada por dois jornais de grande impacto no Brasil e nos Estados Unidos. Mais precisamente, interessou-nos compreender tal cobertura a partir da perspectiva do jornalismo científico, ou seja, queríamos saber quantas peças eram essencialmente sobre ciência — criando, para essa definição, uma classificação —, em que seções eram publicadas e quem eram as fontes entrevistadas para as matérias.

2 Metodologia e objetivos

Neste estudo de caso, utilizou-se como método análise de conteúdo com base em Bardin [ 2016 ] para observar a cobertura de Covid-19 no maior jornal do Brasil "Folha de S.Paulo"("Folha") e, em seguida, um veículo semelhante dos Estados Unidos (EUA), o jornal "The New York Times"("NYT"). Ambos enfrentaram turbulências políticas semelhantes envolvendo seus presidentes, Jair Bolsonaro (PL) e Donald Trump (Partido Republicano), respectivamente, e a resposta governamental à pandemia. Este trabalho considerou que "Folha de S.Paulo"e "The New York Times"têm um papel importante no ecossistema midiático dos respectivos países, inclusive pautando, em efeito cascata, rádios, TVs e veículos regionais.

Na análise midiática, foi feito um recorte temporal de uma semana específica de junho de 2020, período no qual o Brasil estava estagnado no platô de uma média de mil mortes diárias por Covid-19. 2 Nessa época, o vírus circulava no país há quatro meses, atingimos a marca de 50.000 casos da doença, os ensaios clínicos da vacina AstraZeneca/Oxford haviam começado em São Paulo e a ciência avançava na compreensão do vírus (mais de dez artigos acadêmicos sobre a Covid-19 publicados por hora no mundo, de acordo com Righetti e Gamba [ 2020 ]. Trata-se de um período típico e simbólico do primeiro ano da pandemia no país. 3 Como veremos a seguir, a análise teve o objetivo de fazer um exercício classificatório do conteúdo sobre Covid-19, sem a pretensão de extrapolá-lo para o contexto de toda a cobertura jornalística da pandemia.

Além disso, havia uma peculiaridade no ecossistema da mídia brasileira: em junho de 2020 havia sido estabelecido o consórcio de notícias formado por seis dos mais influentes veículos de notícias do Brasil — incluindo a "Folha de S.Paulo"[ G1 et al., 2020 ]. O consórcio recolheu e publicou dados oficiais sobre os casos e óbitos por Covid-19 no país até janeiro de 2023.

O conteúdo jornalístico analisado nos dois jornais foi coletado diretamente nos sites da "Folha de S. Paulo"e "NYT"com os algoritmos de web scraping utilizados na mineração de dados com código escrito em Python, a partir da expressão ou termo "Covid-19"no intervalo de 21 a 27 de junho de 2020. 4 Assim, foi levantado todo conteúdo jornalístico publicado nos sites no período estabelecido contendo "Covid-19", incluindo editoriais e artigos de opinião.

Em seguida, o conteúdo foi salvo em um banco de dados Excel em duas tabelas, respectivas para cada jornal. Após análise que levou à exclusão de matérias que mencionavam “Covid-19”, mas não tinham relação com a pandemia, chegou-se a 423 peças efetivamente sobre Covid-19, sendo 245 textos na "Folha"e 178 textos no "NYT". Desses, de acordo com a classificação de de Melo e de Assis [ 2016 ], um total de 52 textos da "Folha"eram de gênero "opinativo"(40 colunas assinadas, dez editoriais e duas cartas de leitor) e 193 textos "informativos". Já no "NYT", dos 178 textos, 22 eram "opinativos"e 156 "informativos".

O banco de dados trouxe, inicialmente, quatro categorias de informação automaticamente preenchidas: i) título do conteúdo, ii) data de publicação, iii) editoria e iv) link do texto. Em seguida foram adicionadas duas categorias de informação na análise, criadas para classificar os resultados de acordo com seu assunto principal: v) fontes mencionadas e vi) classificação do conteúdo. A Tabela 1 oferece um exemplo de como isso foi feito, com um texto da "Folha".

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Tabela 1 : Categorias de informação do banco de dados a partir de um exemplo de conteúdo levantado. Fonte: Elaboração própria [2022].

Neste artigo, vamos nos debruçar sobretudo na distribuição dos conteúdos jornalísticos a partir do desenvolvimento da última categoria de informação, a classificação do conteúdo. Isso foi feito identificando o tema principal/objeto dos conteúdos, extraídos por meio de leitura dos pesquisadores. Assim, foram criadas seis classificações de conteúdo, "Ciência e novas pesquisas", "Cobertura internacional", "Crise política", "Cenário da pandemia", "Histórias de pessoas"e "Impactos da pandemia", descritas na Tabela 2 .

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Tabela 2 : Classificação do conteúdo definida para esta análise. Fonte: Elaboração própria [2022].

A categoria “Crise Política”, no caso da "Folha", contempla sobretudo notícias sobre falta de transparência nos dados oficiais sobre a pandemia [ Cancian, 2020 ; Lopes & Onofre, 2020 ], troca de ministros [ “Ex-ministro da Saúde Nelson Teich é o convidado do Ao Vivo em Casa desta quinta”, 2020 ; Cancian & Fernandes, 2020 ] e o conflito da gestão da pandemia frente a evidências científicas. Não se trata, portanto, de combate a falas contendo desinformação propriamente dito.

Noticiar e questionar a insurgente onda de negacionismo sobre a pandemia foi mais marcante na cobertura do "NYT"[ New York Times Editorial Board, 2020 ; Krugman, 2020 ], mas ainda sim com menor frequência do que a politização em torno das medidas de contenção contra o novo coronavírus [ Tavernise, Robles & Keene, 2020 ; Epstein, 2020 ]. Esses conteúdos são focados em reportar a forma com que a resposta estadunidense à pandemia ocorreu de forma partidária.

Já "Ciência e novas pesquisas"compreende conteúdos de jornalismo científico em si, conforme definição de Bueno [ 1985 ]. São fatos, eventos, atualidades e descobertas científicas — no caso, claro, relacionadas à Covid-19. Esses conteúdos, como mostraram Vogt et al. [ 2012 ], e como veremos, não necessariamente estão restritos à editoria de ciência, mas estão dispersos em todo o jornal — inclusive em espaços dedicados à interação com leitores.

Os demais conteúdos, classificados como "Cobertura internacional", "Crise política", "Cenário da pandemia", "Histórias de pessoas"e "Impactos da pandemia", podem tratar de maneira lateral/marginal de ciência ou de conceitos científicos ao abordar a pandemia, sem, no entanto, ter a informação científica como evento. Há casos de tomadas de decisões políticas ou declarações sobre a pandemia, mortes de celebridades por Covid-19, fechamento das escolas e demais impactos que têm uma informação — um novo vírus — como pano de fundo.

Importante mencionar que alguns conteúdos podem ser identificados em mais de uma classificação. 5 Nesse caso, todas as classificações foram consideradas nos gráficos de resultados. Por isso, as análises gráficas trazem um N maior do que o número total de notícias coletadas. Isso será analisado a seguir.

3 Resultados

Como mencionado anteriormente, o presente estudo analisou o conteúdo sobre Covid-19 abordado em dois veículos de notícias diários em dois países — "Folha", no Brasil, e "NYT", nos EUA, em uma semana típica do primeiro ano da pandemia, em junho de 2020. Os materiais foram categorizados e classificados em seis grupos desenvolvidos neste trabalho: "Ciência e novas pesquisas", "Cobertura internacional", "Crise política", "Cenário da pandemia", "Histórias de pessoas"e "Impactos da pandemia".

Em termos quantitativos, nosso estudo mostra que o número total de notícias publicadas sobre a pandemia foi cerca de 30% maior na "Folha"do que no "NYT": 245 resultados no primeiro jornal contra 178 conteúdos no segundo.

O mesmo cenário se observa com as matérias identificadas como de "Ciência e novas pesquisas". Nesse caso, foram 28 conteúdos publicados na "Folha"(11,4% do total) e 15 conteúdos no "NYT"(8,43% do total). Em ambos os jornais, um em cada dez conteúdos sobre a pandemia no período selecionado tratavam especificamente de "Ciência e novas pesquisas". A Figura 1 e a Figura 2 ilustram os dados em porcentagem e números totais.

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Figura 1 : Distribuição de notícias sobre Covid-19 por classificação na "Folha"e no “Nyt” (%). Fonte: elaboração própria [2022].

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Figura 2 : Distribuição de notícias sobre Covid-19 por classificação na "Folha De S. Paulo"e no “Nyt” (total). Como já mencionado, alguns conteúdos podem ser identificados em mais de uma classificação. Nesse caso, todas as classificações foram consideradas nos gráficos de resultados. Justamente por isso, as análises gráficas trazem um N maior do que o número total de notícias coletadas para análise. Fonte: elaboração própria [2022].

Salta aos olhos que a quantidade de conteúdos classificados como "Ciência e novas pesquisas", "Cenário da pandemia"e "Crise política"é bem próximo no período analisado. É o caso, por exemplo, de "Bolsonaro faz apelo por reabertura e fala em ‘exagero’ no enfrentamento da pandemia"(Equilíbrio e Saúde em "Folha, 22/06) e "Some Republicans Aren’t in Denial About the Virus. Trump Still Is" 6 (Opinião/editorial, "NYT", 23/06).

Mais do que isso, como vimos, coube à mídia o papel de reportar informação científica acerca do desenrolar da pandemia, as incertezas dos avanços científicos e de combater a tomada de decisão sem evidências de autoridades. Os resultados evidenciam que informar sobre ciência e questionar a formulação de políticas públicas no caminho contrário ao consenso científico vigente por parte de autoridades locais podem ter recebido o mesmo peso da imprensa.

O presente estudo não se propôs a analisar em profundidade a qualidade do conteúdo dos materiais divulgados em "Ciência e novas pesquisas", mas, cabe ressaltar, por inspiração de e Massarani e Neves [ 2022 ], que um dos materiais da "Folha"abordava resultado de pesquisa em preprint. Trata-se do texto intitulado "Estudo identifica fatores que contribuíram para disseminação inicial da Covid-19"("Equilíbro e Saúde", 23/06). Originalmente publicado pela "Agência Fapesp"e reproduzido pela "Folha", o estudo estava, na época, como informa o material, no "MedArvix, ainda sem revisão por pares".

A cobertura jornalística de preprints, como observam Massarani e Neves [ 2022 ], tornou-se um fenômeno na pandemia e é um assunto entre estudiosos de comunicação da ciência. Ainda nesse contexto, vê-se que os textos de "Ciência e novas pesquisas"analisados estão focados na produção dos chamados "fatos científicos", ou seja, sobretudo nos resultados de pesquisas. Fala-se pouco, nos materiais, sobre o processo científico como um todo e suas controvérsias (por exemplo, o que significa um estudo estar em etapa de preprint?). Esse tipo de desdobramento analítico, sobre a qualidade dos materiais analisados, pode ser feito posteriormente, em trabalho futuro.

Interessante notar, ainda, que nos dois veículos analisados, "Folha"e "NYT", conteúdos classificados como "Impactos da pandemia"se destacaram no total produzido sobre Covid-19 no período analisado. São textos variados sobre temas como crianças autistas na pandemia, doação de alimentos, fechamento de shoppings etc. É o jornalismo priorizando o factual sobre a Covid-19 e o interesse público maior: o impacto do novo vírus respiratório diretamente na vida dos leitores.

Exemplos de conteúdo nos dois veículos, nas seis classificações desenvolvidas neste estudo de caso, estão descritos na Tabela 3 .

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Tabela 3 : Exemplos de peças por classificação — "Folha"e "Nyt". Fonte: Elaboração própria [2022].

Na "Folha", 75% dos conteúdos especificamente de "Ciência e novas pesquisas"(21 de 28 conteúdos) estão publicados na editoria "Equilíbrio e Saúde", com equipe especializada na área. Há, no entanto, materiais de jornalismo científico e de saúde também em Colunas, Esporte, Opinião e Podcasts — o que reforça estudo anterior que aponta que conteúdo científico está presente em todo o veículo de imprensa [ Vogt et al., 2012 ].

Indo além, na "Folha", a maioria dos conteúdos de "Ciência e novas pesquisas"é de gênero "informativo"pela classificação de de Melo e de Assis [ 2016 ], mas também há conteúdos "opinativos"como colunistas Esper Kallas e Júlio Abramczyk — ambos médicos –, Mônica Bergamo e até mesmo um editorial do jornal.

No "NYT", por sua vez, a dispersão de material sobre a pandemia foi ainda maior: 46,7% dos textos classificados como "Ciência e novas pesquisas"(7 dos 15 conteúdos ao todo) estão na editoria "Health"(Saúde). Os demais se espalham por espaços como editoria de Artes, Cartas de Leitor e Editorial.

Verificamos, por fim, que materiais sobre Covid-19 no período analisado foram publicados em 43 seções diferentes do "NYT"(descritas, nas Figura 3 e 4 , em 11 grandes editoriais e um grupo "Outros"a fim de facilitar a visualização da informação). Na "Folha", por sua vez, há informação sobre Covid-19 em 18 editoriais, conforme ilustra a Figura 3 . Para facilitar a visualização, elas foram separadas em dez grandes editoriais e um grupo "Outros". 7

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Figura 3 : Distribuição de notícias sobre Covid-19 por editoria na "Folha"(%). Fonte: elaboração própria [2022].

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Figura 4 : Distribuição de notícias sobre Covid-19 por editoria no "Nyt"(%). Fonte: elaboração própria [2022].

Assim, é possível concluir que a cobertura sobre Covid-19 no período selecionado para este estudo de caso é maior (em termos de quantidade de conteúdo) e muito mais concentrada em um conjunto de editorias na "Folha"em comparação ao "NYT". Ambos os jornais, no entanto, despenderam mais energia na cobertura de "Impactos da pandemia", recordista de conteúdos, e deram praticamente o mesmo peso para "Ciência e novas pesquisas"e "Crise política", o que mostra que a divulgação de resultados científicos sobre Covid-19 e a resposta governamental controversa à pandemia receberam o mesmo peso editorial.

3.1 Fontes nos conteúdos da "Folha"

Especificamente no caso da "Folha de S.Paulo", realizamos uma análise detalhada das fontes citadas em todos os conteúdos sobre Covid-19 no período selecionado, visando identificar padrões de gênero, nacionalidade, instituições, rotulagem e perfil profissional das pessoas entrevistadas nos materiais de gênero "informativo", ou seja, nas reportagens [ de Melo & de Assis, 2016 ].

Ao todo, foram identificadas 59 fontes consideradas ‘científicas’ nesses conteúdos. São profissionais rotulados como pesquisadores, professores universitários, médicos e membros de organizações e sociedades científicas, 8 mobilizadas por jornalistas com a intenção de falar sobre seus próprios estudos e/ou comentar eventos ou pesquisas recentes. A elas, daremos o nome de "fontes científicas". 9 Importante mencionar que 26 das 59 fontes científicas (44% delas) foram citadas em conteúdos de "Ciência e novas pesquisas". Isso significa que mais da metade dessas fontes estão analisando, à luz de evidências científicas, fenômenos reportados em textos classificados como "Cobertura internacional", "Crise política", "Cenário da pandemia", "Histórias de pessoas"e "Impactos da pandemia".

Em uma análise da diversidade dos atores em termos de gênero, identificou-se que 25,4% das fontes científicas (15 de 59) eram mulheres (pronome feminino), enquanto os homens representavam 74,6% das fontes científicas (44 de 59). Os dados despertam para uma necessidade de análise profunda de gênero e mídia, já que estão em descompasso em relação à própria ciência. Dados da Elsevier reportados por Batista e Righetti [ 2017 ] mostram que, no Brasil, metade (49%) dos autores de artigos científicos são mulheres.

Cientistas mulheres estão mais concentradas justamente nas áreas de saúde, ligadas a temáticas da Covid-19. Não parece fazer sentido, portanto, que apenas 25,4% das fontes científicas ouvidas nos materiais da "Folha"no período analisado sejam mulheres. Interessante notar, no entanto, que a microbiologista Natalia Pasternak, na época, atuante na USP, e bastante presente em mídias digitais, é ouvida em duas reportagens da "Folha"no período analisado em materiais classificados como "Impactos da pandemia"e "Ciências e novas pesquisas". 10

Quanto à nacionalidade das fontes científicas, os dados mostram que 44 dos 59 nomes consultados eram brasileiros (76,4%) e as 15 restantes eram especialistas de outras sete nacionalidades: Estados Unidos (7), Índia (2), Itália (2) , Espanha (1), Inglaterra (1), Irlanda (1) e Rússia (1). UC Berkeley (EUA) foi a única instituição estrangeira com mais de uma menção (2) no período analisado.

Além de nomes, claro, é importante destacar o papel das instituições científicas na comunicação social de ciência na pandemia. Nesse sentido, em termos de instituições, observou-se que as mais citadas estão a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), ambas consultadas seis vezes, assim como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), citado quatro vezes, e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mencionado três vezes no material analisado.

Observa-se que duas das quatro instituições mais citadas são universidades públicas (USP e Unicamp), o que aponta para um aspecto importante do sistema brasileiro de produção científica, no qual aproximadamente 90% de todas as pesquisas nacionais são realizadas por pesquisadores de universidades públicas [ Righetti & Gamba, 2019 ].

Também aponta para uma proeminência da região Sudeste como a principal referência em termos de instituições de ensino e pesquisa do país — caso das menções a USP, FGV e Unicamp. Algumas exceções são a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), ambas no estado da Bahia na região Nordeste, além da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também na região Nordeste do país.

Vale mencionar, ainda, que nos 28 conteúdos de "Ciência e novas pesquisas"da "Folha", especificamente, há menção a 24 fontes científicas diferentes (17 cientistas, um médico, três executivos e cinco professores). Desses, a maioria (18) está vinculado a instituições de pesquisa do Brasil, com destaque para USP e Unicamp (com dois especialistas cada). Os demais, são de instituições de pesquisa dos EUA (4), Índia (1) e Inglaterra (1). Por fim, o número de especialistas homens (16) é o dobro de mulheres (8) especificamente nos textos de "Ciência e novas pesquisas"no período analisado.

Com os resultados obtidos, nossa análise já permite sinalizar que há mais homens do que mulheres entre os cientistas citados como fonte nos textos e mais brasileiros que estrangeiros referenciados (o que é um importante avanço desde o estudo de Massarani et al. [ 2007 ] sobre a cobertura de ciência na "Folha de S.Paulo", o qual chama atenção para a grande predominância de fontes e pesquisas estrangeiras no jornal). Há, ainda, presença maior de pesquisadores vinculados a instituições do Sudeste, especialmente do estado de São Paulo, do que de outras regiões do país.

Outro ponto importante é que nossa análise do perfil dos pesquisadores citados como fonte também permite entender de que forma a literatura sobre Política Científica e Tecnológica (PCT) se faz especialmente pertinente. Com frequência, os jornais dão créditos às fontes citadas nos textos intitulando-as como professores de universidades. Logo, a separação entre as carreiras de pesquisador e professor é dificilmente distinguida.

4 Discussão e conclusão

Este estudo analisou a cobertura sobre Covid-19 na "Folha de S.Paulo"e no "NYT", em uma semana específica de junho de 2020. Sabe-se, como ponto de partida, que se trata de uma amostra limitada, porém, bastante significativa, já que ambos os jornais têm um papel importante no ecossistema midiático dos respectivos países, Brasil e Estados Unidos, inclusive pautando, em efeito cascata, diferentes mídias nacionais e internacionais.

Sabe-se, ademais, que este estudo de caso se restringiu a um recorte temporal de uma semana específica, de 21 e 27 de junho de 2020, que, portanto, não pode ser extrapolado para a cobertura jornalística de toda a pandemia (que tampouco acabou). É, no entanto, um período típico e simbólico do primeiro ano pandêmico, quando o Brasil estava estagnado no platô de uma média de mil mortes diárias por Covid-19, o vírus circulava no país há meses, os ensaios clínicos da vacina AstraZeneca/Oxford haviam começado em São Paulo — mas não havia sinal de vacinas ainda — e a ciência avançada na compreensão do vírus. Estudos complementares em outros recortes temporais são necessários para aprofundar a análise a caminho de uma possível extrapolação dos resultados.

A técnica de extração de conteúdo analisado por mineração de dados inserido em um banco de dados, vale destacar, permitiu análise quantitativa e qualitativa importante de um total de 423 peças nos dos jornais em seis categorias: i) título do conteúdo, ii) data de publicação, iii) editoria, iv) link do texto, v) fontes mencionadas e vi) classificação do conteúdo. Manualmente, seria difícil atingir a mesma dimensão de análise com tantas peças.

Indo além, este estudo de casa avança de maneira metodológica ao propor, dentre as categorias de informação, uma classificação de conteúdo a partir da identificação do tema/objeto central de cada peça em seis grupos: 1) "Ciência e novas pesquisas", 2) "Cobertura internacional", 3) "Crise política", 4) "Cenário da pandemia", 5) "Histórias de pessoas"e 6) "Impactos da pandemia".

A primeira ("Ciência e novas pesquisas"), categoria que nos interessa mais, diz respeito a textos sobre pesquisas recém-publicadas ou que incluem comentários de especialistas sobre a pandemia. Já as outras cinco categorias, como vimos, trazem conteúdos diversos sobre Covid-19, que podem — ou não — estar publicados na editoria de ciência/saúde dos respectivos jornais e podem — ou não — ter as chamadas "fontes científicas"dentre seus especialistas entrevistados.

Nosso estudo mostra que o número total de notícias publicadas sobre a pandemia foi cerca de 30% maior na "Folha"do que no "NYT"na semana analisada: 245 resultados no primeiro jornal contra 178 conteúdos no segundo. E que a mesma proporção se observa com as matérias identificadas como de "Ciência e novas pesquisas". Nesse caso, foram 28 conteúdos publicados na "Folha"(11,4% do total) e 15 conteúdos no "NYT"(8,43% do total). Trocando em miúdos, em ambos os jornais, um em cada dez conteúdos sobre a pandemia no período selecionado tratavam especificamente de "Ciência e novas pesquisas".

Essa é, também, a mesma proporção de cobertura de conteúdos da categoria "Crise política"nos dois jornais analisados, "Folha"e "NYT". Os resultados evidenciam, portanto, que informar sobre ciência e acompanhar a crise política no enfrentamento da pandemia podem ter recebido o mesmo peso da imprensa. Este dado aproxima nosso estudo de Neves e Massarani [ 2022 ], que verificaram, no primeiro ano da pandemia, grande participação de governo e assuntos políticos, bem como de epidemiologia e ciência. Os autores encontraram como um resultado relevante o alto grau de politização e personalização da cobertura da pandemia em função do foco nas pessoas de Trump e Bolsonaro, algo que também se sobressaiu nos nossos resultados.

Por fim, especificamente no caso da "Folha", vimos, em um afunilamento especial dedicado à análise das fontes dos materiais informativos, que a maioria das 59 "fontes científicas"ouvidas em todos os conteúdos — pesquisadores, professores universitários, médicos e membros de organizações e sociedades científicas — é masculina e de universidades públicas do Sudeste. Nos materiais categorizados como "Ciência e novas pesquisas", o número de homens ouvidos e mencionados nos conteúdos chega a ser o dobro de mulheres. Se as mulheres produzem metade da ciência nacional, por que as cientistas não são ouvidas pela imprensa na mesma proporção? Isso será objeto de estudo futuro.

Notou-se, com frequência, um embaralhamento de posições de especialistas na imprensa, especialmente no caso da "Folha". Diversas vezes, cientistas foram creditados como "pesquisadores"ou como "professores"de determinada universidade. Sabendo que esses profissionais responsáveis pela docência também são aqueles que exercem a função de chefias grupos de pesquisa e comandar estudos científicos, o crédito de “professor” nas fontes científicas foi significativo para sugerir que há uma confusão na compreensão das funções por parte da imprensa, associando o cargo de professor com o exercício de pesquisa em instituições de ensino superior.

Isso pode jogar uma luz à preferência por fontes vinculadas às universidades (como vimos, fontes da Fiocruz e do Butantan não foram ouvidas na semana analisada). Haveria um distanciamento dos jornalistas com profissionais exclusivamente dedicados à pesquisa? Um estudo mais detalhado focando em entrevistas aprofundadas com os profissionais da imprensa poderia elucidar isso. É necessário, também, acompanhar esse dado no decorrer da pandemia por meio de pesquisas futuras.

O estudo, portanto, apresenta uma proposta de classificação de informação a partir de uma semana de cobertura da pandemia de covid-19 na Folha e no NYT. O período é curto e restringe a generalização dos seus resultados para anos seguintes da pandemia. Contudo, ressalta a questão das fontes ouvidas pela imprensa nacional que, sugere-se, deve ser objeto para futuras análises, já que porta-vozes da ciência na imprensa podem impactar diretamente a compreensão social da ciência. Ademais, novas análises sobre as fontes científicas nos conteúdos do "NYT", bem como sobre as fontes não científicas — como governantes — nos dois jornais também podem ser interessantes no futuro.

Agradecimentos

Agradecemos ao Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (FAEPEX) da UNICAMP pelo suporte neste projeto, por meio do processo nº 19359-22.

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Autores

Mariana Hafiz. Mestranda em Divulgação Científica e Cultural no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor). Possui graduação em Comunicação Social — Jornalismo pela Unesp. Pesquisa circulação de desinformação sobre vacinas e é membro do Grupo de pesquisa “CIRIS — Governança, Risco e Comunicação”. Se interessa no estudo do impacto da estrutura do ecossistema informacional atual para a manutenção da expertise científica.
E-mail: marihafiz@gmail.com

Sabine Righetti. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor-Unicamp) nas áreas de cultura científica e percepção pública da ciência. Jornalista, doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp com passagens pela Universidade de Michigan e Stanford. É professora da Especialização em Jornalismo Científico e do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Labjor-Unicamp, onde coordena o Grupo de pesquisa "#TemCiencianoBR: produção científica brasileira e sua disseminação". É co-fundadora da Agência Bori.
E-mail: sabine@unicamp.br

Estêvão Gamba. Cientista de dados, doutor em Ciências pela Unifesp — Escola Paulista de Medicina. Atualmente trabalha com dados e indicadores científicos na Agência Bori. Pesquisador do grupo de pesquisa “#TemCiêncianoBR: produção científica brasileira e sua disseminação” (Labjor/Unicamp). E-mail: estevao.cabestre@gmail.com

Fernanda Quaglio de Andrade. Graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é pesquisadora de iniciação científica na área de Jornalismo Científico, no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), com bolsa fomentada pelo Instituto Serrapilheira. Estuda a cultura científica e a percepção pública da ciência nacional e participa do grupo de estudos #TemCiencianoBR, liderado pela Profa. Dra. Sabine Righetti.
E-mail: fernandaquaglioa@gmail.com

Natália Martins Flores. Jornalista, gerente de conteúdo da Agência Bori, doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tem pós-doutorado na área de Comunicação, nas linhas de pesquisa de Estratégias Comunicacionais (UFSM) e Comunicação de ciência e divulgação científica (Unicamp). Tem experiência com análise de discurso e de linguagem, tendo realizado estágio doutoral na Université Sorbonne IV, em Paris. Ela colabora com o grupo de pesquisa “TemCiêncianoBR: produção científica brasileira e sua disseminação” (Labjor/Unicamp).
E-mail: nataliflores@gmail.com

Notas

1 Um caso simbólico se deu na afirmação, do presidente Bolsonaro, de que caso fosse contaminado pelo vírus "nada sentiria ou seria acometido, quando muito, de uma gripezinha ou resfriadinho"já que teria "histórico de atleta". A declaração foi feita em rede nacional em 24 de março de 2020 e foi amplamente rebatida pela imprensa a partir de evidências científicas disponíveis na época.

2 O Brasil manteve média diária de mil mortos identificados de Covid-19 de maio de 2020 a outubro de 2020, quando observou uma queda. Em janeiro de 2021, a média diária de mortos por Covid volta a subir e chega à trágica marca de 4 mil mortos por dia no final de fevereiro de 2021, pior período da pandemia no país. Os dados são do World in Data: https://ourworldindata.org/ Acesso em 16 de novembro de 2022.

3 A título de exercício, foram realizados levantamentos no segundo semestre da pandemia para aferir se o padrão de produção quantitativa dos textos sobre a pandemia de Covid-19 se mantinha. Verificou-se, em dezembro de 2020, seis meses após o período de análise deste trabalho, que não há diferença significativa no total de peças sobre Covid-19 nos dois jornais estudados. Isso pode indicar uma tendência de temática na cobertura jornalística da pandemia, o que pode ser analisado em estudos complementares.

4 Ver https://busca.folha.uol.com.br/ ("Folha") e https://www.nytimes.com/search ("NYT").

5 Caso, a título de exemplo, e "Mundo bate recorde de novos registros de coronavírus, aponta universidade americana", publicado em Equilíbrio e Saúde da "Folha"em 27/06/2020, classificada como "Ciência e novas pesquisas"e "Cobertura internacional".

6 "Alguns republicanos não estão negando a pandemia. Trump ainda está"(em tradução livre nossa).

7 Na "Folha", a seção do gráfico denominada "Outros"correspondente a editorias como Ambiente, Empreendedor Social, Ilustrada e Turismo. Já no "NYT", a dispersão é maior: "Outros"corresponde a editorias como Americas, Asia, Arts, At home, Baseball, Books, Canada, Climate, Family, Food, Golf, Middle East, Parenting, Self care, etc.

8 Consideramos “fontes científicas” aqueles profissionais ouvidos para comentar resultados de pesquisas próprias ou de terceiros, além de comentar eventos e fatos sociais com base em conhecimento científico. São 27 cientistas, 18 professores, dez médicos e quatro "executivos".

9 Além das "fontes científicas"analisadas há fontes políticas, empresários e personagens (como pessoas impactadas, de alguma maneira, pela Covid-19). Destaca-se, sobretudo, os gestores públicos. Somente no cargo de "secretário"há 22 menções (caso, a título de exemplo, de Elcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde; Arnaldo Correia de Medeiros- secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde; Mauro Junqueira — secretário-executivo do Conasems; Bruno Miragem — secretário extraordinário de Enfrentamento do Coronavírus de PA etc). Essas fontes podem vir a ser analisadas em trabalhos futuros.

10 É o caso de "Festa em Brasília teve teste de Covid-19 na entrada com interpretação errada dos dados", Equilíbrio e saúde, 21/06 ("Impactos da pandemia") e "Redução de anticorpos contra a Covid-19 pode ocorrer em até três meses, diz estudo", "Equilíbrio e Saúde", 24/06 ("Ciências e novas pesquisas").