1 Introdução

Os zoológicos e aquários são instituições com enorme potencial para envolver um número significativo de pessoas com a conservação da biodiversidade. Segundo a pesquisa de percepção pública da C&T no Brasil de 2019 [Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2019], estão entre os locais de atividades científico-culturais mais visitados no país. A estimativa de público corresponde a 30 milhões de visitantes por ano no Brasil [Oliveira, 2017] e cerca de 700 milhões no mundo [Barongi, Fisken, Parker & Gusset, 2015]. Tais dados evidenciam a abrangência do trabalho desempenhado por essas instituições.

Atualmente, zoológicos e aquários assumem-se como centrais para a conservação da biodiversidade, pautando sua missão em ações de pesquisa, educação e processos de conservação in situ e ex situ [World Association of Zoos and Aquariums, 2005]. Diversos autores têm mostrado que zoológicos e aquários possuem grande potencial para uma efetiva educação para a conservação [Falk et al., 2007; Tunnicliffe & Scheersoi, 2009; Dove & Byrne, 2014], sendo vistos como espaços propícios para estimular a formação de atitudes a favor da conservação da biodiversidade [Bizerril, 2000; Miller et al., 2004; Yalowitz, 2004].

Em um amplo estudo, Falk et al. [2007] procuraram avaliar o impacto de visitas a zoológicos e aquários para as atitudes dos visitantes adultos em relação à conservação. Os resultados apontam que as visitas a estas instituições têm um impacto positivo para a compreensão da conservação e contribuem para o desenvolvimento de atitudes conservacionistas dos visitantes. O estudo também afirma que, após a visita a esses espaços, a maioria dos participantes da pesquisa mudou sua forma de pensar em relação aos problemas ambientais, assumindo uma postura de responsabilidade individual em relação à conservação.

Para Clayton, Fraser e Saunders [2009], espaços que possibilitam o contato com animais são vistos como potenciais centros de interação entre diferentes grupos de visitantes, que compartilham suas conexões e conhecimentos. Para os autores, isso pode se configurar como mais uma estratégia de apoio às iniciativas de conservação. Assim, torna-se importante o empenho das equipes de zoológicos e aquários na elaboração de atividades educativas e comunicacionais em conservação da biodiversidade que promovam a constituição de espaços de socialização.

Entretanto, como apontam Moss e Esson [2013], é necessário que zoológicos e aquários desenvolvam ou participem de pesquisas que promovam o entendimento não somente de suas potencialidades, mas também de seus insucessos. Os autores ressaltam que pesquisas que considerem também resultados inesperados e negativos são necessárias e urgentes. Concentrar os esforços em explorar os impactos das visitas para obtenção de resultados que comprovem as conquistas institucionais acaba por não contribuir para uma real avaliação dos impactos destas instituições para a conservação da biodiversidade.

Além disso, apesar da conservação da biodiversidade ser central para as instituições zoológicas, são raras as investigações que buscam compreender como o termo é percebido pelos sujeitos em atividade nesses locais. Entre os poucos trabalhos que buscam entender a questão, Smith [2011], a partir de entrevistas com profissionais de um aquário estadunidense, aponta que a conservação da biodiversidade é percebida de forma variada entre a equipe, podendo ser considerada como políticas ambientais, educação, estilo de vida individual, conhecimento sobre animais e preservação. As conclusões da autora podem ser relacionadas às colocações de Sandroni e Carneiro [2018] ao defenderem que é preciso considerar a polissemia do termo, uma vez que diferentes concepções de uma mesma ideia interferem nas relações sociais envolvidas.

Assim, exposições em zoos e aquários podem se tornar importantes elementos mediadores para a construção individual e social de percepções, atitudes e valores sobre a conservação da biodiversidade. Em geral, tais exposições apresentam uma variedade de elementos expográficos na construção do discurso expositivo. Entre eles, as placas de identificação animal estão sempre presentes, sendo utilizadas para apresentar aos visitantes as informações básicas da espécie em questão, complementadas, em geral, por fotografias e mapas com informações geográficas [Fraser, Bicknell, Sickler & Taylor, 2009].

Para Coelho [2021], as placas de zoológicos podem promover discussões sobre o meio ambiente e sua conservação. A autora investigou as percepções de adolescentes em relação a placas selecionadas de um zoológico brasileiro e concluiu que esse recurso rendeu comentários ricos e variados, com destaque para o bioma em que a instituição parceira estava localizada. A autora ressalta ainda que as placas propiciaram falas dos adolescentes sobre a preocupação com o bem-estar animal e com questões ambientais, como o tráfico de animais e o desmatamento.

Sendo as placas uma das principais ferramentas na interação com os públicos, seu conteúdo passa a ser de grande importância para que as instituições atinjam objetivos educativos e comunicacionais de disponibilizar informações relevantes, esclarecer dúvidas, possibilitar reflexões e facilitar conversas e trocas de conhecimentos [Tunnicliffe, 1999; Tunnicliffe & Scheersoi, 2009]. Entretanto, Martin [2012] afirma que, apesar das placas serem bastante exploradas pelos zoológicos, aproximadamente 20% dos visitantes lêem o conteúdo exposto, sugerindo a combinação desse recurso com outros meios a fim de melhorar a comunicação da instituição.

Assim, pode-se considerar que as placas expostas em zoológicos e aquários representam uma das possíveis sistematizações do discurso institucional, com especial importância em situações em que os educadores não estão presentes. Embora haja poucos estudos sobre sua efetiva aceitação, podem ser consideradas como o principal recurso de comunicação impressa com os públicos [Roe, McConney & Mansfield, 2014].

A partir disso, buscou-se compreender, neste artigo, como a conservação da biodiversidade é expressa nos conteúdos textuais das placas de zoológicos e aquários. Nossa questão de pesquisa é: quais são e como estão expressos os sentidos atribuídos à conservação da biodiversidade nas placas de zoológicos e aquários?

É importante destacar que o presente artigo é um recorte de um projeto de pesquisa mais amplo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Choices (Cultura e Historicidade em Comunicação e Educação em Ciências), da Universidade de São Paulo, desenvolvido em parceria com 12 zoológicos e aquários brasileiros e internacionais, com o objetivo de compreender as significações atribuídas à conservação da biodiversidade nos discursos institucionais e dos visitantes. Aqui, serão apresentadas as análises e discussões referentes ao discurso sobre conservação presente em placas de quatro dessas instituições. Pretende-se, com isso, desenvolver uma análise inicial que poderá ser ampliada para todo o corpus de dados, bem como para outras pesquisas desenvolvidas em diferentes espaços relacionados à conservação.

2 Abordagem teórico-metodológica

A análise aqui apresentada insere-se em um projeto de pesquisa que busca compreender como os sentidos e significados atribuídos ao termo conservação da biodiversidade são negociados entre sujeitos envolvidos na atividade humana de conservação da biodiversidade, em processos de significação.

A significação se constitui, na abordagem histórico-cultural que fundamenta esta pesquisa, como um reflexo das experiências e práticas sociais da humanidade materializadas e fixadas sob a forma de conceitos, saberes ou modos de ação [Leontiev, 2004]. Assim, a significação representa os sistemas de interações e relações objetivas nas quais um objeto ou fenômeno historicamente se estabelece.

Entretanto, o que uma determinada significação se torna para uma pessoa em particular ou para determinado grupo social depende do sentido que lhe é atribuído. Sob esse ponto de vista, Vigotski [2001] distingue a significação em dois componentes. O “significado” representa uma compreensão relativamente estável e unificada de uma palavra compartilhada pelos membros de um grupo sociocultural e o “sentido” apresenta uma formação dinâmica associada às experiências vividas pela pessoa e às relações que ela é capaz de estabelecer a partir delas.

Desse modo, em uma lógica coletivamente orientada, a partir dos diversos significados já estabelecidos em um determinado grupo social, os sentidos vão se construindo nas articulações das múltiplas motivações das pessoas no decorrer das suas interações, em meio às suas condições, experiências, posições, posturas e decisões [Barros, Paula, Pascual, Colaço & Ximenes, 2009].

Enquanto as palavras são usadas na atividade coletiva das pessoas, como potencialmente na elaboração de placas ou na interpretação das mesmas, há uma constante negociação de sentidos e significados. Adiciona-se a esse processo a emergência de novos fenômenos e objetos no desenvolvimento sócio-histórico. Em seu emprego, por vezes, as palavras destoam dos sentidos nelas expressos e mudam de sentido. Por sua vez, os próprios sentidos podem mudar as palavras, inclusive as suas zonas mais estáveis que, adquirem gradualmente outras variações e nuances semânticas e se transformam em novas significações na medida em que vão se constituindo e fixando. Assim, novos conceitos sociais vão sendo construídos [Engeström & Sannino, 2012]. Podemos compreender, então, que a significação não é apenas um ato de internalização de signos estabelecidos culturalmente seguido de movimentos de externalização, mas sim um processo intenso de produção de sentidos que acontece inter e intramentalmente [Smolka, 1992]. É a partir da atividade humana coletiva, portanto, que ocorre a construção de significações culturalmente novas [Engeström, Pasanen, Toiviainen & Haavisto, 2006].

Interessa-nos, assim, investigar os sentidos atribuídos à conservação da biodiversidade por sujeitos que trabalham ou visitam zoológicos e aquários. Para isso, foram realizadas entrevistas com profissionais e visitantes em 12 instituições parceiras (08 brasileiras, 01 argentina, 01 alemã, 01 portuguesa e 01 estadunidense). Em relação às equipes de profissionais, foram entrevistados, quando possível, três profissionais de cada instituição, um de cada setor de interesse: setor educativo, setor administrativo e setor relacionado à conservação. Quanto aos visitantes, foram utilizadas câmeras subjetivas (carregadas pelos próprios visitantes) para o registro audiovisual da visita. No caso de instituições brasileiras, 37 famílias foram entrevistadas antes e depois da visita. Além disso, a partir de uma abordagem aleatória, foi aplicado um questionário com 29 questões (três perguntas abertas), voltadas para o entendimento da situação de visita e das significações de conservação da biodiversidade. Foram coletados cerca de 100 questionários preenchidos por instituição por meio do aplicativo ZooWise, baixado em tablets. Foi realizado o registro de todas as placas acessadas em cada uma das instituições. Além disso, foram fotografados os recintos, incluindo os de imersão, e biodioramas para uma melhor contextualização dos conteúdos das placas. O quadro metodológico incluiu ainda a observação de campo, com anotações in loco. Todos os dados produzidos foram organizados no programa NVivo.

Os sentidos atribuídos tanto no contexto de visita a instituições zoológicas, quanto no contexto de atuação profissional nesses espaços foram emergidos a partir das análises das entrevistas com profissionais e públicos, bem como das respostas às questões abertas do questionário, em especial “o que vem à sua mente quando ouve o termo conservação da biodiversidade?”. Por meio de um processo indutivo de análise, foram emergidas categorias relacionados a “o quê” os sujeitos compreendem sobre conservação da biodiversidade, mas também sobre os conhecimentos negociados para significação do termo e os valores atribuídos a ele, o que denominamos de, respectivamente, dimensão ontológica, epistemológica e axiológica (explicadas a seguir). O processo de emergência de categorias foi desenvolvido por 12 pesquisadores. Inicialmente, 06 pesquisadores analisaram todo o corpus de dados relacionado às entrevistas e questionário, emergindo as categorias iniciais. Em seguida, todos os pesquisadores validaram, em duplas, as categorias propostas, obtendo mais de 90% de concordância [Bizerra, Nomura & Merissi, 2017; Nomura, Rufato, Vasconcellos, Merissi & Bizerra, 2013; Bizerra et al., 2023].

A seguir, são apresentados os elementos metodológicos específicos do recorte realizado neste artigo.

2.1 Escolha das instituições

Entre as 12 instituições parceiras do projeto, foram selecionadas quatro instituições para a análise sobre as placas acessíveis aos públicos (Tabela 1), seguindo os critérios: 1) país de origem — foram escolhidas duas instituições brasileiras e duas internacionais; 2) equilíbrio no número de zoológicos e aquários — optou-se por dois representantes de cada; 3) variedade de tipos de placas — foram selecionadas aquelas instituições que apresentavam maior variedade de placas, detectada em uma análise prévia dos recursos expostos pelas 12 instituições parceiras.

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Tabela 1: Informações sucintas sobre as instituições participantes da pesquisa (informações obtidas nos websites institucionais).

Assim, optamos por um zoológico localizado no Sul do Brasil e um aquário da região Sudeste. Foram selecionados ainda um zoológico estadunidense e um aquário português. Embora os contextos socioeconômicos em que essas instituições se encontram difiram entre si, todas apresentam uma alta preocupação em disponibilizar aos públicos um discurso voltado para a conservação da biodiversidade. Ressalta-se que os aspectos sociais, econômicos, políticos e organizacionais, embora não sejam alvo de análise aqui, são elementos edificantes tanto da produção quanto da interpretação dos recursos imagéticos. Quando necessário, serão feitas construções a partir de e com esses elementos.

2.2 Registros imagéticos

Os dados foram compostos pelos registros imagéticos da exposição. Foram fotografadas todas as placas acessadas pelas/os pesquisadoras/es. A coleta foi realizada nos anos de 2017 (Portugal) e 2018 (Brasil e Estados Unidos), representando assim os conteúdos expositivos presentes nesses anos.

Para a análise, foram consideradas até 100 imagens de cada instituição, selecionadas por sorteio, respeitando sua distribuição ao longo da exposição (foram sorteadas placas em cada uma das áreas físicas definidas pelas instituições, mantendo sua proporcionalidade). Naquelas instituições com um número de placas menor do que 100, as placas foram consideradas em sua totalidade. Assim, foram analisadas: 100 placas no zoológico brasileiro, 70 no aquário brasileiro, 100 no zoológico estadunidense e 100 no aquário português, totalizando 370 placas.

Foram descartadas as imagens duplicadas e aquelas que não estavam diretamente ligadas ao objeto de estudo desta pesquisa — o discurso sobre conservação da biodiversidade. Com base nesse critério, foram excluídas placas exclusivamente de informações gerais, como horário de funcionamento da instituição ou localização de equipamentos de infra-estrutura.

2.3 Análise de dados e categorias de conservação da biodiversidade

Os textos escritos e as imagens das placas, considerados como componentes do discurso expositivo, foram categorizados considerando-se perspectivas ontológicas, epistemológicas e axiológicas da conservação da biodiversidade. O quadro categorial utilizado para a análise dos dados produzidos nesta pesquisa encontra-se nas Tabelas 2, 3 e 4. Para a análise das placas, foi incluído no quadro original o código “programas de conservação”, referente à categoria “mecanismo de ação”, e ampliado o código “movimentos sociais” para “movimentos/ações sociais”. O processo analítico incluiu a validação das categorias por meio da verificação de compatibilidade das interpretações de ao menos três integrantes do grupo de pesquisa. Foram inseridos exemplos de cada código, retirados das placas em análise ou, quando o código não foi registrado na amostra analisada, elaborados pelos autores.

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Tabela 2: Quadro de categorias e códigos referentes à dimensão ontológica da conservação da biodiversidade [adaptado de Bizerra et al., 2017], com exemplos extraídos das placas de zoológicos e aquários participantes, quando presentes no corpus de dados.

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Tabela 3: Quadro de categorias e códigos referentes à dimensão epistemológica da conservação da biodiversidade [adaptado de Bizerra et al., 2017], com exemplos extraídos das placas de zoológicos e aquários participantes, quando presentes no corpus de dados.

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Tabela 4: Quadro de categorias e códigos referentes à dimensão axiológica da conservação da biodiversidade [adaptado de Bizerra et al., 2017], com exemplos extraídos das placas de zoológicos e aquários participantes, quando presentes no corpus de dados.

Segundo Bizerra et al. [2017], Nomura et al. [2013] e Bizerra et al. [2023], a dimensão ontológica abarca aspectos sobre “o que se entende por conservação” e sobre qual conservação os aquários e zoológicos se manifestam, por exemplo, ao localizar os seres humanos em relação às demais espécies ou ao definir a conservação enquanto processo atribuído a determinados atores e com determinados modos de execução.

A dimensão epistemológica abarca aspectos referentes à construção das concepções de conservação expressas nos discursos. São considerados, nessa dimensão, os conhecimentos atribuídos para a construção de sentidos e significados a respeito de conservação, as áreas de conhecimento e os saberes (vocalidades) abrangidos e o nível de articulação entre eles.

A dimensão axiológica da conservação da biodiversidade, por sua vez, está relacionada à reflexão sobre os objetivos e valores atribuídos à conservação. Por que conservamos? Para que conservamos? Que valores estão envolvidos no “conservar”? Essa dimensão engloba códigos de finalidade da conservação, moralidade e aspectos estéticos referentes à biodiversidade.

Vale ressaltar que o interesse não é comparar as instituições entre si, mas sim estudar os textos apresentados nas instituições parceiras em sua totalidade. Assim, foi realizada uma análise conjunta das quatro instituições, mas com a apresentação de um quadro comparativo entre zoológicos e aquários. No decorrer do texto, serão feitos alguns apontamentos a respeito de similaridades e distanciamentos entre os discursos, quando pertinente.

3 Resultados e discussão

Nesta seção, apresentaremos nossos resultados já em diálogo com nossas análises e com a literatura, pois defendemos que essa estrutura propicia uma leitura mais fluida e pode contribuir para uma melhor compreensão das relações que estabelecemos entre esses elementos.

Os resultados quantitativos do processo de categorização das 370 placas estudadas estão apresentados na Tabela 5. Destacam-se nesses dados a alta incidência dos códigos: científico naturalístico (325), não articulado (201), responsabilidade institucional (67), finalista preservacionista (54) e pesquisa científica como mecanismo de ação (48). Vale ressaltar que esses códigos ocorrem em maior número, se comparados com outros da mesma categoria, tanto em zoológicos quanto em aquários.

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Tabela 5: Frequência de ocorrência das dimensões, categorias e códigos de conservação da biodiversidade em 370 placas.

Em uma primeira aproximação aos dados, pode-se compreender que o discurso conservacionista expresso nas placas das instituições parceiras prioriza a utilização de conhecimentos provenientes das ciências naturais de forma não articulada entre si; insere a pesquisa científica como estratégia importante para a conservação da biodiversidade; atribui a responsabilidade pela conservação majoritariamente às instituições; e demonstra uma tendência preservacionista conferindo à conservação a finalidade de garantir a manutenção da vida em seus diferentes níveis.

A seguir, detalharemos as análises — apresentando-as a partir de cada dimensão da conservação da biodiversidade, e discutiremos outras questões relevantes do processo de análise.

3.1 Dimensão epistemológica: vozes que constroem o discurso em conservação

Ao analisar a vocalidade expressa nas placas estudadas e seu nível de complexidade, nos referimos à dimensão epistemológica da conservação, ou seja, aos processos de construção dos sentidos e significados de conservação expressos nos discursos. As diferentes vozes consideradas expressam, em formas simplificadas ou mais complexas, posicionamentos e perspectivas referentes a aspectos políticos, sociais, científicos, locais, globais etc.

O discurso não articulado, aquele em que a compreensão sobre a conservação abrange poucos aspectos da questão conservacionista sem estabelecer correlações entre saberes ou diferentes áreas do conhecimento (ou ainda dentro de uma mesma área), também foi bastante utilizado. Em muitas placas de identificação de espécies, por exemplo, as informações, predominantemente de cunho biológico (nome popular, nome científico, dieta, longevidade, número de ovos/filhotes, distribuiçao geográfica e posição na lista vermelha de espécies ameaçadas), são apresentadas de forma não articulada, em uma perspectiva descritiva e classificatória, como exemplificado na Figura 1.

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Figura 1: Placa de identificação de espécie localizada no zoológico brasileiro.

É importante ressaltar que, dependendo da legislação do país, os zoológicos e aquários têm o compromisso de fornecer essas informações, que são de fundamental importância e suprem demandas dos públicos por informações básicas. Porém, podem não ser suficientes para apoiar as/os visitantes na construção de uma visão mais geral e uma compreensão sistêmica do meio natural, o que contribuiria para o entendimento das complexas relações sociedade-natureza [Carvalho, 2005]. Estamos cientes de que muitas placas de identificação de espécies em zoológicos e aquários possuem espaço reduzido de apresentação e, também por esse motivo, podem não comportar uma complexificação do discurso.

Uma alternativa seria, assim, abordar em outras placas temas relacionados à conservação da biodiversidade envolvendo diferentes saberes e conhecimentos, como as ciências sociais ou saberes tradicionais, populares e cotidianos, de forma mais articulada.

A placa representada na Figura 2 ilustra essa articulação, com a expressão de uma visão de conservação a partir de múltiplos aspectos correlacionados, o que aumenta sua complexidade. Estão contidas informações biológicas, como “os frutos da peloteira são avidamente consumidos por aves, roedores e outros mamíferos”, seguidas de informações farmacológicas, como “demonstram propriedades antifúngicas e antioxidantes”. Por fim, essas informações são relacionadas com o uso medicinal da planta por um grupo indígena do Suriname: “[ …] utilizam essa espécie no tratamento da malária, dores de estômago, asma e no tratamento da depressão pós-parto” (placa 453, zoológico brasileiro). A instituição que apresenta essa placa enfatiza, não somente nessa placa, mas ao abordar espécies vegetais em geral, a integração de saberes das ciências naturais com saberes provenientes de povos indígenas tradicionais.

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Figura 2: Placa de identificação e informação sobre espécie, com articulação de diferentes vocalidades.

Quando são abordados saberes populares e tradicionais na comunicação sobre conservação, como exemplificado na Figura 2, bem como aqueles atrelados ao cotidiano, consideramos como indicação do código Conhecimento tradicional/popular/cotidiano. Ao lerem a placa, visitantes podem associar a conservação da espécie com a sua utilização medicinal, fazendo conexões, por exemplo, com sua própria saúde, segundo estudos de Moscardo [1999] e Ballantyne, Packer, Hughes e Dierking [2007]. Para os autores, a combinação da apresentação de fatos com mensagens significativas que permitam aos visitantes estabelecer conexões entre suas experiências anteriores e as questões abordadas contribuem para que as/os visitantes de instituições museais passem a agir mais favoravelmente em relação ao ambiente.

Embora essa não seja a forma de construção predominante em nossa análise, verificamos que os zoológicos utilizam com maior frequência informações atreladas ao cotidiano para construir seu discurso sobre conservação, enquanto os aquários apresentaram uma incidência maior de informações provenientes das ciências sociais. No aquário brasileiro, por exemplo, foi observado um discurso envolvendo questões políticas, agrárias, habitacionais, estruturais e culturais.

Ainda sobre a vocalidade, é importante destacar que, embora a maior parte das placas apresente um discurso não articulado, no zoológico estadunidense foi identificado um número alto de placas com discursos articulados em uma área de conhecimento, em específico dentro da área de ciências naturais, o que justifica o elevado número do código Articulado em uma área, na Tabela 5. Ao texto da placa “Não é qualquer arvore de chiclete” (Not just any gum tree), por exemplo, é possível atribuir esse código, porque são utilizados e articulados conhecimentos do comportamento animal, da ecologia e da botânica:

“Coalas sabem que os eucaliptos não são todos iguais. Existem cerca de 900 espécies de eucaliptos na Austrália. Isso poderia ser um buffet abundante para um coala, exceto por uma coisa: coalas são comedores exigentes. E isso é uma coisa boa, pois o crescimento sazonal afeta o nível de óleos tóxicos nas folhas dos eucaliptos. Os coalas escolhem diferentes espécies de eucaliptos dependendo de onde vivem na Austrália. Sem florestas saudáveis, com diferentes espécies de eucaliptos para serem escolhidas, os coalas podem ficar sem comida, mesmo quando há muitas árvores em volta deles.” (Placa 4372, zoológico estadunidense).

3.2 Dimensão ontológica: os seres humanos na conservação da biodiversidade

Os diferentes conhecimentos e saberes utilizados para construir o discurso conservacionista nas placas podem expressar o que as instituições entendem por conservação enquanto processo atribuído a determinados atores, integrados ou não à natureza, com determinados modos de ação. Ao nos referirmos a esses aspectos, tratamos da dimensão ontológica da conservação da biodiversidade e como as pessoas se inserem nesse processo.

Nesse sentido, as instituições investigadas pouco se posicionam por meio de suas placas em relação à integração ser humano/ambiente. Entretanto, quando esse código está presente, o posicionamento humano aparece como integrado e em nenhum dos textos o ser humano é colocado como apartado da natureza. Embora em baixo número (23), esses dados são relevantes pois a visão construída pelos sujeitos a respeito da integração ser humano/natureza pode alterar a compreensão das consequências das ações humanas e da responsabilidade humana em relação à conservação da biodiversidade.

Além do posicionamento humano, outros códigos referentes à dimensão ontológica da conservação estão presentes. Na Figura 3, é apresentado um exemplo de uma estratégia comunicacional encontrada frequentemente nos discursos expressos nas placas das instituições parceiras. Nessa placa, o aquário participante apresenta a síntese de uma pesquisa científica e suas contribuições para a conservação da biodiversidade marinha. O mecanismo de ação apresentado (a pesquisa científica) é desenvolvido por duas instituições em parceria, o aquário e uma universidade, destacando a responsabilidade institucional na conservação. O mecanismo de ação Pesquisa científica, como exemplificado na Figura 3, foi observado em 12% das placas analisadas no zoológico brasileiro e em 5,7% das placas do aquário brasileiro. As instituições internacionais também expõem um número significativo de projetos de pesquisa desenvolvidos pela própria instituição (21% das placas do zoológico estadunidense e 12% do aquário português).

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Figura 3: Placa temática, com mecanismo de ação de código pesquisa científica para a conservação da biodiversidade.

Sendo assim, a pesquisa científica é o principal mecanismo de ação para conservação expresso nos discursos das instituições participantes, aparecendo em 44% das placas analisadas, como representado na Figura 4. Além disso, a responsabilidade por conservar a biodiversidade é atribuída majoritariamente a instituições, sendo pouco citadas as responsabilidades individual, coletiva ou governamental. O código Responsabilidade institucional está presente em 57% das placas analisadas.

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Figura 4: Frequência dos códigos da categoria mecanismo de ação, a partir da análise de conteúdo textual de 370 placas em quatro instituições zoológicas.

Entretanto, para além dessa concepção predominante de ênfase na ação de pesquisa institucional, na análise conjunta das placas se destacam os textos que atribuem aos indivíduos a responsabilidade de conservar e apontam atitudes cotidianas relacionadas, por exemplo, a mudanças de hábitos alimentares ou de descarte de resíduos como estratégias para a conservação das espécies. Apresentam ainda ações não tão explicitamente relacionadas à conservação da biodiversidade, como: “Lave apenas máquinas cheias de roupa”; “Dirija a menos de 100 km/h nas rodovias”. Como é possível observar nas Figuras 4 e 5, os códigos Nível de responsabilidade individual e Mecanismo de ação cotidiana aparecem com maior incidência (22% e 20% respectivamente), após Nível de responsabilidade institucional e Mecanismo de ação pesquisa científica.

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Figura 5: Frequência dos códigos da categoria níveis de responsabilidade, a partir da análise de conteúdo textual de 370 placas em quatro instituições zoológicas.

Além disso, instâncias governamentais e coletivas são apontadas como atores responsáveis pela conservação da biodiversidade, embora com menor frequência (14% e 8% respectivamente). Uma das instituições brasileiras, por exemplo, faz referências ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e à Polícia Ambiental quando trata do recebimento e reabilitação de animais apreendidos. Também estão presentes informações a respeito dos projetos de conservação ligados aos aquários e zoológicos, em especial aqueles que tratam de conservação e/ou educação para conservação.

Em relação aos mecanismos de ação, as ações educativas também aparecem como estratégias centrais para que a conservação da biodiversidade ocorra (19% de ocorrência, vide Figura 4), em proporção semelhante ao código Ação cotidiana (20%). Nessas placas, há a intenção explícita de formar, sensibilizar, conscientizar as pessoas a respeito da importância da biodiversidade e/ou são descritas ações educativas realizadas nas instituições.

As políticas públicas e os programas de conservação também aparecem nas placas analisadas, mas em uma escala menor (10% e 3% de ocorrência, respectivamente). Além disso, o contato com a vida silvestre, embora seja um código pouco evidente nas placas (4%), é oportunizado na experiência da visita às instituições estudadas que possuem ambientes de imersão. Para Tribe [2001], os recintos de contato com a vida silvestre em conjunto com outros materiais de suporte, como as placas, têm um potencial positivo em relação à tomada de atitudes de cunho conservacionista por parte dos visitantes.

Por fim, vale destacar que há uma ocorrência maior de códigos relacionados à dimensão ontológica (n = 163, 81,5% das placas analisadas) em zoológicos do que em aquários (n = 87, 51%). Assim, os discursos expressos nas placas dos zoológicos participantes deste estudo, em comparação com os aquários, trazem mais referências a respeito do que é a conservação, sobre as ações necessárias para conservar e sobre quem são os sujeitos responsáveis por conservar.

3.3 Dimensão axiológica: valores e motivos envolvidos na conservação da biodiversidade

Além dos aspectos epistemológicos e ontológicos da conservação da biodiversidade, foram analisados elementos referentes à dimensão axiológica que compreende os valores envolvidos com a conservação, suas implicações morais e consequente influência nos motivos para conservar a biodiversidade. Embora presente nos discursos das placas das instituições parceiras, os códigos relacionados com a dimensão axiológica da conservação foram menos evidentes se comparados com as outras dimensões de análise. Como já mencionado, sobressaíram-se os argumentos finalistas, principalmente de cunho preservacionista, como exemplificado na Figura 6.

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Figura 6: Placa temática indicada pelo código finalista preservacionista da dimensão axiológica.

O texto da placa aborda a reabilitação de animais marinhos (uma estratégia de conservação), que permite devolver ao ambiente natural espécies importantes para o equilíbrio ambiental. Argumentos como esse sugerem que as instituições estudadas entendem que a conservação da biodiversidade é fundamental para a manutenção da vida em diferentes níveis. A partir da análise do gráfico apresentado na Figura 7, é evidente a grande prevalência (66%) de argumentos finalistas de cunho preservacionista. Outros argumentos que trazem uma finalidade para a conservação também estão presentes nos textos das placas estudadas, embora com menor representatividade. Nesse sentido, podemos apontar aspectos instrumentais, técnico-científicos, econômicos e histórico-evolutivos.

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Figura 7: Frequência dos códigos da categoria finalista, a partir da análise de conteúdo textual de 370 placas em quatro instituições zoológicas.

Os aspectos morais que envolvem mecanismos compensatórios ou regulatórios das ações humanas atrelados à conservação da biodiversidade também foram encontrados nas placas estudadas. Tais códigos são importantes elementos para se refletir sobre os motivos das ações conservacionistas.

Entretanto, verifica-se nessa categoria uma diferença relevante na distribuição dos códigos entre os zoológicos e aquários participantes. Enquanto nos aquários a conservação é compreendida majoritariamente como tentativa de reverter as ações antrópicas negativas, os discursos das placas dos zoológicos envolvem aspectos emocionais de proteção e cuidado com as outras espécies. Além disso, os zoológicos também apresentam em suas placas a compreensão da conservação como ferramenta para regular o direito à vida de todos os seres vivos, aspecto que não foi verificado nos aquários.

Por fim, duas placas de um dos zoológicos participantes da pesquisa incluem em seu discurso aspectos referentes à apreciação da beleza da natureza quando conservada. Esses aspectos foram classificados como afetividade positiva. Nos aquários esse código não foi verificado.

A afetividade pode ser ainda associada a estratégias comunicacionais diferenciadas, como a nomeação dos animais, mais observada em zoológicos e exemplificada na Figura 8.

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Figura 8: Placa de identificação com nomeação de animais (exemplo de placa em zoológico brasileiro, à esquerda, e em zoológico estadunidense, à direita).

Observa-se nessa placa a individualização e personificação desses animais: cada um tem seu nome, uma foto aproximada de seu rosto e a descrição de suas trajetórias. Posicionamentos como esse podem ser considerados potencializadores de sentimento empático por parte do público em relação aos animais não humanos. A promoção da empatia tem sido utilizada por zoológicos e aquários na tentativa de possibilitar uma maior conexão entre humanos e outros animais.

Como apontam Root-Bernstein, Douglas, Smith e Veríssimo [2013], pesquisas em ciências sociais mostram que engajamentos com um conjunto amplo de características animais podem formar as bases do antropomorfismo empático e o ímpeto para ações de conservação. Entretanto, os autores ressaltam que seu uso na conservação deve levar em conta como as pessoas se engajam com as espécies e atribuem valor às suas características. Alertam ainda para o risco de se promover um antropomorfismo antropocêntrico, centrado em características humanas.

Esse processo também recebe críticas de Coutinho [2017, p. 97], para quem a “pessoalização” de animais expostos pode criar “uma espécie de zona de indistinção”. Nesse processo, os animais não humanos tornam-se “pessoas” e suas especificidades comportamentais e fisiológicas são negadas em favor de uma identificação com comportamentos e valores humanos. Uma análise mais aprofundada sobre intencionalidade empática em nosso corpus de dados é necessária para que possamos somar a esse debate.

Para além das análises sobre a polissemia do termo conservação da biodiversidade englobando conjuntamente as quatro exposições investigadas, vale ressaltar, ainda, que ao analisarmos separadamente cada instituição parceira, é possível notar particularidades relacionadas às suas realidades, evidenciando a contextualização de seu discurso. Por exemplo, o aquário brasileiro prioriza a conservação dos tubarões e a desmistificação desse grupo animal como extremamente perigoso para o ser humano. Já no zoológico brasileiro, há um apelo individual e governamental para diminuição do tráfico de animais na região.

É perceptível também que diferentes seções das instituições trazem algumas singularidades no conteúdo de suas placas. No zoológico estadunidense, por exemplo, uma parte da exposição apresenta o posicionamento humano integrado e o nível de responsabilidade individual com maior frequência. Porém, em outra área, a responsabilidade institucional e o cunho transnacional dos esforços para conservação são mais fortemente abordados.

No zoológico brasileiro há uma incidência maior de vocalidade atrelada ao conhecimento tradicional/popular/cotidiano com articulação com informações provenientes das ciências naturais em placas referentes à identificação das plantas. O mesmo não ocorre com tanta frequência quando as placas fazem referência aos animais.

No aquário português, há uma parte da exposição destinada a mostrar ao público os projetos de conservação realizados pela instituição. Nesse espaço, como esperado, a responsabilidade é atribuída majoritariamente às instituições, enquanto no restante da exposição é dada uma grande ênfase ao risco de extinção devido à alimentação humana. Nessas placas, a responsabilidade passa a ser atribuída mais ao indivíduo e à coletividade. Na mesma instituição também são importantes as placas que abrangem aspectos das ciências sociais e aquelas contendo poesias que auxiliam na imersão dos visitantes no espaço.

4 Considerações finais

Neste artigo, tivemos por objetivo compreender como a conservação da biodiversidade é expressa nos conteúdos textuais das placas de zoológicos e aquários. Para isso, buscamos apontar quais são e como estão expressos os sentidos atribuídos à conservação da biodiversidade nas placas expositivas dessas instituições. Nosso intuito não foi definir um conceito de conservação da biodiversidade, mas sim trazer a diversidade de sentidos atribuídos ao termo por instituições zoológicas por meio de suas placas. As dimensões e categorias aqui apresentadas são vistas como possibilidades de significação que se sobrepõem e se complementam, transformando-se continuamente ao fazerem parte das atividades dos sujeitos. Compreendemos os indícios de sentidos expressos nas placas não como unidades estáticas, mas como elementos que são transformados pelas pessoas elaboradoras dos materiais comunicacionais e aquelas em situação de visita.

Vimos que a conservação da biodiversidade é apresentada de forma polissêmica pelas instituições investigadas, com a alta ocorrência de uma abordagem científico-naturalista, muitas vezes de forma não articulada. A responsabilidade institucional prevaleceu entre as placas estudadas e a pesquisa científica ficou evidente como um importante mecanismo de ação para a conservação da biodiversidade. Embora com menor frequência, a dimensão axiológica também esteve presente, em geral, com uma abordagem finalista preservacionista. Ressaltamos a importância de uma maior preocupação institucional com essa última dimensão, pouco representada nas placas analisadas. Ao não priorizar a discussão sobre o porquê da conservação da biodiversidade, os valores envolvidos, as disputas em jogo, os interesses priorizados e aqueles menosprezados, corre-se o risco de se abordar a questão de forma naturalizada e descontextualizada.

Assim, apontamos que o espaço expositivo dessas instituições pode ser otimizado ao serem distribuídas as diferentes possibilidades de se falar sobre conservação entre as placas localizadas ao longo dos percursos expositivos. Certamente, não é necessário que uma mesma placa englobe um grande número de temas, mas que os diferentes tópicos estejam representados em placas variadas, de forma articulada, permitindo que o visitante possa interagir com o conteúdo exposto de acordo com suas necessidades e interesses.

Sabemos que a inclusão e a valorização do contextos sociais e culturais em práticas sobre conservação geralmente apresentam resultados muito mais efetivos junto à população [Waylen, Fischer, McGowan, Thirgood & Milner-Gulland, 2010]. Essa concepção também poderia ser mais explorada nos materiais expostos, a fim de fortalecer a inserção das instituições em seus territórios. É importante compreender como aproximar o discurso institucional da conservação ao discurso expresso pelos públicos, aumentando o repertório conceitual compartilhado. Ao entender a gama de sentidos que podem ser atribuídos à conservação, é possível que se torne mais compreensível para o sujeito com quais deles ela(e) se sente motivada(o) a se engajar.

Entretanto, estamos cientes dos desafios e obstáculos em se elaborar elementos comunicacionais em espaços de educação não formal, como a limitação de espaço expositivo, principalmente em aquários com edificações fechadas e percursos mais curtos que reduzem o espaço disponível para exposição de placas, e de recursos humanos e financeiros que possibilitem avaliação recorrente. Assim, sugere-se maior diversidade de placas, estratégias comunicacionais e temas constituintes relacionados à conservação, tendo em vista a intencionalidade de maior socialização entre grupos de visitantes e conexão com animais não humanos. Além disso, sugere-se maior integração entre placas localizadas em diferentes locais da instituição, incluindo aqueles não diretamente relacionados à exposição, como lanchonetes, áreas de descanso, lojas, entre outros.

Por fim, considera-se, aqui, que a ação educativa de zoos e aquários vai muito além da elaboração de placas expositivas, incluindo programas e projetos (internos e de ação comunitária), elaboração de conteúdos para mídias distintas, exposições itinerantes, formação de escolares e educadores, entre tantas outras. Embora possuam relevância por se constituírem como um dos mais frequentes elementos acessados pelos públicos, as placas correspondem a mais uma dessas ações, compondo um complexo quadro comunicacional e educativo nessas instituições.

5 Financiamento

Este estudo foi realizado com apoio financeiro das agências de fomento Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), via Edital Universal (processo 429080/2016-6) e Programa Biota/Fapesp (2016/05836-8), coordenados por Alessandra Bizerra. A autora Alessandra Bizerra agradece ao CNPq pela Bolsa Produtividade em Pesquisa 2.

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Autores

Alessandra Bizerra é docente do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, com credenciamento nos Programas de Pós-graduação em Educação e Interunidades em Ensino de Ciências, ambos da Universidade de São Paulo. Possui licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas, com mestrado em Zoologia, Doutorado em Educação e projeto de pós-doutoramento em Educação em Ciências no King’s College London. Coordena o grupo de pesquisa Choices (Cultura e Historicidade em Comunicação e Educação em Ciências).
E-mail: alebizerra@usp.br.

Bianca Hipólito de Oliveira. Brasileira. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestra e doutoranda em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo (USP). Bolsista Capes.
E-mail: biancaholiveira@usp.br.

Rafael Vitame Kauano. Brasileiro. Professor temporário na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Doutor em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Zoologia pela Universidade Federal do Paraná. Licenciado em Ciências Biológicas e Bacharel em Zoologia. Membro do Grupo de Pesquisas CHOICES (Culture and Historicity in Communication and Education in Science). Bolsista de desenvolvimento tecnológico e industrial (DTIA) do CNPq junto ao INCT-Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia/Fundação Oswaldo Cruz. Membro fundador do Coletivo Embraza Ciência atuando na educação e divulgação científica popular. Tesoureiro da Regional 1 e membro da Comissão de Comunicação da Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia (SBenBio). Possui práticas e estudos sobre a educação e divulgação científica comprometidas com a transformação e justiça social.
E-mail: rafa.kawanobio@gmail.com.

Bruno Rafael Santos de Cerqueira é licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos e Doutor em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo (USP). Atua como professor adjunto no Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática (PEHCM) da UFABC. Está como diretor da regional 1 da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio). Desenvolve pesquisas com seguintes temas: Ensino e aprendizagem de Ciências e Biologia, Educação em museus de Ciências e outros espaços de educação não formal, Divulgação Científica, Comunicação Pública das Ciências e Tecnologias e produção de materiais didáticos.
E-mail: bruno.cerqueira@ufabc.edu.br.

Iara Grotz Moreira de Vasconcellos, brasileira, formada em Ciências Biológicas pela UFRuralRJ, especialista em Ensino de Ciências pelo IFRJ Maracanã, mestre em Ensino de Biologia pelo Programa Interunidades de Ensino de Ciências da USP, doutoranda em Educação da Faculdade de Educação da USP e bolsista CAPES.
E-mail: iaragrotzmoreira@gmail.com.

Marcelo Kei Sato é biólogo, mestre em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo, professor de ciências e produtor de mídia audiovisual voltada para o ensino e à divulgação científica. Possui interesse acadêmico na interface entre os conhecimentos científicos com os estudos da educação, comunicação e da arte. Fora do mundo acadêmico é fotógrafo, roteirista, editor e podcaster integrante da equipe do “Alô, Ciência?”.
E-mail: MarceloK.Sato@gmail.com.

Ana Luiza Cerqueira das Neves, brasileira, formada em Ciências Biológicas pela UFRuralRJ, pós graduanda em neurociência pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, mestre em Ensino de Biologia pelo Programa Interunidades em Ensino de Ciências da USP. Atualmente é Analista de Educação para Conservação no Zoológico de São Paulo.
E-mail: neves.alc@gmail.com.

Carolina Ansaldi é bióloga formada pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, e trabalha com desenvolvimento de conteúdo e estratégia para Social Media.
E-mail: carol.ansaldi@gmail.com.