1 Introdução

O Twitter, atualmente denominado de X após a sua aquisição por Elon Musk em 2022, é uma rede social tida como uma ferramenta global para acompanhamento de notícias em tempo real e que, assim como outras redes sociais na internet, se apresenta como um grande veículo de informações científicas [Brossard, 2013]. A rede social conta atualmente com cerca de 21 milhões de usuários no país, sendo que apenas cerca de 9,3 milhões são ativos.

Embora seja uma excelente plataforma para se conectar com um público não acadêmico, a plataforma comumente é utilizada por cientistas para a conexão com pares [Collins et al., 2016], almejando colaborações e maior visibilidade aos seus trabalhos — o que resulta geralmente em interações em torno de links para artigos científicos [Didegah et al., 2018; Jünger & Fähnrich, 2020]. Por outro lado, trabalhos como os de Côté e Darling [2018], Britton et al. [2019], Cheplygina et al. [2020] e Heemstra [2020] reforçam as notáveis vantagens do uso do Twitter por cientistas para além da conexão com pares, abrindo margem para trocas com outros atores da sociedade e tornando mais acessível a figura do cientista.

Isso traz uma característica niveladora à plataforma [Cheplygina et al., 2020], fazendo com que pesquisadores renomados, sejam quase tão acessíveis quanto estudantes em início de carreira. Dessa forma, não acadêmicos ou iniciantes podem se sentir mais à vontade de interagir com esses cientistas, e assim sanar dúvidas e participar de debates. Esse tipo de exposição pode, ainda, facilitar a superação de um dos grandes problemas apontados para o uso do Twitter por cientistas que é construir o seu público [Côté & Darling, 2018; Brossard & Scheufele, 2022].

A diversificação do público, mais explorada por Côté e Darling [2018], é apresentada como uma consequência do uso frequente do Twitter por acadêmicos a partir do momento em que é atingido um certo número de seguidores na rede — aproximadamente 1.000 seguidores. Elas concluem seu trabalho ressaltando que tuitar tem o potencial para disseminar informação científica amplamente após um esforço inicial para conquistar uma base de seguidores.

No que tange a divulgação científica de animais, Daume e Galaz [2016] pontuam que o espaço interativo causado pela presença de especialistas e amadores interessados no Twitter é capaz de promover a construção do conhecimento, numa relação que se utiliza de comunicação em duas vias e se aproxima do modelo de engajamento público em divulgação científica [Lewenstein, 2003].

O cenário de divulgadores de ciência e perfis promovendo acesso facilitado à informação no Twitter é composto por centenas de pessoas de variadas áreas do conhecimento. O grupo, identificado no Twitter pela hashtag #TrupeNaturalista em seus perfis, é uma união informal de pesquisadores, profissionais da Biologia e amadores interessados que dedicam sua atuação na rede às atividades de educação ambiental, divulgação científica e identificação de espécies. Dentre os participantes do grupo, é possível identificar especialistas ou interessados em insetos, aracnídeos, anfíbios, serpentes e vertebrados em geral — observando-se uma importante representação de divulgadores de animais culturalmente estigmatizados no país. A primeira menção à hashtag do grupo no Twitter data de janeiro de 2020. Reunido espontaneamente pelo interesse comum de seus membros, o caráter informal do grupo pode gerar uma volatilidade de seus participantes, que podem identificar-se ou não com a hashtag do grupo em seu perfil ao sabor de seus interesses pessoais. No período de realização desta pesquisa o grupo contava com dezesseis participantes ativos que publicavam utilizando esta hashtag, sendo que destes, sete dedicavam-se à temática da entomologia. Deste grupo, apenas os seis perfis que possuíam mais de 5.000 seguidores foram selecionados para participar desta pesquisa devido ao maior alcance de suas postagens.

O interesse de estudantes, especialistas e entusiastas da entomologia pela identificação de espécies, é uma das principais motivações para que o público inicie conversas com os divulgadores científicos, como explicitado no trabalho de Daume e Galaz [2016] — especialmente em se tratando de animais socialmente estigmatizados. Alguns divulgadores da Trupe Naturalista utilizam o contexto dessas conversas para convidarem essas pessoas a submeterem esses registros na plataforma iNaturalist que é uma plataforma global para registro e organização de observações de seres vivos, apoiado pela National Geographic e California Academy of Sciences. A plataforma conta com uma comunidade ativa de especialistas e entusiastas que colaboram com as identificações dos espécimes registrados, gerando preciosos dados para pesquisa.

Além de responder aos pedidos de identificação, há por parte dos divulgadores a criação de conteúdo original voltado ao público seguidor, idealizado de forma espontânea ou a partir de pedidos e perguntas feitas por seguidores, trazendo informação acerca da biodiversidade ou pesquisa científica relacionada ao tema.

Os artrópodes são o grupo mais diverso e abundante de animais no planeta, representando cerca de 80% da biodiversidade animal com aproximadamente 1.200.000 espécies descritas [Zhang, 2011; Stork, 2018]. Neste grupo estão inseridos alguns subgrupos como os aracnídeos (Arachnida Lamarck, 1801), que inclui as aranhas, escorpiões, carrapatos, etc.; os miriápodes (Myriapoda Latreille, 1802), que inclui as lacraias e piolhos-de-cobra; os crustáceos (Crustacea Brünnich, 1772), que inclui os caranguejos, siris, camarões etc.; e insetos (Insecta Linnaeus, 1758), que inclui os gafanhotos, borboletas, mosquitos etc. — sendo este último, o grupo mais diverso de animais representando cerca de 66% de todas as espécies animais conhecidas [Zhang, 2011]. Tamanha diversidade os coloca como peças fundamentais no equilíbrio ecológico do planeta, com uma importante participação em qualquer teia trófica que se analise [Scudder, 2017; Sánchez-Bayo & Wyckhuys, 2019]. Porém, apesar da sua reconhecida importância, os artrópodes têm sofrido com um intenso declínio em abundância a nível global [Goulson, 2019; Sánchez-Bayo & Wyckhuys, 2019; Wagner et al., 2021]. As principais causas apontadas para esse declínio são a perda de habitat para a agricultura e a poluição de ambientes terrestres — especialmente em relação ao uso abusivo de agrotóxicos — e aquáticos [Sánchez-Bayo & Wyckhuys, 2019].

Seu aspecto geral, somado ao pouco conhecimento sobre sua diversidade e a falta de contextualização da sua importância ajudam a torná-los animais bem impopulares [Salvador et al., 2021]. No contexto brasileiro, país com uma biodiversidade singular de artrópodes no mundo, o ensino formal não dá foco à sua importância ecológica, resumindo-se a abordagens superficiais que acabam contribuindo para uma visão pejorativa sobre eles [Trindade et al., 2012; Pase, 2016]. Este cenário aumenta a necessidade da divulgação científica, aliada à educação ambiental em uma forma ampla, como ferramenta de conscientização voltada a diversos tipos de público.

Atualmente, pouco se sabe sobre a produção de conteúdo relativo à educação ambiental e da desmistificação de animais socialmente estigmatizados feita por atores independentes (não institucionais) nas redes sociais, sobretudo no Twitter. No caso do Instagram, rede social bem mais popular em relação ao Twitter entre os usuários de internet brasileiros, o estudo de Baksh [2019] revelou que a plataforma tem um grande potencial para fins de educação ambiental e para promover esforços de conservação, devendo ser mais explorada — como também aparece no estudo brasileiro conduzido por Figueiredo e Souza [2021].

Os resultados promissores de Baksh [2019] mostram, entre outros, que seguidores da página foram inspirados a utilizar suas contas para se engajar em mais atividades de educação ambiental; e também que a página foi capaz de provocar uma mudança positiva no comportamento de alguns seguidores, aumentando sua atenção para com a vida selvagem ao redor. Outra importante revelação deste estudo foi a reação positiva dos seguidores, da página estudada, ao conteúdo relacionado a espécies de répteis e insetos que foram recebidos com curiosidade, criando a oportunidade de se esclarecer equívocos sobre a biologia destes animais. Em tradução livre, Baksh fala que “descobriu-se que quando as pessoas ganham conhecimento sobre algo, do qual elas foram socialmente ensinadas a se afastarem, o sentimento de medo frequentemente é perdido”.

A Trupe Naturalista, investigada nesta pesquisa, atua na educação ambiental e divulgação científica sobre a fauna silvestre brasileira, por meio da criação de conteúdo voltado para a rede social e, comumente, trazendo ao público comentários acerca de notícias da esfera acadêmica e política relacionadas aos seus temas de interesse. Trabalhando com abordagens interativas e promovendo acesso à informação, o grupo apresenta um potencial para a desmistificação de animais socialmente estigmatizados no Brasil — especialmente insetos e aracnídeos.

Assim, a investigação sobre esses atores no Twitter pode contribuir para uma melhor compreensão do potencial desta rede social, tanto para a divulgação científica em geral, quanto para a educação ambiental.

2 Objetivo

O presente estudo teve como objetivo investigar se a interação com divulgadores de ciência e educadores ambientais no Twitter é capaz de alterar de forma positiva a percepção do público seguidor sobre os artrópodes. Para tal, um questionário foi disponibilizado para conhecer o perfil e as motivações e comportamentos dos seguidores que acompanham este tipo de trabalho visando compreender o potencial dessas ações de divulgação científica para a desestigmatização desses grupos de animais.

3 Metodologia

A coleta de dados do público seguidor aconteceu por adesão voluntária à resposta a um questionário semiestruturado online, elaborado e hospedado na plataforma Microsoft Forms. O convite à participação do público, com pelo menos 18 anos, foi feito via publicação comum (tweet) na rede social Twitter, através do perfil pessoal do próprio autor do estudo (@savcavalcante). Outros divulgadores da Trupe Naturalista compartilharam a postagem-convite no Twitter com retweets (RT), potencializando o alcance da pesquisa e diminuindo a influência do algoritmo da rede social na disponibilização do questionário ao público seguidor.

O questionário era composto por 15 questões fechadas e 3 abertas, que buscavam conhecer o perfil básico dos seguidores, sua relação com animais do grupo dos artrópodes (insetos, aranhas, lacraias e outros), seus interesses acerca do conteúdo de divulgação científica sobre artrópodes no Twitter e se as interações com os divulgadores de ciência e educadores ambientais afetaram sua visão sobre os artrópodes de forma positiva.

Os dados foram analisados usando estatística descritiva no software Microsoft Excel® e as respostas às questões abertas foram submetidas à análise de conteúdo segundo Bardin [2016] com utilização do software MaxQDA®. Os resultados baseados em escala de concordância (Likert) foram apresentados na forma de frequência de concordância, somando-se as categorias concordo e concordo totalmente para as afirmativas apresentadas. Para questões onde as respostas representam uma escala gradativa de frequência ou de avaliação os resultados são apresentados na forma de ranking médio (RM) segundo Oliveira [2005].

O protocolo da pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz — CAAE: 46162621.7.0000.5241.

4 Resultados e discussão

Foram obtidas 200 respostas ao questionário num período de nove horas. Algumas perguntas apresentaram números ligeiramente menores de respostas, visto que todas as questões oferecidas eram de resposta opcional como é exigido pelo CEP.

4.1 Perfil básico dos seguidores

A primeira parte do questionário buscava traçar o perfil sociodemográfico dos respondentes, com questões sobre a idade, gênero, escolaridade, área de formação, ocupação e forma de uso do Twitter. O público participante do questionário era formado em sua maioria por jovens adultos de 18 a 29 anos de idade (77%), mulheres (52,5%) e estudantes (64%) (Figura 1). A faixa etária predominante foi de 20 a 29 anos (56,5%), seguida pelo grupo com 18 a 19 anos (20,5%). As faixas etárias acima de 30 anos representaram 23% da amostra. O corpus se alinha ao público dominante com acesso à internet no Brasil — jovens e adultos até os 44 anos [Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, 2021]. A demografia geral dos usuários do Twitter no Brasil não é bem conhecida, inviabilizando uma comparação direta com os resultados deste estudo.

PIC

Figura 1: Gráficos representando os dados de escolaridade e ocupação dos respondentes. Fonte: elaborado pelos autores.

As mulheres predominaram representando 52,5% da amostra, enquanto os homens aparecem com 43% de participação, seguidos de 3% de participantes não-binários e 1,5% que optaram por não responder. Quanto a escolaridade, dos que possuíam ensino médio completo, 71,5% declararam ter ensino superior incompleto, fato que associado às faixas etárias predominantes sugere uma significativa presença de estudantes universitários neste grupo (Figura 1). Dentre os que afirmaram ter ensino superior completo (N = 71), a formação na área de Ciências Humanas e Ciências Biológicas apresentou a mesma frequência (33 cada) seguida pela área de Exatas (14).

Em relação ao total dos respondentes, a maioria (64,1%, N = 198) declarou que sua ocupação principal não se relacionava com a área das Ciências Biológicas. Essa informação é relevante, na medida em que indica a redução de algum possível viés na pesquisa, decorrente de uma inclinação do profissional ou estudante de Biologia a ser mais simpático aos animais menos conhecidos e/ou estimados pelo público geral. Além disso, a característica das redes sociais de criarem bolhas [Recuero et al., 2017; Brossard & Scheufele, 2022] que reúnem pessoas com gostos e interesses semelhantes é um fator que poderia inflar o número de participantes inseridos no contexto das Ciências Biológicas. Portanto, a presença de uma maioria cuja atividade principal não está ligada à biologia favorece a pesquisa de uma possível influência das ações de divulgação científica, nesta plataforma, na desmistificação de animais estigmatizados.

Em relação à forma de uso do Twitter, os seguidores declararam majoritariamente usá-lo de forma pessoal ou mista (96%), sendo seu tempo na plataforma dedicado tanto aos interesses pessoais, quanto à busca de conexões com pares e aos assuntos e notícias dentro de sua área profissional. Considerando que a maior parte desse grupo não tem inserção profissional na área da Biologia, isso revela que há um interesse pessoal no tema aqui abordado, o que pode ser considerado como um facilitador para a desmistificação dos artrópodes.

4.2 Relação com a Trupe Naturalista

As possíveis motivações que levavam os participantes a seguir a Trupe Naturalista, foram avaliadas a partir do seu grau de concordância com um conjunto de motivações propostas. As principais apontadas, em ordem de frequência, foram: aprender sobre a diversidade, comportamentos e curiosidades dos animais (99,0%); tirar dúvidas sobre a Biologia e Meio Ambiente (93,5%); e acompanhar discussões acerca da ciência (89,5%) (Tabela 1).

PIC
Tabela 1: Motivações dos seguidores da #Trupe Naturalista. N = 200. Fonte: elaborado pelos autores.

É evidente que o interesse nos tipos de conteúdo que abordam temas da Biologia e Meio Ambiente é predominante, o que era esperado, uma vez que os respondentes acompanham voluntariamente perfis que oferecem conteúdo desta natureza. Além disso, observando-se a frequência de concordância, as discussões acerca da ciência (89,5%) e da política ambiental (88,5%) aparecem, também, como fortes motivadores para acompanhar o grupo. Isso é relevante, na medida em que sugere uma certa demanda dos seguidores por tópicos e conversas de teor mais complexo e politizado, abrindo oportunidade para a adoção de um modelo de divulgação científica participativo [Lewenstein, 2003] capaz de empoderar o público seguidor.

Ainda neste aspecto, a afirmação de que reduzir a aversão aos artrópodes fosse uma motivação para seguir os membros da Trupe Naturalista, dividiu as opiniões dos respondentes. Esse resultado, provavelmente, resultou da influência dos participantes que já não tinham grande aversão aos animais citados no momento da participação (45% de discordância total ou parcial com a afirmativa), portanto não seria esse um forte motivo para seguir a Trupe Naturalista. Por outro lado, mais de um terço dos respondentes concorda de alguma forma que essa é uma de suas motivações. Então, apesar de aquém do esperado, registrou-se com alguma expressão (42%), a motivação de seguir divulgadores de ciência e educadores ambientais com o intuito de enfrentar sua aversão a determinados animais estigmatizados.

Em termos de motivações relacionadas aos interesses profissionais, representadas pelas últimas quatro categorias na Tabela 1, as opiniões dos respondentes também se mostram divididas. Em se tratando de um público amplo, que pouco usa o Twitter para fins estritamente profissionais e que não está restrito a pessoas no contexto da Biologia e Meio Ambiente, é compreensível que interesses profissionais não apareçam com grande destaque como motivação para seguir biólogos e educadores ambientais.

O grau de interesse, sobre os tipos de conteúdo oferecidos pelos divulgadores no Twitter, expresso numa escala de 1 a 5 — onde 1 representava ausência de interesse e 5 o máximo interesse — foi também avaliado. Neste quesito, os participantes demonstraram um notável interesse por praticamente todos os assuntos exemplificados, observando-se uma predominância de médias superiores a 4,0, exceto pelos conteúdos de natureza pessoal (3,7) ver Tabela 2. Destaca-se o elevado interesse em conteúdo de explicações e curiosidades sobre os animais (4,9), identificação de espécies (4,7), trabalho de campo ou rotina profissional (4,5) e contação de estórias (4,5).

PIC
Tabela 2: Grau de interesse nos conteúdos apresentados pela #TrupeNaturalista. N = 197. Fonte: elaborado pelos autores.

Os tipos de conteúdo apresentados como opções de resposta nesta questão podem ser considerados, em geral, como dentro do padrão do que se espera de perfis com a finalidade de divulgar ciência, promover educação ambiental e, por que não, entreter.

O conteúdo pessoal é aqui entendido como assuntos, conversas, opiniões e outras expressões fora do escopo temático a que se propõem os perfis analisados e cuja abordagem pode ser considerada controversa. Por se tratar de um conteúdo fora do tópico, isso poderia se tornar um fator de afastamento dos seguidores que acompanham o perfil. Mas, por outro lado, trazer um caráter mais pessoal ao perfil poderia contribuir para estreitar os laços entre os seguidores e o divulgador de ciência, bem como humanizá-los, apresentando-os como pessoas comuns e acessíveis. Pelas respostas aqui observadas, mais da metade dos participantes (59%) revelaram gostar (39%) ou gostar muito (20%) de postagens sobre a esfera pessoal dos divulgadores, o que é interessante, pois alguns dos perfis mais influentes no grupo dos divulgadores são exclusivamente temáticos, e não se apresentam com o nome e o rosto do divulgador, e sim por meio de uma espécie de personagem — o que pode justamente ser um catalisador do crescimento da base de seguidores dessas páginas.

Outro tópico relevante a ser abordado é em relação às posições, opiniões e debates políticos protagonizados pelos divulgadores. Muito é discutido sobre a neutralidade da ciência e como essa postura deveria ser imposta aos cientistas, desconsiderando contextos, fatores históricos e sociais relacionados à pesquisa e ao pesquisador [Porto et al., 2011]. A mesma imposição, por vezes, pode aparecer sobre divulgadores de ciência. Especialmente numa época em que a ciência é alvo de ideologias e de partidarismo político. Em um país como o Brasil, com uma biodiversidade imensa e que, em contraste, apresenta uma política socioambiental inadequada e incompatível com a preservação do meio ambiente, torna-se imprescindível ao papel do divulgador de ciência e do educador ambiental conversar sobre questões relevantes da política ambiental com seus seguidores. Em se tratando do tema da conservação ambiental — tópico comum entre divulgadores da Biologia e educadores ambientais — não há como evitar a relação com a política, visto que a conservação depende diretamente de políticas públicas para surtir efeito. Portanto, a forte demonstração de interesse dos participantes pelo conteúdo político, levantado pelos divulgadores, pode servir como um reforço para que se criem mais conversas e debates relacionando os temas dos perfis com a política ambiental brasileira.

4.3 Relação com os artrópodes

Para entender um pouco sobre a relação dos participantes com os animais, foram disponibilizadas duas questões abertas para que eles citassem espontaneamente de quais animais mais gostavam e menos gostavam, respectivamente. Sobre os animais mais estimados (Tabela 3), a maioria das respostas mencionava um animal vertebrado (53,5%), seguido de artrópodes (34,0%). Dentre os vertebrados, os animais mais citados fazem parte do tradicional grupo da megafauna1 carismática que inclui animais grandes, comportamental ou biologicamente similares a humanos e com filhotes de cabeça e olhos avantajados [Heathcote, 2021] — animais “fofos”, de uma forma geral. No grupo dos artrópodes, as maiores frequências se referem às aranhas (27), insetos no geral (24), borboletas (21) e besouros (19).

PIC
Tabela 3: Animais mais estimados pelos respondentes, separados em grupos. N = 282. Fonte: elaborado pelos autores.

Em relação aos animais menos estimados (Tabela 4), a maioria das respostas mencionava artrópodes (60,1%), seguido de alguns vertebrados (24,5%). Dentre os artrópodes menos estimados, em número de citações, destacam-se as baratas (36), os mosquitos (36) e as lacraias (20). No grupo dos vertebrados, a maior frequência se refere, curiosamente, à categoria de animais “fofos” (14) como, por exemplo, gatos, cachorros e aves; seguido por “peixes” (9), ratos (8) e serpentes (7).

PIC
Tabela 4: Animais menos estimados pelos respondentes, divididos em grupos. N = 208. Fonte: elaborado pelos autores.

Com representantes domésticos, além dos silvestres famosos pela mídia e pela cultura, como as aves e os grandes mamíferos (onças, leões, girafas, hipopótamos, tigres, macacos etc.), os Vertebrados aparecem como os animais mais apreciados, o que dificilmente seria diferente. Os tradicionais grupos de animais fofos e carismáticos [Heathcote, 2021] são, de forma geral, os animais mais queridos das pessoas.

Mas, nem por isso, deixaram de aparecer “bichos nojentos” entre os animais mais apreciados pelos seguidores. Porque, mesmo em se falando de artrópodes, há animais mais “fáceis” de serem apreciados do que outros. Borboletas, por exemplo, dificilmente são enxergadas como sujas, perigosas ou provocam uma forte aversão nas pessoas. Coerentemente, elas aparecem aqui em terceiro lugar nas citações sobre artrópodes mais estimados.

As aranhas são o grupo de artrópodes mais citado nessa questão, o que poderia deixar o leitor intrigado, afinal são animais peçonhentos e que, em geral, causam medo e repulsa na maioria das pessoas. Mas, novamente, por se tratar de seguidores de um grupo de pessoas que aprecia esses animais e que age na sua desmistificação, tal resultado pode ser encarado com mais naturalidade. Um dos divulgadores que auxiliou no compartilhamento do questionário dedica-se exclusivamente aos aracnídeos, em específico às aranhas, o que pode ter atraído muitos de seus seguidores apreciadores de aranhas.

Agora, em se tratando dos animais menos apreciados pelos respondentes, os grandes grupos de animais citados anteriormente aparecem em ordem invertida — também dentro do esperado. Os artrópodes acumulam o maior número de citações (60,1%), com larga “vantagem” em relação ao segundo colocado em citações, os vertebrados (24,5%).

Os mosquitos, especificamente os vetores de zoonoses,2 são geralmente detestados pelas pessoas, o que é justificado na medida em que são transmissores de doenças que constituem algumas das maiores causas de mortes humanas [Gates, 2014]. As lacraias, apesar de serem raramente associadas a acidentes fatais envolvendo humanos, são dotadas de peçonha e possuem uma picada bem dolorosa. Esses fatores, aliados à sua grande velocidade de movimento e ao seu aspecto assustador devido à quantidade de pernas, facilmente explicam o grau de aversão das pessoas.

Já as baratas, campeãs de citação como o artrópode menos estimado, são um caso especial. Baratas domésticas são velhas conhecidas da humanidade. São capazes de se estabelecer e prosperar com facilidade em residências humanas, onde se alimentam praticamente de tudo, especialmente dos “restos” da alimentação humana. São frequentemente chamadas de baratas-de-esgoto, já que os esgotos constituem também um ambiente perfeito para seu estabelecimento e sobrevivência. Então, somando-se seu aspecto asqueroso, à possibilidade de transmitirem doenças, provenientes de sua habitação em sistemas de esgoto, tem-se fortes justificativas para o elevado nível de aversão causado nas pessoas.

Por outro lado, a conotação ruim atribuída às baratas domésticas acaba sendo generalizada para as baratas silvestres, que apesar de semelhantes não têm habitat associado a locais insalubres — pelo contrário, muitas habitam lugares bem preservados onde desempenham importantes papéis ecológicos. Esse mesmo efeito “generalizador” costuma aparecer em representações sociais relacionadas a outros artrópodes e até mesmo outros grupos de animais [Costa Neto & Pacheco, 2004].

Vertebrados também figuram na lista de animais não muito apreciados pelos respondentes. Foram observadas citações de alguns grupos como ratos, serpentes, anfíbios e lagartixas. Não é incomum, inclusive, que estes animais sejam reconhecidos como “insetos” por certos grupos de pessoas, integrando-os em uma etnocategoria de mesmo nome [Costa Neto & Carvalho, 2000].

Ainda sobre as relações com animais, foi pedido que os participantes expressassem seu nível de aversão a uma lista de artrópodes (Tabela 5), em uma escala de quatro categorias: Sem aversão (1); Aversão leve (2); Aversão moderada (3); e Aversão elevada (4). Os animais que geram maior grau de repulsa, baseado no Ranking Médio, são as baratas (2,4), as lacraias (2,3), os escorpiões (2,1) e os mosquitos (1,9).

PIC
Tabela 5: Escala de aversão a artrópodes. N = 200. Fonte: elaborado pelos autores.

A questão retratada na tabela acima traz uma lista de animais que geralmente são pouco apreciados [Costa Neto & Pacheco, 2004], seja pelo seu aspecto geral ou por representar um potencial de perigo real. De uma forma geral, os respondentes declararam ter pouca ou nenhuma aversão aos animais propostos na questão, o que talvez tenha respaldo em seu interesse espontâneo no tema. A presença de animais que representam perigo à saúde (escorpiões, lacraias e mosquitos) e as baratas encabeçando a lista de mais repulsivos era um resultado já esperado — vide as respostas à questão anterior sobre os animais menos estimados pelos respondentes.

Os resultados demonstrando baixa aversão a animais pouco apreciados pode ser interessante, mas provavelmente representa um viés, já que os respondentes são seguidores de páginas que, entre outras coisas, fazem um trabalho de desmistificação desses animais. Por outro lado, soa relevante aparecerem médias tão baixas de aversão em relação a bichos pouco conhecidos e apreciados, num corpus onde a maioria dos participantes não atua ou possui formação em Ciências Biológicas. Para averiguar a influência de um possível viés relacionado à ocupação dos respondentes, foi realizada uma análise comparando as opiniões dos respondentes inseridos, em formação ou atuação profissional, e não inseridos nas Ciências Biológicas. Os resultados obtidos mostraram que não houve diferença significativa entre os dois grupos em relação às suas aversões aos animais citados.

4.4 Mudança de comportamento

Para entender se os participantes perceberam uma mudança no próprio comportamento a partir de seu contato com a Trupe Naturalista, foi perguntado se notaram uma diminuição em sua aversão a algum tipo de animal. A maioria (64%) dos respondentes declarou ter tido sua repulsa a algum animal ou grupo de animais reduzida (Tabela 6). Ao pedir que detalhassem quais animais passaram a ser mais estimados, os artrópodes apareceram com cerca de 75% das menções — percentual correspondente ao somatório das citações aos aracnídeos, insetos, miriápodes e outros grupos de artrópodes.

PIC
Tabela 6: Grupos de animais para os quais os respondentes afirmaram ter sua aversão reduzida por seguir a Trupe Naturalista. N = 167. Fonte: elaborado pelos autores.

É interessante frisar que mesmo pessoas inseridas no contexto profissional ou acadêmico das Ciências Biológicas declararam terem sido influenciadas a olhar estes animais com outros olhos, mostrando que há um potencial para mudança positiva de comportamento até mesmo para um público “da biologia”.

Cabe, ainda, ressaltar a quantidade de citações às aranhas como animais que os respondentes passaram a enxergar com outros olhos. As aranhas são um grupo de animais extremamente diversificado e distribuído, contando com aproximadamente 40.000 espécies conhecidas ao redor do mundo. Praticamente todas, com raras exceções, possuem peçonha capaz de ser inoculada por suas presas (quelíceras). Este fato, acrescido ao seu aspecto assustador devido a quantidade de pernas e sua facilidade de se estabelecerem em áreas próximas ou dentro das habitações humanas, as pintam como criaturas temíveis para a maioria das pessoas. Além disso, também existe uma forte produção cultural que gera ou exacerba a aversão às aranhas. O que é pouco falado, de modo geral, é que são bem poucas as espécies capazes de levar risco de vida para pessoas saudáveis. No Brasil, estas são representadas pelas aranhas-armadeiras (gênero Phoneutria Perty, 1833), pelas aranhas-marrom (gênero Loxosceles Heineken & Lowe, 1832) e pelas aranhas-viúvas-negras (gênero Latrodectus Walckenaer, 1805). Então, conhecer a diversidade de aranhas, seus comportamentos, entender quais são as verdadeiramente perigosas e como evitá-las pode contribuir para que se enxergue estes animais com outros olhos, o que também pode acontecer com outros artrópodes [Costa Neto & Pacheco, 2004; Tavares & Lages, 2014]. Os resultados obtidos parecem corroborar essa visão, na medida em que os respondentes declararam haver experimentado uma mudança positiva na sua percepção e comportamento em relação às aranhas.

Ainda quanto às mudanças de comportamento, foi solicitado que os participantes expressassem sua concordância a cinco afirmativas reveladoras de mudanças positivas de comportamento em relação a esses animais, numa escala em que 1 representava discordância total e 5 concordância total (Tabela 7). Em todas as categorias foram observadas frequências de concordância reveladoras de mudança de comportamento. As mudanças mais expressivas se referem ao despertar (ou aumento) do interesse dos respondentes à vida silvestre ao seu redor (84,8%), e à diminuição de resposta violenta ao contato com insetos e aracnídeos (73,8%).

PIC
Tabela 7: Frequência de concordância com afirmativas indicadoras de possíveis mudanças positivas de comportamento decorrentes do contato com a #TrupeNaturalista. Fonte: elaborado pelos autores.

Além do conteúdo expositivo criado e compartilhado pelos divulgadores, as interações geradas a partir de pedidos de identificação de espécies, por parte dos seguidores, parecem ter uma certa relevância. Esse efeito é comentado por Daume e Galaz [2016], e abre precedentes para o despertar do interesse das pessoas pela fotografia de natureza, que pode evoluir para participação em projetos de ciência cidadã. Neste contexto, o interesse em registrar a natureza ao redor pode influenciar no despertar do senso de propósito dos animais aos olhos das pessoas, especialmente partindo-se de uma familiarização com os animais artrópodes [Buss & Iared, 2020].

Os resultados revelam o potencial dos divulgadores no Twitter de influenciarem o comportamento das pessoas por meio de ações de desmistificação de grupos de animais socialmente estigmatizados.

4.5 Estratégias para desmistificar os artrópodes segundo o público

Sobre as ações de desestigmatização, perguntou-se aos participantes como o conteúdo sobre os animais estigmatizados no Twitter poderia ajudá-los a serem mais aceitos. As 139 respostas obtidas resultaram em 295 segmentos codificados que foram agrupados em quatro grandes categorias cuja descrição se encontra no Quadro 8.

PIC
Tabela 8: Descrição e frequência das categorias relativas às respostas sobre como o conteúdo sobre animais estigmatizados no Twitter pode ajudar a reduzir sua má-fama. (N = 295). Fonte: elaborado pelos autores.

As categorias, suas subcategorias mais frequentes e os respectivos exemplos estão apresentados no Quadro 9.

PIC
Tabela 9: Categorização das opiniões dos participantes com suas respectivas subcategorias mais frequentes e exemplos. (N = 294). Fonte: elaborado pelos autores.

Os temas dentro da categoria Educação Ambiental que surgem, com maior frequência, dizem respeito às formas de proporcionar um maior conhecimento sobre esses animais, sua biologia e seu papel no ambiente. A informação básica acerca dos animais aparece como tópico mais importante, onde a importância ecológica e os comportamentos e hábitos deles representam metade de todas as citações nesta categoria. A importância ecológica é um tema espinhoso no que tange às Ciências Biológicas. Quando se fala de importância, muitas vezes se remete a uma visão utilitarista sobre a vida dos animais, provocando uma percepção de que determinado animal é merecedor de sua própria existência apenas quando cumpre determinada função em benefício à humanidade. Essa visão utilitarista é muito comum na sociedade brasileira, sendo apresentada desde a educação básica [Cardoso et al., 2008; Machado, 2015; Pase, 2016] e reforçada nas demais esferas das relações sociais. Falar em importância ecológica em um contexto de educação ambiental requer, então, um esforço para demonstrar que determinado animal ter ou não uma ação benéfica à humanidade não é o que dita sua importância. Em se tratando do Twitter, uma rede social hiperdinâmica, onde as publicações muitas vezes não têm o necessário espaço para o aprofundamento de conceitos mais complexos, há que se acautelar quanto ao uso de abordagens utilitaristas quando se está na posição de divulgador de ciência ou educador ambiental.

Comportamentos e hábitos dos animais são alguns dos temas explorados por quem atua na desmistificação de animais [Baksh, 2019]. A imensurável diversidade dos animais, raramente apresentada às pessoas no contexto de educação formal, é um prato cheio para divulgadores de ciência e educadores ambientais, e não à toa surge como uma das principais sugestões dos participantes.

Outro tópico importante dentro de educação ambiental que surge das opiniões dos respondentes é sobre os cuidados e manejo com os animais. Não é raro se deparar com um animal indesejado dentro de casa. Insetos, por exemplo, corriqueiramente entram na casa das pessoas sem serem convidados, provocando desconforto em quem não tem interesse por eles. Muitas pessoas se interessam em saber como evitar essas visitas ou, caso não seja possível evitá-las, como fazer para retirar o animal de casa sem pôr a própria segurança em risco. Todavia, aprender a lidar com essa situação de maneira não-violenta surge aqui como uma interessante sugestão dada pelos respondentes.

Não à toa, o tópico percepção de risco/perigo aparece com elevada frequência (30) na categoria Desmistificação. Neste tópico os respondentes indicam que aprender a identificar o grau de periculosidade do animal, o quanto de risco ele impõe, é algo importante para que animais estigmatizados possam ser um pouco mais bem vistos. De fato, a grande maioria dos animais mais encontradiços não trazem qualquer risco sério à saúde de uma pessoa saudável. Portanto, trazer informações sobre os que realmente podem trazer problemas e como fazer para evitá-los pode ser de grande valor na mudança de percepção acerca dos outros animais inofensivos.

Ainda sobre Desmistificação, o combate à aversão é um tema que aparece relacionado com a ideia de exposição desses animais, dando-lhes visibilidade na rede social. Pode-se inferir que proporcionar um vislumbre da diversidade dos animais, seus hábitos e comportamentos, no ambiente virtual, expondo-os casualmente na linha do tempo dos usuários da rede social, pode ser um importante fator para sua desmistificação.

Muitas ideias que surgem das respostas dos participantes tangenciam abordagens educativas e pedagógicas. Nessa categoria, sugestões e ideias que recaem sob um modelo de déficit, como o proposto por Lewenstein [2003], aparecem com maior frequência, refletindo a falta de informação sobre a diversidade e ecologia dos animais. As sugestões dos respondentes nesse tema envolvem citações que evocam o acesso à informação como ferramenta para auxiliar nessa questão, como visto no exemplo abaixo:

“Muitas pessoas ‘odeiam’ esses animais por conta da falta de conhecimento acerca deles, pela desinformação, ao informar é dado acesso às informações corretas”. (Participante 23).

O modelo de déficit, em divulgação científica, implica que o “problema” está na ignorância das pessoas, e que a forma de “resolvê-lo” é despejar conhecimento no público [Lewenstein, 2003]. Esse modelo é bastante criticado na academia, sobretudo quando tratado como a única ou principal proposta de praticar a divulgação científica, demonstrando geralmente pouca efetividade.

Por outro lado, como mostrado anteriormente, não é apenas a informação que motiva os respondentes a acompanharem os perfis que tratam de animais estigmatizados. Trabalhar seu próprio medo/aversão dos animais, pedir identificação, tirar dúvidas, acompanhar os divulgadores e a própria interatividade promovida na plataforma aparecem como fatores que complementam o conteúdo informativo, auxiliando na desmistificação dos animais. Esses outros temas e abordagens, sobretudo a interatividade, podem acabar enquadrados no modelo de participação pública da divulgação científica [Lewenstein, 2003], sendo capazes de evoluir para iniciativas de ciência cidadã como apontada por Daume e Galaz [2016] em seu estudo sobre as conversas geradas a partir de pedidos de identificação de espécies no Twitter.

5 Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo investigar se a interação com os divulgadores da Trupe Naturalista no Twitter é capaz de alterar de forma positiva a percepção de seu público seguidor sobre os artrópodes. O público, aqui retratado pelos participantes voluntários da pesquisa, se afasta do perfil mais profissional de especialistas esperado para os seguidores deste tipo de conteúdo, sendo composto em sua maioria por pessoas interessadas, porém leigas no assunto. Tal característica é muito bem-vinda para esforços de educação ambiental nesta rede social, como os aqui analisados. O fato de que cerca de dois terços dos participantes estavam fora do contexto da biologia é um aspecto que enriquece a investigação.

O conteúdo informativo, que mescla educação e entretenimento, aparece como uma das principais motivações dos seguidores para se seguir a Trupe Naturalista, juntamente com a possibilidade de interação direta a partir dos pedidos de identificação de espécies — portanto exaltando o caráter informativo e interativo que pode ser trabalhado no Twitter para fins de educação ambiental. Destaca-se, também, o interesse declarado sobre as discussões e debates acerca da ciência e da política ambiental, bem como sobre as opiniões políticas dos divulgadores. Este resultado indica uma abertura para abordagens mais substanciais em divulgação científica e educação ambiental crítica, dando aos divulgadores o papel de apresentar e facilitar a participação dos seguidores nestes debates.

Quanto à desmistificação dos artrópodes, o trabalho realizado pela Trupe Naturalista, apoiado pela dinâmica de compartilhamento de conteúdo e interatividade inerentes ao Twitter, demonstrou um resultado positivo na mudança de percepção e comportamento dos seguidores em relação aos artrópodes. Todos os indicadores de mudança de comportamento retornaram resultados promissores, indicando aumento da percepção ambiental, despertar ou aumento de interesse em observar e registrar os animais na natureza ao redor e uma diminuição na resposta violenta ao contato com animais estigmatizados.

Torna-se evidente o potencial do Twitter como ferramenta para promover a desmistificação dos artrópodes, a partir da familiarização e sensibilização dos seguidores para com estes animais e o meio ambiente ao redor por meio do acesso à informação e interatividade. As abordagens sobre as temáticas de contextualização e importância ecológica, percepção do risco oferecido pelos animais e informação sobre o manejo correto e seguro deles emergem como os principais temas para embasar as atividades de desmistificação na rede — com respaldo nos relatos analisados. Salienta-se a necessidade de novos estudos para ampliar o conhecimento sobre os impactos da desmistificação de animais socialmente estigmatizados em redes sociais no contexto brasileiro.

Referências

Baksh, M. (2019). Natural places & digital spaces: challenges and opportunities for Instagram in biodiversity conservation [Major paper, Environmental Studies Master’s Degree]. Faculty of Environmental Studies, York University. http://hdl.handle.net/10315/36975

Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo [Edição revista e ampliada]. Edições 70.

Britton, B., Jackson, C., & Wade, J. (2019). The reward and risk of social media for academics. Nature Reviews Chemistry, 3(8), 459–461. https://doi.org/10.1038/s41570-019-0121-3

Brossard, D. (2013). New media landscapes and the science information consumer. Proceedings of the National Academy of Sciences, 110(supplement_3), 14096–14101. https://doi.org/10.1073/pnas.1212744110

Brossard, D., & Scheufele, D. A. (2022). The chronic growing pains of communicating science online. Science, 375(6581), 613–614. https://doi.org/10.1126/science.abo0668

Buss, B. C., & Iared, V. G. (2020). Artrópodes como tema gerador de uma prática educativa em uma escola de artes no município de Palotina (PR). Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), 15(1), 379–396. https://doi.org/10.34024/revbea.2020.v15.9470

Cardoso, J. S., Carvalho, K. S., & Teixeira, P. M. M. (2008). Um estudo sobre a abordagem da Classe Insecta nos livros didáticos de Ciências. SITIENTIBUS Série Ciências Biológicas, 8(1), 80–88. https://doi.org/10.13102/scb8076

Cheplygina, V., Hermans, F., Albers, C., Bielczyk, N., & Smeets, I. (2020). Ten simple rules for getting started on Twitter as a scientist. PLoS Computational Biology, 16(2), e1007513. https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.1007513

Collins, K., Shiffman, D., & Rock, J. (2016). How are scientists using social media in the workplace? PLoS ONE, 11(10), e0162680. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0162680

Costa Neto, E. M., & Carvalho, P. D. (2000). Percepção dos insetos pelos graduandos da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil. Acta Scientiarum. Biological Sciences, 22, 423–428. https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciBiolSci/article/view/2893

Costa Neto, E. M., & Pacheco, J. M. (2004). A construção do domínio etnozoológico “inseto” pelos moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Estado da Bahia. Acta Scientiarum. Biological Sciences, 26, 81–90. https://doi.org/10.4025/actascibiolsci.v26i1.1662

Côté, I. M., & Darling, E. S. (2018). Scientists on Twitter: preaching to the choir or singing from the rooftops? FACETS, 3(1), 682–694. https://doi.org/10.1139/facets-2018-0002

Daume, S., & Galaz, V. (2016). “Anyone know what species this is?” — Twitter conversations as embryonic citizen science communities. PLoS ONE, 11(3), e0151387. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0151387

Didegah, F., Mejlgaard, N., & Sørensen, M. P. (2018). Investigating the quality of interactions and public engagement around scientific papers on Twitter. Journal of Informetrics, 12(3), 960–971. https://doi.org/10.1016/j.joi.2018.08.002

Figueiredo, R. S., & Souza, L. M. (2021). O uso das redes sociais na Educação Ambiental em tempos de isolamento social. Devir Educação, 5(1), 24–42. https://doi.org/10.30905/rde.v5i1.330

Gates, B. (2014). The deadliest animal in the world. Gates Notes. https://www.gatesnotes.com/Most-Lethal-Animal-Mosquito-Week

Goulson, D. (2019). The insect apocalypse, and why it matters. Current Biology, 29(19), R967–R971. https://doi.org/10.1016/j.cub.2019.06.069

Heathcote, G. (2021). Animals of Instagram: taxonomic bias in science communication online. JCOM, 20(04), A10. https://doi.org/10.22323/2.20040210

Heemstra, J. M. (2020). A scientist’s guide to social media. ACS Central Science, 6(1), 1–5. https://doi.org/10.1021/acscentsci.9b01273

Jünger, J., & Fähnrich, B. (2020). Does really no one care? Analyzing the public engagement of communication scientists on Twitter. New Media & Society, 22(3), 387–408. https://doi.org/10.1177/1461444819863413

Lewenstein, B. V. (2003). Models of public communication of science and technology. https://hdl.handle.net/1813/58743

Machado, R. C. M. (2015). De que forma os livros didáticos de ciências tratam a classe insecta? [Monografia]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. http://hdl.handle.net/10183/122191

Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. (2021). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros: TIC Domicílios 2020. Comitê Gestor da Internet no Brasil. São Paulo, Brasil. https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/publicacoes/

Oliveira, L. H. (2005). Exemplo de cálculo de Ranking Médio para escala de Likert (Notas de aula. Metodologia Científica e Técnicas de Pesquisa em Administração. Mestrado em Adm. e Desenvolvimento Organizacional). PPGA CNEC/FACECA. Varginha, Brasil.

Pase, R. B. (2016). Artrópodes: conceituações, mitos e práticas presentes no processo de ensino-aprendizagem escolar e suas relações com o cotidiano [Trabalho de Conclusão de Curso]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. http://hdl.handle.net/10183/170075

Porto, C. M., Brotas, A. M. P., & Bortoliero, S. T. (Eds.). (2011). Diálogos entre ciência e divulgação científica: leituras contemporâneas. EDUFBA.

Recuero, R. C., Zago, G. S., & Soares, F. B. (2017). Mídia social e filtro-bolha nas conversações políticas no Twitter. http://hdl.handle.net/10183/166193

Salvador, R. B., Tomotani, B. M., O’Donnell, K. L., Cavallari, D. C., Tomotani, J. V., Salmon, R. A., & Kasper, J. (2021). Invertebrates in science communication: confronting scientists’ practices and the public’s expectations. Frontiers in Environmental Science, 9, 606416. https://doi.org/10.3389/fenvs.2021.606416

Sánchez-Bayo, F., & Wyckhuys, K. A. G. (2019). Worldwide decline of the entomofauna: a review of its drivers. Biological Conservation, 232, 8–27. https://doi.org/10.1016/j.biocon.2019.01.020

Scudder, G. G. E. (2017). The importance of insects. Em R. G. Foottit & P. H. Adler (Eds.), Insect biodiversity: science and society (pp. 9–43). Wiley. https://doi.org/10.1002/9781118945568.ch2

Stork, N. E. (2018). How many species of insects and other terrestrial arthropods are there on earth? Annual Review of Entomology, 63, 31–45. https://doi.org/10.1146/annurev-ento-020117-043348

Tavares, B. L. P., & Lages, L. M. P. (2014). O uso de insetos em aulas práticas de entomologia e como alternativa para a educação ambiental. Anais I CONEDU. Congresso Nacional de Educação. https://www.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/7694

Trindade, O. S. N., Silva Júnior, J. C., & Teixeira, P. M. M. (2012). O estudo das representações sociais de estudantes do ensino médio sobre os insetos. Revista Ensaio, 14, 37–50. https://doi.org/10.1590/1983-21172012140303

Wagner, D. L., Grames, E. M., Forister, M. L., Berenbaum, M. R., & Stopak, D. (2021). Insect decline in the Anthropocene: death by a thousand cuts. Proceedings of the National Academy of Sciences, 118(2), e2023989118. https://doi.org/10.1073/pnas.2023989118

Zhang, Z.-Q. (2011). Animal biodiversity: an introduction to higher-level classification and taxonomic richness. Zootaxa, 3148, 7–12. https://doi.org/10.11646/zootaxa.3148.1.3

Notes

1. Designação para os grupos de animais de grandes proporções, geralmente aqueles maiores que os seres humanos.

2. Doenças infecciosas transmitidas entre animais e humanos.

Sobre o autores

Sávio Cavalcante possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2018) e mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ (2022). Tem experiência na área de Entomologia e Divulgação Científica, com ênfase respectivamente em estudos com o grupo Mantodea e Desmistificação de artrópodes. Atua principalmente nos seguintes temas: divulgação científica, desmistificação dos artrópodes em redes sociais e insetos Louva-a-deus (Mantodea).

E-mail: savcavalcante@gmail.com

Vanessa F. Guimarães é doutora em Ciências pela UFRJ, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Público e Avaliação do Museu da Vida Fiocruz e docente do Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da COC/Fiocruz. Desde 1999 dedica-se a pesquisas e projetos nas áreas de divulgação científica, educação não formal e estudos de público em museus e centros de ciência.

E-mail: vanessa.guimaraes@fiocruz.br