1 Introdução

O Jornalismo Científico (JC) 1 — especialidade do Jornalismo — é um braço da Divulgação Científica (DC), o qual, segundo Wilson Bueno [ 1985 ], submete os conhecimentos científicos às rotinas produtivas das organizações noticiosas para a veiculação destas informações científicas ao público em geral. Bueno [ 2007 ] esclarece que o JC está dentro da DC, mas que, apesar disso, são distintos um do outro:

O Jornalismo Científico é um caso particular de Divulgação Científica: é uma forma de divulgação endereçada ao público leigo, mas que obedece ao padrão de produção jornalística. Mas nem toda a Divulgação Científica se confunde com Jornalismo Científico. Os fascículos são um exemplo, as palestras para popularizar a ciência são outro e os livros didáticos mais um ainda [Bueno, 2007 , s/p].

Isto basta para entender o JC como uma atividade social complexa, devendo ser tratado, portanto, como uma realidade social que se constrói a partir das interações simbólicas entre diferentes atores. Essa compreensão tem raízes no âmbito da Sociologia, com o conceito de mundo social, da perspectiva do Interacionismo Simbólico (IS).

De acordo com as pesquisadoras Virgínia Donizete de Carvalho, Livia de Oliveira Borges e Denise Pereira do Rego [ 2010 ], o IS começou a ser concebido, especialmente, entre as décadas de 1930 e 1940, por Herbert Blumer, — que era um intérprete do filósofo e cientista social Georg Hebert Mead, — e se desenvolveu como perspectiva teórica e metodológica nas duas décadas seguintes. Segundo Jorge Pedro Sousa [ 2006 ], o IS se baseia no seguinte entendimento da Teoria da Psicologia Social:

Para ele [Blumer], os indivíduos agem a partir dos significados que atribuem às pessoas e às coisas enquanto interagem, incluindo aqueles que outro sociólogo de Chicago, Strauss, designa por “actores invisíveis”, como os entes queridos e mestres falecidos. A construção de significados, ou seja, a interpretação é construída, dinâmica e aberta, podendo a de hoje ser diferente da de amanhã [Sousa, 2006 , p. 206].

Partindo dessa perspectiva, o pesquisador Fábio Henrique Pereira [ 2009 ], busca entender como os comportamentos são elaboradas pelos atores sociais, levando-se em consideração os limites da ação do seu interlocutor. Nas palavras do autor:

Cada interação se fundamenta em um processo complexo em que o indivíduo busca orientar suas ações a partir da forma como ele interpreta e antecipa a reação do outro. Efetivada essa reação, o sujeito reavalia sua linha de conduta e a orienta para a interação subsequente [Pereira, 2009 , p. 220].

A partir dessas interações simbólicas, compreende-se que a rotina de funcionamento do JC depende, portanto, de uma rede de colaboradores, a qual, não difere da apresentada por Pereira [ 2009 , p. 217] para o Jornalismo, inclui os repórteres (jornalistas), fontes (cientistas), os públicos (leigos/especializados), os agentes públicos (produtores de políticas públicas), os assessores de imprensa, os anunciantes, os produtores de papel e tinta, entre outros. Dito isso, os interlocutores envolvidos no processo e na rotina jornalística, ao interagirem entre si, norteiam, podem confrontar, conservar ou alterar as suas concepções e suas ações no mundo, considerando a relação com o outro. Neste sentido, segundo Strauss [ 1992 ] apud Pereira [ 2009 , p. 221], “a interação adquire um caráter evolutivo e transformador, construindo a identidade e a conduta individual, ao mesmo tempo em que funciona como instância de construção da realidade social”.

Nesta direção das rotinas que asseguram o mundo social do JC, adentra-se na contextualização dos rituais. Segundo Adriane Luisa Rodolpho [ 2004 , p. 139] os rituais quando colocados frente ao dilema da vida social ou ser o caos total — “onde ninguém segue nenhuma regra ou lei”-, ou ter uma ordem absoluta — “quando todos cumpririam à risca todas as regras e leis já estabelecidas”-, eles estruturam e organizam as posições dos agentes sociais, bem como os valores morais e as concepções de mundo. Assim sendo, os rituais atribuem legitimidade e autoridade a feitura no JC.

Ainda segundo Rodolpho [ 2004 ] existem diferentes rituais — seculares (demonstram as relações sociais — civis, militares, éticas, festivas) ou religiosos (evidenciam o sagrado e o transcendente), — porém eles possuem uma marca comum, a repetição. Desta forma os rituais atribuem estabilidade, segurança e organização aos certos aspectos da vida social. “Pela familiaridade com a(s) sequência(s) ritual(is), sabemos o que vai acontecer, celebramos nossa solidariedade, partilhamos sentimentos, enfim, temos uma sensação de coesão social” [Rodolpho, 2004 , p. 139].

No livro “Rituais ontem e hoje” de Mariza Peirano [ 2003 , p. 10], apresenta uma definição de ritual, na perspectiva dos estudos antropológicos contemporâneos: “consideramos o ritual um fenômeno especial da sociedade, que nos aponta e revela expressões e valores de uma sociedade, mas o ritual expande, ilumina e ressalta o que já é comum a um determinado grupo”. Deste modo, segundo Peirano [ 2003 , p. 11] os rituais constituem sistemas culturais de comunicação simbólica:

Ele é constituído de sequências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por múltiplos meios. Estas sequências têm conteúdo e arranjos caracterizados por graus variados de formalidade (convencionalidade), estereotipia (rigidez), condensação (fusão) e redundância (repetição).

Posto isso, a definição assim formulada pode ser entendida como um conceito, e as situações que assim se caracterizam podem ser consideradas rituais, de acordo com os critérios acima. Olhar para o JC, especialmente, para a relação entre jornalistas e cientistas, a partir desse ângulo permite pressupor que são marcadas por rituais de interação, que contribuem para o dinamismo do processo produtivo, bem como transformações nos espaços jornalísticos, questões pertinentes neste artigo. Estudos nessa linha associado ao IS, segundo Pereira [ 2009 ], possibilitam, ainda, compreender questões ligadas à identidade e às práticas sócio discursivas do jornalismo.

Na perspectiva do IS, segundo Mazzarino [ 2007 ], é dessa relação entre o campo social do jornalista e o campo social do cientista, que se dá o preparo da notícia, constituindo, assim, uma interação entre atores sociais dependentes entre si, desempenhando papéis que se ajustam um ao outro, mesmo por vezes tendo objetivos distintos [Mazzarino, 2007 ]. Citando Bourdieu [ 1989 ] e Esteves [ 2003 ], a pesquisadora Mazzarino [ 2007 , p. 54] ressalta que a “interação entre os campos sociais é marcada por conflitos e negociações que se dão no âmbito comunicacional”.

Diante disso, reconhecendo-se que há diferenças entre os mundos sociais do campo do jornalismo e no campo das ciências, questiona-se: como os jornalistas de ciências interagem e negociam interesses com os cientistas durante os processos de produção dos conteúdos do JC?

Para responder essa pergunta geradora, investiu-se em um arcabouço teórico-metodológico fundamentado no (IS) e no viés etnográfico. Como local de estudo, 2 escolheu-se a Divisão de Divulgação Científica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), setor criado em 2018, que integra a Diretoria de Comunicação da UFU (Dirco). A escolha da Divisão como local de estudo foi motivada pelo fato de ser esse um espaço de produção do JC na universidade no qual seria possível observar, sistematicamente, as interações dos jornalistas e estagiários com os cientistas da instituição, pela proximidade física.

No site institucional da UFU a Dirco é responsável por manter a publicação de notícias e de conteúdos factuais cotidianamente, na sessão do portal chamada “Comunica UFU”, 3 bem como atualizar o portal “Eventos” da universidade. Dentro do portal, a Divisão de Divulgação Científica se dedica a manter a sessão de Ciências, na qual são publicados conteúdos relacionados as produções, descobertas e estudos científicos produzidos na UFU ou com a participação dela [Universidade Federal de Uberlândia, 2019a ].

Assim sendo, foi interesse deste estudo observar os processos de feitura dos produtos jornalísticas no setor, buscando compreender como se dá a interação entre jornalistas e cientistas em tal processo. Além disso, objetivava-se conhecer a rotina de produção jornalística sobre ciências no setor, perceber quais são os tipos de relações e interações que acontecem no cotidiano e apontar como as relações e interações interferem nos processos produtivos sobre ciências na Divisão.

2 Etnografia aplicada ao estudo interacionista no jornalismo científico

Para compreender como os jornalistas interagem com os cientistas esta pesquisa partiu da ancoragem etnográfica. Segundo Luís Fernandes [ 1995 ] a etnografia é o compartilhamento de uma parte da vida dos sujeitos que estão sendo estudados durante um tempo. O olhar etnográfico, segundo Samuel Mateus [ 2015 , p. 84], fornece “um modelo de análise perfeitamente adaptado à pesquisa empírica das interações cotidianas”. Assim, para a realização deste estudo, observou-se a rotina de trabalho dos jornalistas e estagiários na Divisão de Divulgação Científica da UFU, sistematicamente mediante os eventos na redação entre 22 de agosto e oito (8) de novembro de 2019, período selecionado por estar contido no período letivo em que se desenvovleu a pesquisa.

Na pesquisa etnográfica, segundo Fernandes [ 1995 , p. 23], “o principal instrumento da pesquisa é o próprio investigador”, uma vez que é ele que mergulha no contexto cotidiano, recolhe, registra, seleciona os dados por meio da observação, das conversas, das entrevistas com os interlocutores e da análise de fontes documentais, e, posteriomente, codifica e realiza as inferências por meio de um processo reflexivo. Assim sendo, é necessário que o pesquisador permaneça no campo e aceite que haverá interação tanto entre ele e os sujeitos, quanto com as situações que ocorram durante o período de observação.

Urpi Uriarte [ 2012 ] destaca o fato de a abordagem etnográfica acontecer em contextos de diálogos, e é nesse diálogo que os dados se fazem para o pesquisador. Para Uriarte [ 2012 , s/p] “a relação dialógica só é possível de ser estabelecida no meio de uma posição observador-participante, que cria familiaridade e possibilita a ‘fusão de horizontes’, condição indispensável para um verdadeiro diálogo”.

Sistematicamente, a pesquisa de campo de caráter etnográfico possui três fases. Uriarte [ 2012 , s/p] aponta quais são elas:

a primeira delas é um mergulho na teoria, informações e interpretações já feitas sobre a temática e a população específica que queremos estudar. A segunda fase consiste num longo tempo vivendo entre os “nativos” (rurais, urbanos, modernos ou tradicionais); esta fase se conhece como “trabalho de campo”. 4 A terceira fase consiste na escrita, que se faz de volta para a casa.

Assim sendo, fez-se, no primeiro momento, a coleta em forma de descrições detalhadas, anotando tudo e transcrevendo as conversas, entrevistas e as observações na Divisão. Nessa fase, Uriarte [ 2012 ] aponta que o pesquisador deve acompanhar as pessoas de forma sutil, com perguntas obtusas, anotando tudo, porque não se sabe exatamente o que vai ser importante. Passado um período com muitas anotações e de incertezas, vem a segunda fase do trabalho de campo, que Uriarte [ 2012 , s/p] chama de “momento da sacada”, no qual, segundo a autora, já é possível enxergar uma determinada constância e ordem nos acontecimentos, “quando certas informações se transformam em material significativo para a pesquisa” [Uriarte, 2012 , s/p].

Relativamente a isso, José Guilherme Magnani [ 2002 , p. 136] sublinha que:

a ‘sacada’ na pesquisa etnográfica, quando ocorre — em virtude de algum acontecimento trivial ou não — só se produz porque precedida e preparada por uma presença continuada em campo e uma atitude de atenção viva. Não é a obsessão pelo acúmulo de detalhes que caracteriza a etnografia, mas a atenção que se lhes dá: em algum momento os fragmentos podem arranjar-se num todo que oferece a pista para um novo entendimento, voltando à citação de Lévi-Strauss.

Como colocado acima pelo autor, o momento da “sacada” deriva de uma relação com o tempo no campo e na atenção sensível. Tendo isso, segundo Uriarte [ 2012 , s/p], é possível provocar um duplo processo no pesquisador: “por um lado, conseguir relativizar sua sociedade e, por outro, conseguir perceber a coerência da cultura do Outro”. Nas palavras de Roberto Da Matta [ 1981 , p. 144], citadas por Uriarte [ 2012 , s/p]: “o tempo possibilita que o antropólogo torne exótico (distante, estranho) o que é familiar e familiar (conhecido, próximo) o que é exótico”.

Depois de encontrar a constância e a ordem dos acontecimentos, por meio do diálogo com os sujeitos, chega-se à terceira fase do fazer etnográfico: a escrita. Conforme Uriarte [ 2012 , s/p], é desafiante converter as experiências totais em narrativa etnográfica, o que, segundo a autora, necessariamente exigirá um mínimo de coerência e linearidade no texto que não são próprias da vivência em campo. Neste retorno, olhando para todo o período de observação e o que foi observado, são realizados um relato e uma análise, buscando tangenciar os objetivos desta pesquisa.

Segundo o pesquisador Carlos Nogueira Fino [ 2008 , p. 5] para recolher as informações sobre as interações existem três formas: “entrevistas, observação e documentos”. Ainda de acordo com o autor, por meio dessas formas de coleta, obtêm-se três tipos de dados: “citações, descrições e excertos de documentos, que resultam num único produto: a descrição narrativa, a qual inclui gráficos, diagramas e artefatos que ajudam a contar a história” [Fino, 2008 , p. 6].

Nas descrições das observações desta pesquisa, foi utilizado um “caderno de campo” para registrar as observações; além disso, as reuniões de pauta e os momentos de entrevista com os cientistas foram gravados em áudio. Durante a estada no campo, alguns dos dados também foram obtidos por meio das entrevistas semiestruturadas. Elas foram feitas à equipe nos seguintes momentos: durante as reuniões de pauta, para entender como a pauta chegou ao setor e aos jornalistas a caminho das entrevistas com os cientistas ou no retorno delas, para compreender como aconteciam as negociações dos interesses dos jornalistas com os cientistas e para elucidar as questões das interações. Além disso, utilizou-se as informações coletadas pela Daniela Malagoli [ 2019 ], como fonte documental sobre o setor.

3 Rituais de interação entre cientistas e jornalistas na Divisão de Divulgação Científica da UFU

A Redação da Divisão fica situada no primeiro piso do bloco da Reitoria instalada no Campus Santa Mônica da UFU. Durante o trabalho de campo, percebeu-se que a localização é estratégica para o setor que pretende fazer DC, uma vez que a reitoria é considerada muito importante para a gestão da universidade. A facilidade que os jornalistas e estagiários têm de acessar as pró-reitorias permite o contato direto com pró-reitores, coordenadores e cientistas da UFU. Da mesma forma, todos esses agentes sociais podem facilmente bater na porta da Divisão (ver Figura 1).


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Figura 1 : Sala da Divisão de Divulgação Científica da UFU. De cima para baixo, da coluna da esq. para a dir.: fachada da entrada; recepção; vista das três divisões da sala; quadros de avisos da segunda divisão da sala. Foto: Thiago “Zina” Crepaldi.


Como se vê na figura anterior, o espaço físico que sedia o setor possui apenas uma sala pequena. A pesquisadora Malagoli [ 2019 ] ressaltou a importância da existência da sala para o setor, ainda que pequena. Para ela, “trata-se de um ponto altamente positivo e que pode até mesmo ser visto como um amadurecimento da instituição no que se refere à Comunicação Pública” [Malagoli, 2019 , p. 14]. Ter o espaço e uma equipe dedicada ao trabalho de JC é fundamental para o amadurecimento desta prática jornalística. Isso fica mais evidente com essa pesquisa, pois percebeu-se que as características do processo de feitura (tempo e espaço) do JC no Setor diferem das produções das notícias sobre vários assuntos produzidas pela Dirco da UFU. Essas diferenças serão tratadas nas próximas páginas.

Ao entrar na sala, há duas mesas compridas lado a lado, nas quais uma servidora e um estagiário de Jornalismo ou de Design ficam diariamente. Por ser a maior mesa da Divisão, é também nela que ocorrem as reuniões de pauta. Separada por uma divisória há uma segunda salinha onde fica a jornalista responsável e mais um estagiário do Jornalismo. Mais ao fundo, há uma pequena copa onde a equipe faz as suas refeições.

Cabe ressaltar que as observações se orientaram pelo cronograma de disponibilidade de horários da equipe do setor e respeitaram os agendamentos das entrevistas com os cientistas. No segundo semestre de 2019, período em que a pesquisa foi realizada, eles se encontravam todas as quintas-feiras às 13h para a reunião de pauta, momento escolhido para o primeiro contato, pois ela reuniria todos da equipe, ofereceria subsídios para entender como estavam as apurações das pautas anteriores, assim como perceber como e de onde algumas pautas chegaram, se foram proposições externas ou da equipe. Desse modo, o ponto de partida nas observações deste estudo etnográfico foi uma reunião de pauta, especificamente na quinta-feira dia 22 de agosto de 2019, respeitando o cronograma de pesquisa que previa a ida a campo na segunda quinzena de agosto.

Este primeiro contato foi importante para aproximar minimamente o pesquisador-observador-pesquisador, pois foi possível perceber a vontade de todos em falar sobre si, sobre as funções que desempenham e os trabalhos ali desenvolvidos. Sentiu-se que queriam que a rotina deles fosse entendida, uma vez que a detalharam, mesmo na ausência de perguntas. Essa atitude dos envolvidos na pesquisa de contarem como são suas atividades, de acordo Michael Angrosino [ 2009 , p. 21], pode revelar o que eles entendem sobre o que fazem. Nas palavras do autor, acontece um processo de “introspecção compreensiva”. É como que se quisessem, também, que os resultados da pesquisa apontassem exatamente o que eles queriam contar. O pesquisador realizou uma escuta atenta. Esses encontros, assim como as outras reuniões de pautas, foram gravados em áudio e foram tomadas notas sobre alguns pontos, as quais estão registradas no “caderno de campo”. Entre uma sugestão de pauta e outra, eles voltavam à explicação do processo de feitura. Neste ponto de encontro, troca, absorção e assimilação, era como se esses elementos permitissem ao pesquisador tornar-se um deles, o que de fato aconteceu.

Durante a observação da última reunião de pauta, o pesquisador foi convidado a assumir uma das pautas apresentadas, 5 tornando-se, assim participante da equipe e levando a pesquisa para o patamar de pesquisa participante, extremamente comum em pesquisas etnográficas. Estabeleceu-se uma relação de confiança na redação entre pesquisador-observador-pesquisados. O trabalho de campo imersivo com viés etnográfico e a boa relação com os membros do Setor corroboraram para a integração ao grupo. Além disso, merece destaque a proximidade do pesquisador com a fonte de informação da referida pauta. Esse é um dos fatores que são levados em consideração para a distribuição das pautas entre os membros da equipe. Esse e os outros fatores são descritos mais à frente.

Sobre a imersão no mundo dos sujeitos, Angrosino [ 2009 ] aponta que isso é o esperado para uma pesquisa etnográfica com orientação teórica do IS. Assim, de acordo com o autor, o pesquisador:

Não pode ser um observador neutro das atividades deles, mas precisa subjetivamente tornar-se um deles. A chave para a etnografia interacionista é descobrir o sistema de símbolos que dá significado ao que as pessoas pensam e fazem [Angrosino, 2009 , p. 21].

A partir desse momento, portanto, com a integração do pesquisador na Divisão, o qual se tornou um participante-observador, foi possível observar o fazer cotidiano e a rotina do setor. Segundo Angrosino [ 2009 ], a busca de elementos simbólicos podem fornecer pistas sobre o extraordinário, ou seja, sobre os rituais de interação entre jornalistas e cientistas, que, nessa “descrição narrativa”, — para citar o conceito do pesquisador Fino [ 2008 , p. 6] — são os achados de pesquisa.

De acordo com Pedro Paulo Thiago de Mello [ 2009 , p. 49], a partir dessa imersão na realidade da redação é possível perceber:

A dinâmica geral do espaço de trabalho; como se dão na prática o engajamento, as disputas, os conflitos, a colaboração e a solidariedade durante a jornada de trabalho; como regras, ritos, etiquetas e competências são assimilados, vividos e justificados pelos atores em meio à hierarquia da empresa; e, nesse processo, como os fatos são constituídos em notícia pelos jornalistas.

Mas, para que isso acontecesse, durante a permanência na redação, era negociada essa inserção na equipe, gerenciando os interesses de pesquisas e as expectativas da equipe. Mello [ 2009 ] aponta ainda que é no convívio e na relação face a face na redação que se encontram a compreensão das interações. O autor, para explicar como isso se dá, cita Erving Goffman [ 1967 ], que considera que, por meio dessa vivência, é possível analisar as situações de modo a perceber a “lógica estrutural”, assim como o plano do discurso e do comportamento [Goffman, 1967 , apud ; Mello, 2009 , p. 50].

Para perceber como se estrutura o Setor e para organizar o trabalho de campo, mantiveram-se em mente alguns questionamentos que contribuíram para nortear as observações: “Como a pauta chegou ao setor?”, “O que e por que é pautado?”, “Como a equipe seleciona/filtra/descarta as fontes?”, “A fonte já é conhecida pela equipe ou é a primeira vez?”, “Quais são as expectativas dos jornalistas referentes as fontes?”, “Durante a reunião de pauta novas fontes surgem?”, “Se sim, quem são elas?”. Alguns deles foram feitos para a equipe e outros serviram apenas para a reflexão.

De acordo com Isaac Joseph [ 2000 ] a análise do modo como os atores sociais se articulam entre si — aqui, no caso, cientistas-jornalistas e jornalistas-jornalistas, — revela que eles sabem precisamente reconhecer e julgar as situações para definir condutas adequadas durante as interações. Nas palavras do autor: “a sua experiência social não se organiza apenas segundo uma ordem de identidades e posições, mas também segundo um repertório de situações que têm seu vocabulário e seu determinismo, seu espaço cognitivo de restrições e negociações” [Joseph, 2000 , p. 10].

Das observações, pontua-se que as pautas que chegam à Divisão são de dois conjuntos. O primeiro é o de pautas internas propostas pelo grupo, denominadas por eles de “ativas”. São as pautas que os jornalistas buscam por conta própria no Repositório teses e dissertações da UFU, principalmente, mas também trabalhos de conclusão de curso e as pautas sobre datas comemorativas, chamadas, no setor, de “pautas de contexto”. O segundo é o de pautas externas, que são sugestões recebidas por Ordem de Serviço (OS), por e-mails da Divisão ou do pessoal da equipe ou por WhatsApp pessoal dos membros do setor, chamadas por eles de “passivas”, uma vez que os integrantes não buscam por conta própria.

No processo de seleção das pautas, a Dirco fica responsável por gerenciar todas as sugestões que chegam para divulgação por meio de OS, que se divide em solicitações para Divulgação de Notícias ou Divulgação de Eventos. De acordo com a Política Editorial da Dirco, disponível no Portal eletrônico “Comunica UFU”:

As pautas para divulgação podem ser sugeridas por toda a comunidade universitária, porém, cabe à equipe da Dirco avaliar cada pauta sugerida para que se proceda ou não sua produção e divulgação e qual é o local mais adequado para a possível publicação, de acordo com o tema, a abordagem e o público-alvo. Para que seja divulgado, o assunto deve ter relação direta com algum setor ou integrante da comunidade acadêmica UFU [Universidade Federal de Uberlândia, 2019b ].

Assim, o que é pautado diz respeito a esses critérios, além disso, são referentes às temáticas que envolvam pesquisas, descobertas científicas e cientistas ligados à UFU. A Dirco filtra, seleciona e encaminha para a Divisão de Divulgação Científica. Respeitando-se esses critérios, a Divisão registra o recebimento e informa o solicitante, por e-mail, que irá analisar o pedido. A Política editorial se estende para as outras pautas externas, assim como as pautas internas. Dependendo da urgência de divulgação, se dá o encaminhamento imediato para a apuração das informações e a construção do texto. Do contrário, ficará aguardando até a próxima reunião de pauta, quando será, então, colocada em discussão a solicitação. Os possíveis encaminhamentos de produção para as pautas são: coluna mensal de ciências, elaboração de uma notícia, reportagem ou uma série de reportagens dedicadas aos temas ligados aos conhecimentos científicos. Esse direcionamento é feito durante a reunião de pauta. Antes disso, é feita a distribuição entre os membros da equipe.

Durante a etapa de separação das pautas, na qual se forma uma roda, percebeu-se que são levados em consideração: a carga de pautas já acumuladas, a proximidade ou o contato prévio/anterior com o cientista, questões de agenda pessoal/disponibilidade da equipe e as preferências temáticas/pessoais dos membros da equipe. Uma vez selecionadas, as pautas externas, normalmente, já tinham uma fonte principal indicada e, na maioria dos casos, a fonte era única. O mesmo acontece com as pautas internas. Assim sendo, foi constatado que na maioria das pautas do setor não há uma diversidade de fontes. Este ponto vai de encontro às problematizações que Bueno [ 2011 ] faz sobre o fato de os jornalistas científicos ficarem reféns das fontes. Porém, foi possível ver que há uma disposição tanto da equipe quanto dos cientistas para novas fontes, visto que os últimos estão sempre prontos para indicar outros/outras colegas para fornecerem informações.

A relação dos jornalistas com os cientistas permeia todas as produções do setor, tendo diferentes níveis de interações nos diferentes contextos de pautas. As pautas que chegam ao setor via OS, ou seja, intermediadas por um sistema eletrônico, inicialmente não colocam a fonte em contato direto com o jornalista. Em muitas dessas situações, os jornalistas não conhecem esse cientista que envia a solicitação por OS, já que a maioria deles estão realizando pela primeira vez um pedido de divulgação no setor. Por consequência, no trato da pauta, os jornalistas são mais cuidadosos, já que não se conhece o cientista e é desse encontro que será possível realizar a produção. Outro ponto importante é que as solicitações que chegam via OS por vezes têm poucas informações, ou precisam ser esclarecidas e trabalhadas pelo repórter durante a entrevista com a fonte.

Sobre esta questão do encontro com as fontes, Denise Casatti [ 2006 ] explica que a relação entre jornalistas e fontes possibilita a troca de uma série de informações que podem, inclusive, proporcionar a construção diferenciada do produto jornalístico. Essa noção apresentada pela autora ficou evidente durante as observações e foi expressa na fala da jornalista responsável do setor. “A gente não pode menosprezar nenhuma pauta, por mais que às vezes a pauta venha numa comunicação um pouco mais complicada, porque desta sugestão podemos produzir algo que seja interessante e que aguce a curiosidade da comunidade externa à UFU”, compartilhou a jornalista com a equipe durante uma reunião de pauta, destacando a importância de todas as sugestões de pauta, por mais truncadas que estejam.

Com essa colocação da jornalista, fica explícito o cuidado e a preocupação com a necessidade de estreitar a relação com os cientistas, ao mesmo tempo em que marca a importância do contato com os cientistas durante o processo produtivo, uma vez que são desses encontros que surgem outras possibilidades além da pauta pré-estabelecida. Isso porque as informações que chegam ou as que são levantadas pelos jornalistas para as pautas vão ser lapidadas na interação entre jornalista-cientista por meio dos questionamentos e da negociação dos interesses específicos de ambos.

Durante as reuniões, principalmente, na discussão de algumas pautas que tinham apenas o tema, acontecia de o grupo compartilhar e sugerir contatos de cientistas que já haviam sido consultados em outras oportunidades ou que já tinham certa proximidade com o membro da equipe. Consequentemente, trocavam contatos. Foram raras as vezes em que as fontes sugeridas não foram usadas. Esse interesse por fontes já conhecidas reforça os aspectos de agilidade no processo de apuração dos produtos jornalísticos e, na maioria dos casos, facilita o encontro presencial.

As reuniões de pauta duram cerca de uma hora. Em seguida, é apresentada a agenda de atividades do setor (participação em congressos, apresentações, reuniões do grupo de estudo e de pesquisa, férias, entre outras). Feito isso, voltam para os seus lugares e continuam a desenvolver os trabalhos que já tinham começado. As pautas novas entram fila de prioridade, disponível no quadro de post-it. Assim que possível, é feito o encaminhamento destas novas pautas.

Dado o encaminhamento das pautas, com o agendamento dos encontros com as fontes de informação, foi comum observar que, durante as entrevistas presenciais, os jornalistas buscavam deixar claro para os cientistas que minimamente já haviam se preparado para o encontro e que não ignoravam totalmente o assunto. Na maioria das vezes, levavam para as entrevistas a pauta impressa e/ou o artigo científico e/ou textos de apoio (ver Figura 2). Nota-se que esse ritual, antecedente às entrevistas, contribuía para que os jornalistas fizessem a assimilação e atingisse um nível de compreensão do assunto da pauta. Além disso, facilitava a busca de aplicações e exemplos práticas num menor tempo possível. Na maioria desses casos, as associações feitas pelos jornalistas foram compartilhadas com os cientistas ainda durante a entrevista, propiciando, assim, trocas de ideias entre ambos.


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Figura 2 : Encontro da equipe da Divisão de Divulgação Científica da UFU com o cientista no laboratório. Foto: Thiago “Zina” Crepaldi.


Sobre esses encontros, cabe destacar que apesar de os cientistas terem que parar as suas atividades para atender os jornalistas da Divisão, é a equipe que vai até os cientistas, na maioria das vezes. Para tanto, a equipe conta com um veículo da universidade e, sempre que possível, um fotógrafo acompanha a entrevista para fazer os registros fotográficos que vão compor o produto final e a divulgação nas redes sociais da UFU.

No trecho a seguir, destaca-se o início da entrevista presencial da jornalista com um cientista da UFU que publicou um artigo científico numa revista internacional, cujo assunto principal era tratar sobre os riscos de infecção, Toxoplasmose, em pacientes de transplantes de medula, que muitas vezes são negligenciados no Brasil: “Bom, professor, já dei uma olhada aqui no artigo, você também já me adiantou algumas coisas por e-mail. Mas, eu gostaria que você explicasse: o que é essa pesquisa que deu origem a esse artigo?”, pergunta a repórter. Diante deste começo de conversa, nota-se que esse não foi o primeiro contato da jornalista com o tema, nem dela com o cientista. Isso porque, antes da marcação da entrevista eles já haviam trocado e-mails para esclarecer algumas questões sobre o artigo publicado. Ao iniciar a conversa fazendo esse resgate das trocas de mensagem, é como se a jornalista lembrasse ao cientista a boa relação construída até ali. Sentada ao lado do pesquisador, a jornalista (figura acima) lança uma questão que busca extrair do cientista o que é fundamental: a pesquisa que foi desenvolvida e os resultados divulgados no artigo. Assim o cientista é convidado pela jornalista a contar o que é a pesquisa, o que desloca o foco da pauta, recebida no setor, de uma mera divulgação sobre a publicação de um artigo científico numa revista internacional. Com isso, destaca a importância dos estudos realizados pelo cientista, bem como os impactos de tais resultados para a sociedade.

Tratando dos desdobramentos das entrevistas, Denise Casatti [ 2006 , p. 90] explica que a pergunta feita pela jornalista para as fontes muitas vezes suscita uma resposta que não seria dada se não fosse feita tal pergunta. Segundo a autora, o contrário também acontece: uma intervenção ou colocação de uma fonte provoca no jornalista algo que ele jamais pensaria. Na concepção da autora, “é por isso que, por mais que exista uma pauta pré-estabelecida, a verdadeira matéria nasce quando um Eu se encontra com um Tu. É aí que o processo de compreensão se dá: neste imprevisível momento chamado encontro” [Casatti, 2006 , p. 90]. Esse ponto de vista da autora foi perceptível durante as observações, especialmente as com entrevistas presenciais. Viu-se que os jornalistas tiravam dúvidas relativas à produção do material, mas que por vezes eles faziam perguntas aos cientistas relativas às possíveis dúvidas do público leitor, não especializado. Em forma de expectativa e projeção, há um encontro do público e do cientista, mediado pelos jornalistas durante o processo de feitura. Um exemplo disso aparece no trecho de uma entrevista a seguir, no qual a jornalista aproveitou a colocação do cientista para pedir que ele falasse sobre a doença Toxoplasmose, infecção popularmente atribuída apenas aos gatos.

Jornalista: — Aproveitando que o senhor está falando essa parte desses indicies de população, porque a gente pode aproveitar para esclarecer. Muitas pessoas às vezes pensam que pode aumentar a chance de ter toxoplasmose, por exemplo, tendo gatos em casa.

Cientista: — Isso, exatamente! O famoso: “todo mundo põe a culpa do gato”.

Jornalista: — E não é bem assim, então?

Cientista: — Porque, vamos supor, os alimentos que a gente ingere, por exemplo, carne vermelha, eles estão contaminados, suínos principalmente. Aqui no Brasil não se come muita carne de cordeiro e de carneiro, na Europa é uma das principais formas de contaminação. No Brasil, parece que a maior fonte, em termos de contaminação de carne, é a carne suína.

Jornalista: — Então para evitar, não é evitar ter gato? O que a gente precisa fazer?

Cientista: — O gato, o que ele é: o gato é o que a gente chama de hospedeiro definitivo, que é lá que ele vai ficar. Porque a sua presa é um roedor, o roedor está muito contaminado por ter muito contato com o solo. E no gato, no intestino do gato que se processa esse chamado ciclo sexuado e as fezes do gato vai no ambiente e fica ali por anos, em forma de resistência.

[Entrevista entre a jornalista e o cientista, grifos nossos, informação verbal].

Vê-se que a jornalista, na interação com o cientista, aproveita a oportunidade para trazer uma informação nova aos leitores que possivelmente compartilham um conhecimento que se popularizou, mas, apesar de não estar completamente equivocado, esconde os riscos de infecção para além dos gatos. Em outro trecho da mesma entrevista, surge uma pergunta muito interessante, segundo o cientista:

Jornalista: — Ainda antes da gente entrar no artigo…você falou também sobre esse índice alto de dois terços da população tem…

Cientista: — Infectados, tiveram contato com, mas não têm a doença.

Jornalista: — Infectado, mas o que isso significa? Por exemplo, a pessoa é imune, pelo fato dela ter?

Cientista: — Essa é uma outra…muito interessante pergunta. No Brasil a gente não pode falar que ela é totalmente imune. Porque tem uma biodiversidade, é um negócio impressionante.

Jornalista: — Nossa! Olha que eu achava que sabia muito, porque eu já fiz um exame que apareceu isso. Ah, então eu estou bem! Eu estou imune! Então não é bem assim, então?

Cientista: — É, muito cuidado.

Jornalista: — É preciso esclarecer isso também

[Entrevista entre a jornalista e o cientista, grifos nossos, informação verbal].

Nesse caso, constata-se a noção de Casatti [ 2006 ] de que o produto jornalístico é resultado do encontro face a face do cientista com o jornalista. Ainda observando a transcrição desses dois fragmentos da entrevista, compreende-se que tanto o cientista quanto a jornalista estão abertos para a negociação, para fazer as suas ideias que são divergentes se convergirem a ponto de contribuírem para a ampliação do conhecimento que as pessoas já possuem acerca da infecção e da doença. Essas trocas de informações são possibilitadas pelos momentos de encontro e pela relação de confiança estabelecida entre ambos.

Analisando as entrevistas realizadas pela Divisão, sob a luz de Nilson Lage [ 2006 ], verifica-se que por elas se centrarem mais no entrevistado e naquilo que ele tem a dizer, trata-se de uma entrevista ritual. Ainda utilizando a classificação de Lage [ 2006 ], quanto às circunstâncias de realização, a maioria das entrevistas do setor são do tipo dialogada, uma vez que são agendadas, controladas, construídas pelo diálogo, podendo ter um aprofundamento dos tópicos tratados.

Um rito dos jornalistas durante essas entrevistas é a solicitação de autorização para fazerem a gravação do áudio. Apesar de os produtos serem no formato de texto, segundo eles, o arquivo ajuda na elaboração do produto final. Essa estratégia permite que a jornalista fique livre para interagir, questionar, ser indagado, sem uma preocupação excessiva com as anotações, o que não significa, também que, eventualmente, a jornalista não tome alguma nota. Desta maneira, a imersão da jornalista no encontro com o cientista para a entrevista é livre. Esta constatação se torna relevante para esta pesquisa, na medida em que se compreende que a equipe prefere entrevistar pessoalmente os cientistas.

Todavia, a falta da entrevista pessoalmente não impede a feitura. Por exemplo, em uma pauta interna, “pauta de contexto”, por questões de agenda, a cientista não poderia estar presente. Para cumprir com o deadline e a prioridade, a pauta, então, foi feita por troca de mensagens por WhatsApp e por e-mail. Em conversa informal com o estagiário responsável, ele explicou as dificuldades que enfrentou não tendo encontrado a pesquisadora:

Troquei duas versões do texto com ela porque estava complicado fazer. Nesta troca, a pesquisadora indicava muitos termos técnicos para o texto. Fui levando na paciência. Foram mais de duas semanas trabalhando na pauta (…) muito por causa da dificuldade de encontrar ela, muito requisitada. Ela estava dando aula para Pós-graduação, estava organizando um congresso, estava dando um curso. Então ela estava bem apertada com a rotina [Conversa informal com estagiário do setor, grifo nosso, informação verbal].

Durante a pesquisa, nenhuma pauta que teve entrevista pessoalmente deixou de ser publicada, mas em algumas pautas que não foi possível entrevistar os cientistas envolvidos não foram desenvolvidas, principalmente por falta de informações. Com isso, confirma a importância do encontro, da relação e da interação dos jornalistas com os cientistas para a produção dos conteúdos de JC. Além disso, ficou em destaque, com as observações, que os jornalistas do setor preferem e se esforçam para encontrar os cientistas pessoalmente, pois entendem que as trocas durante esses encontros são ricas e contribuem para esclarecer as dúvidas referentes à pauta.

4 Reflexões finais

A partir do IS, com viés etnográfico, foi possível ficar imerso nos processos de produção na Divisão de Divulgação Científica da UFU e perceber o quão estruturante é a relação dos jornalistas com os cientistas inseridos na mesma instituição. Esse trabalho de campo foi desafiador no sentido do pesquisador ter que se colocar como observador-participante desses agentes sociais. Mas, o desejo de encontrar algo que contribuísse para elucidar as nuances da feitura do JC era maior do que os desafios.

Esta pesquisa permitiu realizar a descrição densa dessa realidade, por meio da observação das interações. Segundo Clifford Geertz [ 2008 , p. 7], a leitura da realidade por meio da etnografia é uma construção, fazê-la é “como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos”. Deste modo, não desconsideramos nessa observação-participante as subjetividades do pesquisador e dos pesquisados. Acredita-se que estar junto à equipe interferiu na rotina do grupo e nas suas ações; o pesquisador não esteve isento, sendo essa uma característica própria da pesquisa etnográfica. Sobre isso, Isabel Travancas [ 2006 ] pontua que, de fato, na observação participante o pesquisador social entende que não terá uma posição neutra no grupo a ser observado.

Um desafio encontrado nas observações foi perceber exatamente o que os jornalistas e estagiários da Divisão estavam percebendo nas interações com os cientistas sobre o processo em desenvolvimento e em observação. A respeito disso, Gláucia Mendes [ 2013 ] reforça que nem sempre o pesquisador irá conseguir compreender exatamente os seus informantes, uma vez que as explicações que surgem são construções simbólicas sobre as explicações dos outros.

Com as observações, compreendeu-se que a feitura do JC na Divisão depende muito da negociação entre os agentes desse processo. Além disso, certifica-se que a interação face a face colabora para uma produção mais célere e, ao mesmo tempo, enriquece o processo em termos de detalhes, aprofundamentos e pela possibilidade de diálogo, pois os jornalistas podem contar com a negociação e enfrentamento dos seus interesses com os interesses dos cientistas durante o processo.

Ressalta-se que, os achados deste estudo foi determinado pelo contexto de interação entre os atores sociais inseridos na mesma instituição, a UFU. Pela perspectiva do IS, esta realidade descrita, possivelmente, seria outra se o veículo jornalístico e os cientistas estivessem em instituições diferentes, uma vez que o contexto de observação seria outro.

Para trabalhos futuros seria interessante buscar compreender como os cientistas têm se apropriado da DC, buscando mapear com mais profundidade quais são os seus interesses, aspirações e desafios durante os processos de produção. Somando esforços, outras pesquisas podem permitir enterder como a cultura profissional dos cientistas se choca e se complementa em relação à jornalística, algo que não aparece nas atuais referências e não era objetivo deste estudo, mas que no percurso sentiu-se a falta desse aprofundamento.

Espera-se, portanto, que os achados dessa pesquisa possam, de alguma forma, contribuir com outros pesquisadores que tiverem, em seu caminho, a etnografia ou que se sintam provocados por novos questionamentos e novas reflexões, visto que o que foi iniciado nesta pesquisa pode ter continuidade em trabalhos futuros. Assim, trata-se de uma obra aberta, uma etapa da trajetória dos pesquisadores envolvidos no trabalho.

Agradecimentos

Pesquisa desenvolvida com recursos da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais — FAPEMIG.

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Autores

Thiago A. A. T. S. Crepaldi. Biólogo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e graduando em Jornalismo pela mesma instituição. Atualmente tem interesse pelas áreas da educação, divulgação científica e jornalismo científico. E-mail: jornalismothiagocrepaldi@gmail.com .

Adriana Cristina Omena dos Santos. Possui graduação em Comunicação pela Universidade Metodista, Mestrado e Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (ECA/USP) e Pós Doutorado em Comunicação Pública da Ciência junto ao Institute for Science, Society and Policy na University of Ottawa, Canadá (2018–2019). Atualmente é docente no curso de Jornalismo, faz parte do quadro de docentes do Programa de Pós-graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação — PPGCE (mestrado profissional) e do Programa de Pós-Graduação em Educação — PPGED (mestrado e doutorado) todos na Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: adriomena@gmail.com .

Notas

1 Neste artigo corroboramos com a definição e a crítica do jornalista Wilson Costa Bueno [ 1985 ] e Costa Bueno [ 2014 ] no que tange ao conceito de jornalismo científico, o qual deve considerar as ciências na sua pluralidade, incorporando todas as áreas e subáreas do conhecimento. Por isso, consideramos objetos do JC as Ciências Humanas, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes. Nas palavras do autor: “os limites do jornalismo científico estão na especificidade do processo de comunicação jornalística”, [Bueno, 1985 , p. 1423].

2 Este artigo é um recorte da pesquisa monográfica defendida no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia, em 2019, intitulada “Jornalistas e cientistas: um olhar etnográfico sobre os ritos de interação na Divisão de Divulgação Científica da Universidade Federal de Uberlândia”.

3 Portal comunica pode ser acessado pela URL: http://www.comunica.ufu.br/ .

4 De acordo com Uriarte [ 2012 ], não se deve confundir “trabalho de campo” com etnografia. Nas palavras do autor, “o trabalho de campo não é invenção da Antropologia nem muito menos monopólio dela. Mas o ‘campo’ antropológico supõe não apenas ir e ver ou ir e pegar amostras, mas algo mais complexo: uma co-residência extensa, uma observação sistemática, uma interlocução efetiva (língua nativa), uma mistura de aliança, cumplicidade, amizade, respeito. Em uma palavra, o trabalho de campo antropológico consiste em estabelecer relações com pessoas.” [Clifford, 1999 , apud ; Uriarte, 2012 , s/p].

5 A reportagem pode ser acessada pela URL: http://www.comunica.ufu.br/noticia/2019/12/por-que-nossa-vida-depende-da-presenca-das-abelhas .