Resenha de Livro

Chagas, C. e Massarani, L. (2020).
Manual de sobrevivência para divulgar ciência e saúde.
Rio de Janeiro, Brasil: Editora Fiocruz

O Brasil e o mundo têm testemunhado reações contundentes de descrédito à ciência. Na disputa de narrativas e, consequentemente, da verdade, assuntos como a segurança das vacinas, mudanças climáticas, teoria da evolução das espécies e a forma do planeta ganham destaque entre os tópicos em voga.

Tais reações também têm penetrado no âmago de alguns governos, em que chefes de Estado usam do sentimento de descrença para fidelizar adeptos e promover dúvidas sobre os feitos de instituições científicas, especialmente quando esses vão de encontro a seus interesses.

Podemos citar como exemplo nacional, o caso da exoneração do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) anunciada após a apresentação de dados de desmatamento da Amazônia, coletados por satélites de responsabilidade do INPE. A dúvida lançada pelas autoridades sobre os dados e o saber-fazer ciência brasileiro seria cômica se não fosse trágica, já que o INPE é uma unidade de pesquisa pública, a serviço do governo federal. Isto é dizer: o INPE tem como prioridade atender pesquisas de interesse estipuladas pelo próprio Estado.

É preocupante constatar que vivemos um momento em que atitudes anticiência circulam no âmbito da esfera pública. E que esta, por sua vez, ainda tem o poder para dificultar os cotidianos dos cientistas cortando verbas de apoio às pesquisas, promovendo desmontes de infraestrutura e perseguição do livre pensamento.

Não bastasse isso, o estado de emergência sanitária causado pelo corona vírus agravou a situação da ciência no país, pois a piora dos indicadores econômicos tem sido usada como motivadora para imprimir cortes ainda mais severos em ciência e educação.

Porém, a crise política-social-econômica e moral é anterior ao novo normal. O desmonte do sistema de ciência e tecnologia no Brasil vem ganhando notoriedade já há alguns anos. E finalmente os cientistas parecem ter despertado para esta amarga realidade, tendo sido necessário recorrer a sociedade para defender o capital científico construído até então.

Por exemplo, como resposta aos cortes no orçamento do MCTI em 2016, os pesquisadores brasileiros se juntaram ao evento de abrangência mundial intitulado “Marcha pela Ciência” em abril do ano seguinte, levando a pauta para as ruas de 25 municípios do país.

Agora está mais claro do que nunca que, se aproximar da sociedade é uma questão de sobrevivência da própria ciência. Tristemente, em tempos de pandemia, a palavra “sobrevivência” pode ser considerada em seu sentido literal. Sem ciência, sem vacina, sem as instituições, sem o SUS, a vida de brasileiras e brasileiros está em risco.

Mas neste picadeiro, com respeitável público e tudo mais, é comum o sentimento de desafio e insegurança. Quais assuntos devem ser priorizados na divulgação científica? Qual é a melhor estratégia para se divulgar? Para qual audiência se deve dirigir? Como freiar as fake news?

Pensando nessas questões frequentemente feitas por pesquisadores e futuros pesquisadores que embarcam na luta pela ciência através da divulgação científica, o livro “Manual de Sobrevivência para Divulgar Ciência e Saúde” lança luz sobre muitas dessas questões, sendo um excelente guia para os novatos no empreendimento da comunicação.

As autoras Catarina Chagas e Luisa Massarani reuniram na obra diversas ferramentas para que os profissionais das mais diversas áreas possam promover um diálogo contínuo com a sociedade, sentindo-se mais confortáveis na jornada. Trazem ainda dicas e reflexões, além de estabelecer relações entre ciência e sociedade.

A leitura é agradável e objetiva, com exemplos práticos de “como” e “para quem” divulgar ciência em tempos de crise. As dicas são lançadas após a contextualização do campo da divulgação científica no Brasil, com referências para aprofundamento.

O manual inicia trazendo uma perspectiva histórica, que passa pelas ações individuais de cientistas do início do século XIX, sintetiza sobre o processo de criação dos museus de ciências, ocorrida mais massivamente nos anos 1980 e 1990 e traz memórias importantes de ações lideradas pelos veículos de comunicação em massa, tais como jornais e rádio. A contextualização permite entender como chegamos, por meio de políticas públicas, aos anos dourados da popularização da ciência no país, no início dos anos 2000.

Após esta reflexão, o livro traz contribuições para quem deseja instrumentalizar sua prática. Questões como “para quem divulgar?” e “como divulgar” são abordadas de forma objetiva, mas não exaustiva, já que o processo da comunicação científica avança rapidamente assim como a própria ciência — algo que é deixado bastante claro pelas autoras.

Em “como” destaca-se a extensa lista de dicas para se fazer divulgação científica na forma de vídeos, redes sociais, podcasts, eventos de ruas, textos, entre outros. Para os mais ousados, uma lista de hot topics também é discutida.

Mesmo tendo sido preparado antes de o mundo se deparar com a pandemia, o manual traz informações relevantes para nosso estado atual, já que temas considerados de extrema importância no momento, tais como as fake news, também são considerados.

De leitura fácil, o livro é o que se propõe a ser: um manual para sobrevivência. As autoras não têm a pretenção de que o livro se torne a bíblia da divulgação da ciência, já que declaram que a divulgação evolui rapidamente a partir de reflexões, e que portanto em poucos anos os conselhos dados podem se tornar obsoletos. Entretanto, elas ostentam um trabalho de décadas em práticas e pesquisas na área, além de serem as organizadoras de um curso do tipo mooc aberto, o qual já teve milhares de inscritos, o que traz confiança para o conteúdo.

Ninguém poderia imaginar que no período de um ano mudaríamos tanto nossas vidas, nossa forma de conviver e estar no mundo, e que haveriam necessidades ainda mais urgentes para a ciência, como salvar vidas. Em tempos de isolamento social, onde a internet ganhou protagonismo, a divulgação científica atingiu um patamar ainda importante e a ciência tornou-se assunto diário para as pessoas, um manual deste tipo nunca foi tão necessário.

Referências

Chagas, C. e Massarani, L. (2020). Manual de sobrevivência para divulgar ciência e saúde. 1a ed. Rio de Janeiro, Brasil: Editora Fiocruz. URL: https://editorafiocruz.commercesuite.com.br/colecoes/temas-em-saude/manual-de-sobrevivencia-para-divulgar-ciencia-e-saude.

Autor

Patrícia Figueiró Spinelli. Possui graduação em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2004), mestrado em Física pela mesma Universidade (2007) e doutorado em Astrofísica pela Ludwig-Maximilians-Universität e International Max Planck Research School on Astrophysics (LMU, IMPRS, 2011). Realizou estágio de pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP, 2013). Tem experiência na área de Astrofísica, com ênfase em Lentes Gravitacionais Fracas, Cosmologia e Astrofísica Extragaláctica. Atua na área de divulgação em ciências, em especial Astronomia, sendo membro fundador do Programa GalileoMobile. Atualmente é pesquisadora associada do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST, desde 2013) e professora do curso de Pós-graduação Lato Sensu Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência (DPC desde 2014) e do Mestrado em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde (PPGDCST desde 2016), ambos da Fiocruz/MAST/Jardim Botânico/Casa da Ciência/CECIERJ. É também a coordenadora brasileira do Portuguese Language Expertise Centre of Astronomy for Development da União Internacional de Astronomia (PLOAD-IAU desde 2015). Desde março de 2021, tornou-se bolsista de produtividade do CNPq na área de divulgação científica. E-mail: patriciaspinelli@mast.br.