1 Introdução

O presente artigo tem como temática o fenômeno da selfie nas ambientações museológicas e visa promover debates sobre a presença do fenômeno da selfie no museu com base no olhar da comunicação institucional, dos públicos e de artistas expositores. Desta maneira, conforme Altares [ 2016 ], em matéria publicada no jornal El País , os museus mais visitados do mundo estão procurando soluções para administrar a recorrente superlotação, agravada pela popularização dos smartphones . Exemplos deles são os Museus do Vaticano e o Museu do Louvre, este último — de acordo com o autor — chegou a receber 9,3 milhões de visitações apenas no ano de 2013. Por outro lado, enquanto o fenômeno da selfie é visto como uma problemática do dia a dia de museus de maior porte, muitas instituições menores têm se apropriado deste fenômeno como estratégia de comunicação para atrair visitantes.

É importante ressaltar que, nesta pesquisa, observamos esse cenário antes e durante a pandemia de COVID-19, que resultou no fechamento de muitos museus em um primeiro momento. Neste sentido, antes de iniciar a pandemia verificamos que a selfie , fenômeno do cotidiano, contribuiu para um agravamento da superlotação de museus icônicos, sendo difícil organizar as filas que se formavam para obter uma selfie com os trabalhos apresentados nos espaços expositivos.

A partir do exposto, muitos museus têm promovido o fenômeno da selfie nos espaços expositivos, incitando o diálogo com o público por meio das redes sociais digitais. Com isso, o presente artigo busca promover debates sobre a presença do fenômeno da selfie no museu com base no olhar da comunicação institucional, dos públicos e dos artistas expositores. A instituição investigada foi o Museu Oscar Niemeyer (MON) localizado na cidade de Curitiba-PR/Brasil. O museu foi escolhido devido ao seu numeroso fluxo de visitantes e sua arquitetura icônica.

Com base em um levantamento bibliográfico realizado para esta pesquisa, foram mapeadas conceitualizações importantes acerca do fenômeno da selfie . Para Gunthert [ 2015 ], selfies são imagens autofotográficas compartilhadas. Neste sentido, o fenômeno prevê um destinatário. Segundo o Dicionário Oxford [ Stevenson, 2010 ], a selfie é definida como uma fotografia que alguém tira de si mesmo, utilizando um smartphone ou uma webcam , com o objetivo de ser compartilhada nas redes sociais digitais. Ainda, conforme Galindo [ 2018 ], selfies são autorretratos realizados a partir de câmeras digitais, frequentemente esticando o braço e virando a objetiva da câmera para si ou em frente a um espelho com a finalidade de compartilhamento nas redes. No entanto, com novos estudos sendo realizados a partir da temática da selfie , novas definições para o fenômeno surgiram. Neste sentido, Silva [ 2018 ] conceitua este fenômeno como o desejo de enquadrar o self em uma imagem para ser compartilhada com a audiência on-line. Desta forma, a diferença entre uma selfie e um autorretrato está calcada na suposição do destinatário. Além disso, para dos Santos [ 2016 ], a selfie carrega consigo tudo o que diz respeito ao próprio eu, ou seja, a autoafirmação, a autoconfiança, a autodefesa e a autoestima. O fenômeno também possui um caráter fundamentalmente social, já que é considerada uma nova forma de expressão e comunicação.

Consideramos selfie nesta pesquisa como o desejo de enquadrar o self em uma imagem produzida com o objetivo de ser compartilhada com a audiência on-line [ Silva, 2018 ]. Para Silva [ 2018 ], a selfie tem sido uma maneira de nos apropriarmos dos elementos da vida cotidiana e, por ser imagem conectada, o fenômeno torna-se ato comunicativo e de sociabilidade. Neste sentido, o museu — de acordo com Morás [ 2019 ] — é visto como uma organização de caráter cultural, sendo ele um espaço de interpretação, produção e ordenação de sentidos. Além disso, consideramos o espaço museológico como lugar de divulgação científica. De acordo com Zamboni [ 2006 ], é muito comum considerarmos a ciência como um meio para o conhecimento, enquanto a arte é descrita de maneira diferente, sendo habitual pensarmos nela como algo a parte do conhecimento humano. No entanto, a arte ou um objeto artístico é capaz de ampliar o nosso conhecimento de mundo, reforçando a ideia de que a arte é produção de conhecimento, já que nos auxilia para um entendimento mais profundo das coisas que nos cercam. Assim, de acordo com Zamboni [ 2006 ]:

A arte e a ciência, como faces do conhecimento, ajustam-se e complementam-se perante o desejo de obter entendimento profundo. Não existe a suplantação de uma forma em detrimento da outra, existem formas complementares do conhecimento, regidas pelo funcionamento das diversas partes de um cérebro humano e único. [Zamboni, 2006 , p. 23].

Deste modo, justificamos esta pesquisa na medida em que o fenômeno da selfie tem se difundido cada vez mais nos ambientes sociais, culturais e educacionais, entre eles o próprio museu. As estratégias de comunicação utilizadas nos museus de arte servem, portanto, de inspiração para qualquer tipo de museu que busca atrair o público para o seu espaço.

2 A arte pede interação: a selfie no museu

O fenômeno da selfie — desejo de enquadrar o self em uma imagem para ser compartilhada com a audiência on-line [ Silva, 2018 ] — tem se difundido cada vez mais nos ambientes sociais, culturais e educacionais, entre eles o próprio museu. Esse fenômeno tem feito parte do nosso cotidiano e possui, de acordo com alguns autores, diversas motivações. Entre elas, a espetacularização da vida por meio da imagem [ Debord, 2000 ], o narcisismo próprio do ser humano, a necessidade de nos mostrarmos para o outro [ Chamorro-Premuzic, 2019 ], a nossa forma de nos expressarmos e comunicarmos [ dos Santos, 2016 ], o formato dos smartphones que com sua frontalidade e verticalidade valoriza a figura humana em detrimento do cenário [ Fragoso & Borges, 2018 ], o sonho e a possibilidade de se tornar famoso [ Paiva, 2018 ], a legitimação da memória do momento vivenciado [ Alves, 2017 ] e a emergência que temos de nos apropriarmos dos elementos da vida social [Silva, 2018 ]. Além dessas motivações, a selfie também sempre trará possibilidades identitárias, sendo um ato inteiramente performativo [ Montardo, 2019 ].

A selfie tem feito parte do nosso cotidiano e, com as subjetividades cada vez mais expostas, quase todas as nossas atividades diárias acabam sendo resumidas em imagens. Nossas redes sociais digitais, por exemplo, muitas vezes se transformam em diários, relatando o que comemos, o que vestimos, com o que trabalhamos, com quem estamos e inúmeras outras atividades que desempenhamos no nosso dia a dia. As idas ao museu, neste sentido, não seriam diferentes. Desta forma, a selfie tem sido uma maneira de nos apropriarmos da arte, já que muitas vezes somos impedidos de vivenciá-la por completo. Em meio a este cenário de limitações, que muitos museus abordam, é comum nos sentirmos inibidos a experienciar conforme a necessidade individual. Diante disto, é preciso entender que a arte pede por interação e apropriação.

A interatividade no contexto da arte sempre esteve presente, mesmo que somente de maneira mental. Este foi um aspecto importante levantado pelo movimento Dadaísta — mais precisamente, a partir de Marcel Duchamp. Este artista foi decisivo para uma reformulação nas relações entre autor, obra e espectador. Com uma redefinição estética e com o choque que a proposta Dadá apresentava, o até então espectador passou a vivenciar a obra de arte de maneira mais ativa. Neste sentido, o movimento proporcionou uma maior liberdade de percepção e, consequentemente, maior poder de ação sobre os trabalhos artísticos apresentados na época. No entanto, de acordo com de Oliveira e Corrêa [ 2016 ], foi nos anos 1960–1970 que a estética relacional ascendeu, proporcionando importantes discussões acerca da participação do espectador no campo artístico. Artistas de vários países, principalmente no Brasil, começaram a elaborar trabalhos que tendiam para a desmaterialização da obra de arte, criando proposições, happenings 1 e objetos interativos, que sem a participação do público não se concretizavam [ ferreira, s.d. ]. Alguns coletivos e artistas foram destaques no âmbito da arte relacional, entre eles o Fluxus , o artista Joseph Beuys e a artista Yoko Ono. No Brasil, o destaque foi para alguns artistas relacionados ao movimento neoconcreto, entre eles o poeta Ferreira Gullar e a artista Lygia Clark.

Em meados das décadas de 1960 e 1970, o Fluxus — um modo de fazer as coisas — resgata as ideias dadaístas e duchampianas no sentido de seu aspecto contestador de valores já estabelecidos pela sociedade. Desta maneira, visavam uma revolução cultural, social e política. Além disso, segundo Lima [2009], o Fluxus promoveu — mediante proposições cotidianas e possíveis de serem realizadas por qualquer indivíduo — a indissociação entre arte e vida, contribuindo para que o papel do antigo observador se tornasse ainda mais participativo. Joseph Beuys (1921–1986), artista alemão e inicialmente integrante do Fluxus , considerava em seus trabalhos o ser humano como — segundo Rosenthal [ 2011 ] — um transmissor e receptor das energias transmitidas em cada uma de suas obras. Nesta perspectiva, o espectador-participante é continuamente sensibilizado para que seja possível o desenvolvimento de diversos níveis de receptividade. Para Vicini [ 2013 ], Beuys não buscava uma compreensão imediata de seus trabalhos, almejando que as pessoas se sentissem parte integrante de suas propostas artísticas, assim “construindo relações com seu mundo individual e coletivo, compreendendo sociedade, indivíduos, política, arte, filosofia, educação…” [Vicini, 2013 , não paginado].

No âmbito da comunicação estratégica, a selfie tem ganhado cada vez mais espaço, já que o fenômeno se tornou mediador das relações sociais, originando importantes diálogos nas redes sociais digitais [ Silva, 2018 ]. Deste modo, muitos museus têm promovido experiências de visitação por meio do fenômeno da selfie . Estas experiências valem-se da construção de cenários para o ato, do compartilhamento de hashtags , do repost de selfies de visitantes e, até mesmo, de promoções que envolvem o fenômeno. Logo, a selfie tem tido um caráter estratégico publicitário, exibindo de maneira mais próxima dos públicos a programação das instituições e promovendo interação. Por isso, se antes a comunicação institucional era feita pelo meio impresso e audiovisual, hoje ela também está no meio digital, contribuindo para um relacionamento horizontal e interativo com os públicos [ Terra, 2006 ]. Desta maneira, além da selfie ter transformado os modos de comunicar, o fenômeno também tem mudado nosso modo de estar no museu. Assim, o fenômeno tem estado presente nos processos de interação entre espectador-participante e objeto artístico. Por isso, de acordo com Lara Filho [ 2013 ], o museu do século XXI precisa se adaptar a cultura contemporânea não apenas assimilando técnicas e tecnologias, mas estruturando esta cultura de forma inovadora e estimulante. Ademais, precisamos pensar na experiência de visitação de modo muito além do espaço físico [ Alexandre, 2017 ]. Neste sentido, muitos museus estão migrando para as plataformas digitais, denominando-se museu 2.0 [ Losada-Díaz & Capriotti, 2015 ].

O fenômeno da selfie também tem conformado nosso olhar a um novo ponto de vista. Para Henn [ 2018 ], o enquadramento proposto no Renascimento tem direcionado nosso olhar a uma única concepção, conhecida muitas vezes como o mundo real. De acordo com Linares [ 2015 ], a perspectiva foi um sistema visual que priorizou um olhar antropocêntrico, valorizando o indivíduo em um mundo que, anteriormente, tinha deus como centro. Assim, a perspectiva renascentista não só objetivou e unificou nossa maneira de olhar, mas também transformou nosso mundo em imagem. Ou seja, mesmo quando as imagens não fazem um uso claro das leis da perspectiva renascentista, esta continua condicionando nossa percepção de mundo. No entanto, conforme Henn [ 2018 ], a era da pós fotografia — termo cunhado por Joan Fontcuberta e Fred Richtin — vem formatando um novo grau de verdade. Em meio a desconstrução de seu aspecto documental, a fotografia invadiu a esfera do entretenimento e das subjetividades, sendo um ato vital de autoafirmação. A imagem então, caracteriza-se como imagem instante, próximas aos diários e ao perene. Neste sentido, a imagem no ambiente digital articula inúmeras possibilidades, configurando um novo tipo de fotografia. Esta, assim como a própria arte, já não se encontra mais em um retângulo que remete a uma pintura estática, ela deixa de estar no quadro para fazer parte de um mosaico interativo, o qual segundo Henn [ 2018 ] “…faz parte de um conjunto maior de dinâmicas e mídia conectadas” (p. 79). Isso fica claro quando observamos o atual cenário das selfies .

2.1 Sobre a instituição investigada: Museu Oscar Niemeyer

O Museu Oscar Niemeyer (MON) possui 35 mil metros quadrados de área construída, entre os quais 17 mil metros são destinados às áreas expositivas. O MON fica no bairro Centro Cívico, em Curitiba, próximo do Palácio do Governo do Paraná e das secretárias de Estado. Inaugurado no dia 22 de novembro de 2002, o seu edifício foi projetado pelo reconhecido arquiteto Oscar Niemeyer 2 ainda na década de 1960 para receber o Instituto de Educação do Paraná. A obra foi finalizada em 1978, quando foi utilizado pelo governo para afins administrativos. Para a instalação do museu, o edifício teve a sua estrutura original remodelada pelo próprio Oscar Niemeyer que projetou um grande anexo em formato elíptico. Essa inserção arquitetônica chamou a atenção da população, que logo a identificou como “Museu do Olho” e está presente em muitas selfies de seus visitantes, turistas e moradores da cidade.

O museu possui 7 mil obras nas áreas de artes visuais, arquitetura e design. De acordo com as informações do próprio MON, 3 o museu conta com 12 salas expositivas e mais de 20 mostras anuais que recebem um público superior a 360 mil visitantes. Além disso, sua estrutura conta com uma reserva técnica, um centro de documentação e referência, um laboratório de conservação e restauro, uma loja (MON loja) e um café. Atualmente, a instituição dispõe de variados setores, entres eles o educativo, o de planejamento cultural, o acervo e conservação, o de documentação e referência, o de gestão museológica, e o de comunicação, design, jurídico e eventos.

3 Sobre a trilha metodológica

Para alcançar o objetivo proposto no presente artigo, o percurso metodológico consistiu em três etapas (ver Figura 1 ).


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Figura 1 : Etapas metodológicas da pesquisa.

A etapa 1 teve como objetivo analisar como o Museu Oscar Niemeyer tem utilizado a selfie e as ferramentas do Instagram para se comunicar com seu público. Para isso, foi realizado uma netnografia no perfil do MON no Instagram e uma entrevista semiestruturada com duas profissionais do Setor de Comunicação do referido museu.

Em relação à netnografia utilizada na etapa 1, este método de pesquisa foi adaptado da etnografia para as contingências específicas da sociedade atual, ou seja, dos mundos mediados pela tecnologia [ Kozinets, 2014 ]. Para compreender como o Museu Oscar Niemeyer tem se comunicado com seus públicos por meio da selfie no Instagram , foram observados os seguintes elementos: (1) a biografia da instituição no Instagram ; (2) o conteúdo das imagens publicadas no feed do Instagram ; e (3) as hashtags promovidas pela instituição nas postagens do Instagram . Foi utilizado como recorte temporal as publicações dos anos de 2016 a 2019. O ano de 2016 foi escolhido por ser o ano de estreia do MON no Instagram , enquanto o ano de 2019 foi o último a ser coletado, já que em 2020 houve a pandemia de COVID-19 no Brasil, ocasionando o fechamento temporário da instituição e uma programação especial nas redes sociais digitais. Os dados foram coletados com o auxílio da ferramenta PrintScreen e organizados em categorias no Software NVivo em um total de 1004 imagens analisadas em relação ao recorte temporal estabelecido para as publicações no Instagram da instituição. Assim, os dados foram analisados por processos fundamentais descritos por Kozinets [ 2014 ], conforme destacado na Tabela 1 .


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Tabela 1 : Procedimentos de análise de dados qualitativos.

Ainda na etapa 1 e de modo a complementar a netnografia realizada, foram feitas duas entrevistas semiestruturadas com duas profissionais do Setor de Comunicação do MON. Essas profissionais foram localizadas a partir da página digital oficial da instituição e um e-mail foi enviado para o convite e agendamento da entrevista. Desta maneira, a entrevista caracteriza-se — de acordo com Duarte [ 2010 ] — como uma técnica qualitativa que busca compreender determinado assunto por meio das informações, percepções e experiências dos informantes, para assim, analisá-las e apresentá-las de maneira estruturada. Para as entrevistas, utilizamos um roteiro e um gravador. As entrevistas foram transcritas e categorizadas conforme a análise de conteúdo de Bardin [ 2016 ]. Na pré-análise, o material foi organizado de modo a sistematizar um plano de análise. Nesta fase ainda, foi realizada uma leitura flutuante do material para a escolha dos documentos a serem analisados. A seleção dos documentos seguiu as recomendações de Bardin [ 2016 ], procurando ser exaustiva, homogênea, representativa e pertinente. Depois disso, o material foi reunido e preparado para realizar a análise.

Após a pré-análise, é necessário realizar o processo de codificação [Bardin, 2016 ]. Esta fase consiste no refinamento de dados brutos do texto analisado. A organização da codificação compreende três escolhas: (1) o recorte, (2) a enumeração e (3) a classificação. O ato de recortar refere-se a unidade de registro e de contexto, esta unidade corresponde a significação codificada tendo como objetivo a categorização e a contagem de frequência, a qual pode ser feita, por exemplo, por palavra ou tema. A enumeração, outra etapa importante da codificação, consiste na escolha da regra que permitirá a contagem da unidade de registro, podendo esta ser presença ou ausência, frequência, intensidade etc. Por fim, a etapa da classificação faz referência ao processo de categorização. Este compreende a classificação dos elementos do texto por um conjunto de diferenciação seguido de reagrupamento. Neste sentido, classificar os elementos de análise é investigar o que eles têm em comum com os outros. Para a criação das categorias foram considerados os critérios de qualidade sugeridos por Bardin [ 2016 ], sendo eles: exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade e fidelidade e produtividade.

Em relação à etapa 2 , esta consistiu na elaboração de um survey destinado aos visitantes do MON com o objetivo de entender seus olhares sobre o fenômeno da selfie na instituição investigada e em seus cotidianos. De acordo com Babbie [ 1999 ], o survey é um método que se utiliza da aplicação de um questionário para a coleta de dados, o qual tem como objetivo relacionar ou medir itens de determinada pesquisa, podendo se estruturar de diferentes formas e a partir de diferentes amostragens. Neste sentido, para esta etapa da pesquisa, foi aplicado um survey por meio de um questionário on-line com 16 questões abertas e fechadas. Foram obtidas respostas de 196 participantes por meio de uma amostragem não-probabilística e voluntária nos anos de 2020 e 2021. Portanto, os dados obtidos com essa quantidade de participantes possuem limitações a serem consideradas nas análises e reflexões sobre a temática, bem como o período em que os dados foram coletados. De maneira geral, os participantes foram encontrados por meio de uma estratégia de envio de convite para responder ao questionário da pesquisa a partir de e-mails e de buscas de possíveis visitantes em redes sociais ( Facebook e Instagram ). Sobre a análise de dados das questões fechadas, foram utilizados procedimentos de estatística descritiva (média e frequência). Já para analisar os resultados obtidos mediante as questões abertas apresentadas no questionário, foi utilizado a análise de conteúdo de Bardin [ 2016 ].

Na etapa 3 , o objetivo foi compreender como os artistas expositores têm visto o fenômeno da selfie no ambiente do museu e como este fenômeno tem tangenciado suas práticas artísticas. Para isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas [ Duarte, 2010 ] com quatro artistas, tendo como critério de escolha os artistas que já haviam expostos seus trabalhos no Museu Oscar Niemeyer. As entrevistas da etapa 3 ocorreram de forma on-line com o auxílio de um roteiro com seis questões, as quais partiram de uma abordagem mais ampla para a mais específica. Além do roteiro, foram utilizados como materiais de coleta: um notebook , um smartphone , uma plataforma de serviços de conferência remota ( Zoom ), um aplicativo de mensagens instantâneas ( Whatsapp ) e troca de informações por e - mail . Todas as entrevistas foram transcritas e colocadas em categorias conforme os critérios estabelecidos por Bardin [ 2016 ]. Para isso, utilizou-se o criador e editor de texto Microsoft Word e o Software NVivo . É válido destacar que todos os entrevistados concederam autorização para gravar as entrevistas para fins de transcrição. No entanto, nem todos concordaram com a divulgação de seus nomes. Por este motivo, a identificação de todos os entrevistados se manteve de maneira anônima.

4 Resultados e discussão: a selfie como prática estratégica e cotidiana

Esta seção de resultados e discussão está dividida em três eixos principais: (1) o Museu Oscar Niemeyer e suas estratégias comunicacionais; (2) os visitantes do museu; e (3) os artistas entrevistados e as selfies .

4.1 O Museu Oscar Niemeyer e suas estratégias comunicacionais

A selfie , fenômeno do cotidiano, agravou a superlotação de instituições culturais icônicas. Como destacado anteriormente, tem sido difícil organizar as filas que se formam para obter uma selfie com os objetos expostos nos ambientes museológicos [ Altares, 2016 ]. No entanto, enquanto instituições que recebem uma grande quantidade de visitantes tratam a selfie como uma problemática, os museus com pouca visitação utilizam este fenômeno como estratégia de comunicação para atrair públicos diversos.

O Museu Oscar Niemeyer, objeto de estudo deste trabalho, assume esta estratégia de forma discreta. O Setor de Comunicação da instituição acredita que o fenômeno da selfie aproxima o museu do público, desvinculando a imagem da instituição de uma imagem elitista. Neste sentido, ao pensar que a comunicação estratégica é também ter o domínio da comunicação digital [ Corrêa, 2009 ], o MON — cada vez mais — tem integrado este setor visando interagir com seus públicos.

Com base na análise do Instagram do museu e na entrevista realizada com o Setor de Comunicação do MON, é possível afirmar que 2016 foi o ano que o museu iniciou suas atividades no Instagram — plataforma investigada nesta pesquisa. No entanto, foi apenas em 2017 que a instituição investiu na comunicação em rede e, desde 2021, conta com um núcleo de planejamento estratégico para as plataformas digitais. Este fato, deveu-se muito à pandemia de COVID-19. Assim como muitos museus de todo o mundo tiveram que fechar as portas para o público durante o isolamento social, o MON também teve estar mais presente no ambiente digital.

Segundo Alexandre [ 2017 ], muitos museus procuram fazer da visita museológica uma experiência, a qual não se limita mais apenas ao espaço físico dessas instituições. A ampliação da experiência para além do espaço físico é o que Losada-Díaz e Capriotti [ 2015 ] denominam como museu 2.0. Assim, a experiência da visita ao MON está presente em várias plataformas digitais, sendo possível conferir sua programação educativa no Youtube e suas exposições no Google Art and Culture . Além disso, no Instagram da própria instituição já ocorreram lives e publicações relacionadas às vivências dos visitantes com o museu.

Se antes a comunicação institucional era realizada por meio impresso e audiovisual, hoje ela também é feita no meio digital. Assim, contribuindo para um relacionamento horizontal e interativo com os públicos [ Terra, 2006 ]. Em 2020, o MON se permitiu interagir mais com seus visitantes por meio das plataformas de redes sociais digitais, deixando um pouco de lado seu caráter predominantemente informativo. Deste modo, a comunicação integrada que o MON parece estabelecer tem favorecido as interações e as construções de significado entre os públicos e a organização [ Morás, 2019 ].

Conforme a entrevista realizada com o Setor de Comunicação do MON, o fenômeno da selfie faz parte da interação entre a organização e os públicos que fazem parte deste contexto. Desta forma, o fenômeno faz com que os visitantes se sintam à vontade no espaço museológico, mesmo não tendo compreendido os aspectos centrais que envolvem um trabalho artístico. O importante para o Setor de Comunicação da instituição é o público estar visitando o museu, como aponta o trecho retirado da entrevista (Figura 2 ).


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Figura 2 : Trecho retirado da entrevista.

Com base na entrevista realizada pelo Setor de Comunicação do MON e na netnografia realizada no perfil do Instagram do museu (etapa 1 da trilha metodológica), a instituição reconhece que o público é fascinado pela selfie e, mesmo sabendo disso, o museu afirma não provocar o fenômeno, apenas incentivá-lo. Com as novas possibilidades interativas por meio da imagem, a selfie — como imagem conectada — tornou-se mediadora das relações sociais e, assim, uma relevante estratégia de comunicação [ Silva, 2018 ]. Deste modo, muitas instituições, inclusive o MON, têm utilizado o fenômeno da selfie como forma de interação com o público. Assim, o museu tem promovido hashtags (#museuoscarniemeyer; #vempromon ), promoções relacionadas a fotografia e divulgações de suas exposições a partir do repost das selfies de seus visitantes. A selfie — neste sentido — tem um caráter estratégico publicitário, a fim de exibir de maneira mais próxima do público a programação da instituição. Porém, de acordo com Oliveira [ 2014 ], colocar as instituições museológicas no contexto publicitário é uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo que, pode inserir as instituições na lógica de mercado, pode também estabelecer diálogos com variadas camadas da sociedade.

O que as instituições devem ficar atentas é na denotação divertida que — muitas vezes — a publicidade emprega. Subordinar o museu apenas como um espaço de divertimento é problemático [ Meneses, 2000 ]. Os visitantes precisam sair da instituição com algo além de selfies e produtos da lojinha. Neste sentido, defendemos a necessidade de que o público saia do museu com formação crítica.

Se o fenômeno da selfie tem um potencial estratégico para atrair visitantes, em relação ao seu caráter educativo, ainda pouco se sabe. O setor acredita que o fenômeno seja educativo ao ser convite para chamar pessoas que ainda não visitaram determinada exposição, ou seja, o fenômeno é considerado porta de entrada para o museu. Neste sentido, com base nos resultados da pesquisa, podemos afirmar que nos últimos anos o MON tem investido na comunicação digital como meio de interagir com os seus públicos. Já em relação ao fenômeno da selfie , a instituição afirma não promover o fenômeno, mas sim incentivá-lo utilizando hashtags e compartilhando as selfies de seus visitantes nas redes sociais digitais.

4.2 Os visitantes do museu

A partir da netnografia realizada nesta pesquisa, é claro que o museu tenta alcançar o seu público com sua programação, com seus objetos, com sua arquitetura imponente e com a afetividade e os diálogos que a selfie pode gerar. Mesmo assim, o museu admite o desafio de colocar para dentro da instituição o público do parcão . 4 Essa problemática não deve ser um esforço apenas do museu [Meneses, 2000 ], o difícil alcance de públicos para dentro da instituição mostra o déficit educacional geral proposto por Bourdieu e Darbel [ 2007 ] em um contexto europeu, o qual reafirma-se no Brasil. Nesta perspectiva e com base no survey realizado com os visitantes do MON, é possível perceber que a maioria (40,2%) dos respondentes da pesquisa afirmaram que o objetivo da visita ao museu é conhecer, aprender e refletir. Deste modo, observa-se uma demanda educacional por parte do público.

Além das plataformas digitais, o MON também utiliza sua arquitetura como estratégia, a qual foi desenvolvida para se destacar no cenário cultural latino-americano [ Moura, 2010 ]. Porém, o museu símbolo de Curitiba poderia ser vazio? A instituição foi projetada como estratégia de transformação cultural e econômica como o caso da construção do Museu Guggenheim em Bilbao [ Gravari-Barbas, Ávila-Gómez & Ruiz, 2018 ]. Nesta perspectiva, não é à toa que grande parte das publicações do MON são sobre seu espaço externo e 75,5% dos visitantes — investigados nesta pesquisa — já se fotografaram com sua fachada.

Embora o MON esteja investindo na comunicação estratégica e tenha sua arquitetura ao seu favor, apenas 34,6% dos visitantes investigados nesta pesquisa acompanham as redes sociais digitais do museu. Apesar disso, 27,3% dos participantes desta pesquisa acreditam que o perfil da instituição é informativo e explicativo. Porém, outros 22,7% e 22,7% consideram o perfil pouco visível e pouco interativo. É a partir da noção de públicos que as organizações devem pensar seus processos comunicativos. Conforme Dreyer [ 2017 ], as organizações necessitam conhecer seus públicos de modo a estabelecer um melhor relacionamento com os mesmos. Neste sentido, o Museu Oscar Niemeyer reconhece seu público de maneira limitada. No entanto, com base na entrevista com o Setor de Comunicação do museu, o MON tem criado estratégias para solucionar esta questão. De acordo com Morás [ 2019 ], existe um déficit muito grande nas pesquisas de perfil em museus, as instituições sabem que a pesquisa é importante, mas muitas vezes não a realizam. Esta falta de pesquisa de perfil impacta diretamente o modo como as instituições planejam sua comunicação. Em relação ao MON, este aspecto pode estar relacionado com o fato da maioria dos visitantes investigados nesta pesquisa não seguirem a referida instituição nas redes sociais digitais.

Como visto na netnografia realizada nesta pesquisa, a selfie tem sido uma forma de interação entre o público e o MON. Além disso, como já afirmado pelo Setor de Comunicação do museu, é visível que os visitantes são praticantes do fenômeno. Este aspecto pode estar relacionado com algumas motivações. Entre elas, a espetacularização da vida por meio da imagem [ Debord, 2000 ], o narcisismo próprio do ser humano e a necessidade de nos mostrarmos para o outro [ Chamorro-Premuzic, 2019 ], a nossa forma de nos expressarmos e comunicarmos [ dos Santos, 2016 ], o formato dos smartphones que com sua frontalidade e verticalidade valoriza a figura humana em detrimento do cenário [ Fragoso & Borges, 2018 ], o sonho e a possibilidade de se tornar famoso [ Paiva, 2018 ], a legitimação da memória do momento vivenciado [ Alves, 2017 ] e a emergência que temos de nos apropriarmos dos trabalhos artísticos expostos. Este último aspecto pode ser discutido por meio de um número tímido, mas que foi presente nesta pesquisa: 21,4% dos visitantes investigados que já foram repreendidos no Museu Oscar Niemeyer o foram por não manterem o distanciamento correto do trabalho exposto. Independentemente da motivação da selfie , o fenômeno sempre trará inúmeras possibilidades identitárias e a oportunidade de nos reinventarmos [ Henn, 2018 ].

A plataforma que os 196 visitantes que participaram da etapa 2 da presente pesquisa mais utilizam para publicar suas selfies e fotografias é o Instagram . Talvez porque a selfie e o Instagram estejam interligados e a plataforma seja composta — predominantemente — por imagens. Além disso, 87,2% dos participantes desta pesquisa afirmaram não se incomodar com filas para tirar selfies no museu. Embora se fotografar no ambiente expositivo esteja sendo algo recorrente, 33,3% preferem se fotografar com paisagens naturais, sendo apenas 5,1% que tem preferência por cenários artísticos. Neste sentido, será que as selfies nos espaços expositivos são uma oportunidade para realizarmos a manutenção de nossas identidades? [ Goffman, 2002 ]. Considerando que, para Polivanov [ 2014 ], a fotografia no ambiente digital é cuidadosamente pensada e fundamental para construção de nossas identidades.

Outro aspecto a ser notado é o fato dos participantes da pesquisa não se fotografarem com os objetos que preferem. Neste sentido, 19,4% dos visitantes acreditam ser mais interessante ver no museu a categoria quadros, mas a maioria (21,6%), prefere se fotografar com a categoria esculturas. Com base nesses dados, este fato poderia estar atrelado com a escultura chamar mais atenção do que um quadro, já que a escultura se estende no espaço com todo seu volume e texturas e, muitas vezes, com sua grandiosidade. Outra hipótese que pode ser levantada em relação às esculturas é a maior vivência que os públicos têm com este tipo de trabalho de arte, já que as esculturas também estão presentes em outros espaços, como parques e praças. Além disso, a escultura possibilita a utilização de diversos materiais, os quais poderiam atrair mais o olhar dos visitantes. Um exemplo deste aspecto, são as selfies feitas com o trabalho de Louise Bourgeois, Spider , 5 que esteve em exposição no Museu Oscar Niemeyer em 2019.

O fenômeno da selfie visto como apropriação dos elementos da vida cotidiana, entre eles o espaço expositivo [ Silva, 2018 ], é algo a se pensar. O que chama atenção é o modo como os visitantes têm interagido com a arte. Poucos visitantes (6,6%), daqueles investigados nesta pesquisa, escolheram a categoria objetos interativos como algo interessante de se ver no museu. Nesta perspectiva, a maioria dos respondentes escolheu como objeto a categoria quadros. Isto leva a pensar em dois fatores: (1) será que os visitantes realmente preferem interagir com quadros e esculturas ou (2) será que este é o único repertório destes visitantes? Neste sentido, é preciso pensar no que os museus, em seus processos curatoriais, têm mostrado ao seu público. Segundo [ Filho, 2013 ], o museu — ao longo de sua história — apresentou diferentes maneiras de expor seus acervos e exposições. Para o autor, as exposições e os catálogos dos museus de arte são narrativas ou ficções que variam na forma de apresentação. Desta maneira, ou eles expressam um pensamento tradicional dominante, ou buscam trazer visões inovadoras e complexas.

A selfie e a tecnologia, de modo geral, tem sido modos de interação, mas será que são suficientes para a experienciação da obra de arte e da visitação? [ Alexandre, 2017 ]. O museu ser feito de vitrine e cenário representa, em partes, um déficit educacional, mas também pode representar a descontextualização da obra de arte a partir da sua institucionalização, até porque ninguém está livre de realizar uma trash selfie 6 no museu.

A descontextualização do trabalho artístico faz com que o museu seja um ambiente propício para fotos, mas ao mesmo tempo, vazio para ser absorvido. Será, então, que tudo se resume à educação? O museu do século XXI necessita se comprometer com os aspectos da vida contemporânea e, sendo eles também o fenômeno da selfie e as plataformas digitais, é necessário que pensemos em formas de mediar os dois mundos que se interlaçam o tempo todo. Além disso, o museu deve não apenas assimilar novas técnicas e tecnologias, mas estruturar esta cultura de uma forma inovadora e estimulante [ Lara Filho, 2013 ].

Sobre a interação com trabalho artístico por meio do fenômeno da selfie , é inegável que ela ocorra — ainda mais quando consideramos a tecnologia como extensão do nosso corpo e não distinguimos o mundo real do virtual. Neste sentido, interagir com um objeto de arte no museu com o celular é interagir com a vida. Até porque, o que é a arte senão vida? [ Lima, 2009 ]. Desta forma, a imagem — hoje — é um mosaico interativo, o qual faz parte de um conjunto dinâmico de mídias conectadas [ Henn, 2018 ]. Ou seja, quando nos fotografamos nos espaços museológicos não interagimos “apenas” com o trabalho exposto, mas somos capazes de — a partir de uma selfie — gerar diálogos entre os usuários das redes que utilizamos. Além disso, a tecnologia tem sido aliada no processo de extensão e manutenção de nossas memórias. Neste sentido, guardar a memória é essencial para o remanejamento de nossas identidades [ Le Goff, 1990 ].

A selfie , como fenômeno do nosso cotidiano, está presente tanto na espetacularização e apropriação da vida quanto no processo de documentação, já que o fenômeno tem nos auxiliado a narrar situações diárias nas nossas redes sociais digitais. Neste sentido, a selfie — parte integrante da cultura contemporânea — invadiu a esfera do entretenimento e das subjetividades, sendo ato vital de autoafirmação. De acordo com Pastor [ 2017 ], a produção de imagens, mais do que nunca, tem sido uma prática cotidiana e isso é claro no contexto das redes sociais digitais. O que podemos inferir com base nos resultados desta pesquisa é que uma grande parte (38,2%) dos visitantes do MON aqui investigados afirmaram ter uma prática semanal de fotografia, sendo a categoria diariamente a menos frequente (14,6%). O que chama atenção é que 27,1% dos respondentes do survey afirmaram se fotografar somente em ocasiões especiais, o que leva a crer que parte das selfies e fotografias ainda pertencem ao cultivo da memória e que uma visita ao museu pode ser uma ocasião especial.

O contemporâneo trouxe a experiência cotidiana para o campo artístico, a obra de arte não se limita mais a ocupar um espaço no mundo, mas ela transcende ao fundar nele uma nova significação [ Gullar, 1959 ]. Para Lygia Clark, as proposições e os objetos relacionais foram essenciais para que o espectador se tornasse participante e coautor de um trabalho artístico. Clark acreditava que o instante do ato de uma proposição era vida, então será o instante de uma selfie vida? [ Brett, 2005 ].

Segundo Rosenthal [ 2011 ], Beuys acreditava que o público era transmissor e receptor das energias transmitidas em cada uma de suas obras. Neste sentido, a transmissão enérgica de uma obra de arte encontra-se em uma nova escala. Com a imagem conectada e com as plataformas digitais, a selfie divulga exposições, artistas e museus. A arte roda o mundo e é apropriada por ele, gerando debates e intertextos. Nós, como bons narcisos que somos, nos tornamos difusores. Se antes espectadores, se antes participantes e coautores — hoje além de tudo — somos difusores.

4.3 Os artistas entrevistados e as selfies

Não são só as instituições museológicas que estão pensando no fenômeno da selfie como uma estratégia de interação. Muitos artistas também têm pensado o fenômeno durante o processo criativo. Os artistas entrevistados para esta pesquisa afirmam que diversos profissionais e museus têm pensado diretamente no fenômeno da selfie para elaborar trabalhos artísticos e exposições (Figura 3 ).


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Figura 3 : Trecho retirado da entrevista com um artista.

Com base no exposto na Figura 3 , podemos pensar nas transformações que a fotografia ocasionou em nosso cotidiano. As maneiras como produzimos, armazenamos e divulgamos e até mesmo nos retratamos — como o caso do fenômeno da selfie — se transformaram [ Lins, 2015 ]. Estes aspectos condicionaram não só nossas identidades e subjetividades, mas também a produção de arte. Com isso, se a perspectiva renascentista condicionou e ainda condiciona nosso olhar a uma única concepção, a imagem conectada vem articulando inúmeras possibilidades interativas, formatando um novo grau de verdade [ Henn, 2018 ].

Por fim, mesmo com as inúmeras possibilidades interativas que a selfie proporciona, o que podemos concluir com as entrevistas realizadas com os artistas é que a selfie ainda é vista de forma negativa pelo meio acadêmico e artístico [ Silva, 2018 ]. No entanto, todos os artistas entrevistados nesta pesquisa afirmaram que não se incomodam ao se depararem com suas obras como pano de fundo de selfies . Para os artistas, isso significa apreço, mas será que também não podemos considerar isso como uma selfie do próprio artista? Será que essa selfie que o visitante tira com o trabalho artístico não é um modo do artista e seu trabalho se concretizarem e se difundirem no mundo?

5 Considerações finais

Com base no desenvolvimento e resultados obtidos nesta pesquisa, é possível afirmar que muitas instituições culturais têm utilizado o fenômeno da selfie como estratégia de comunicação de modo a se relacionar com seus públicos nas plataformas de redes sociais digitais. No caso específico desta pesquisa, nos propusemos a investigar o Museu Oscar Niemeyer. Foi por meio de uma netnografia em seu Instagram e a partir de uma entrevista com o Setor de Comunicação da instituição que podemos afirmar que o MON utiliza o fenômeno da selfie como estratégia de comunicação em suas redes sociais digitais. Neste sentido, o museu tem o costume de repostar fotografias de seus visitantes, incentivar hashtags e programações relacionadas a fotografia. Para o Setor de Comunicação do MON, a prática da selfie aproxima os visitantes da instituição, além de possibilitar a visitação de pessoas que não frequentariam o museu.

Em relação aos públicos da instituição, podemos inferir mediante a realização de um survey , que eles possuem uma prática fotográfica semanal, priorizando também o registro de ocasiões especiais. Além disso, a maioria dos visitantes investigados nesta pesquisa já se fotografou com algum objeto em exposição e, podemos afirmar a partir dos dados, que o objeto preferido a ser retratado são esculturas. Para fazer a publicação da foto realizada no espaço expositivo, o visitante utiliza como canal principal a rede social digital Instagram , de acordo com os resultados obtidos nesta pesquisa. No entanto, a maioria dos visitantes do MON investigados nesta pesquisa não segue o museu nas plataformas de redes sociais digitais. Para mais, é notável que os visitantes, ao longo da visitação, têm por objetivo conhecer, aprender e refletir. Neste sentido, os respondentes desta pesquisa enxergam o museu como uma instituição educacional, priorizando o aprendizado e a apreciação de trabalhos artísticos em detrimento do entretenimento, da busca por inspiração, da fotografia, do encontro com os amigos, do turismo, do trabalho e de frequentar eventos.

No que se refere aos artistas participantes desta pesquisa, os mesmos apontam o fenômeno da selfie como modo de interação. No entanto, para os artistas, o fenômeno precisa ser mediado de maneira cautelosa para que as visitas ao museu não se tornem quadro pelo quadro ou selfie pela selfie . Outra problemática que os artistas mencionaram é que o fenômeno tem condicionado trabalhos artísticos e exposições, ou seja, muitos artistas têm desenvolvido seus trabalhos pensando no fenômeno da selfie . Ademais, além do fenômeno ter um caráter interativo e estar condicionando nosso olhar, para os artistas, a selfie também tem um papel difusor, promovendo artistas, museus e, consequentemente, ideias.

Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa foram encontradas algumas intercorrências. Devido à pandemia de COVID-19 e o fechamento do Museu Oscar Niemeyer temporariamente, o survey destinado aos visitantes teve que ocorrer de maneira on-line. Esta situação gerou um déficit no alcance de respondentes, mesmo com a divulgação da pesquisa em diversas plataformas. Neste sentido, a amostragem de 196 participantes, não foi tão expressiva quanto se esperava. Além disso, as entrevistas com os artistas que se dispuseram a participar desta pesquisa também ocorreram de forma on-line, dificultando a comunicação devido a problemas de conexão de rede em alguns casos. Outro aspecto a ser destacado, é que nem todos os artistas se dispuseram a realizar a entrevista por chamada de vídeo e, neste caso específico, a entrevista ocorreu de forma escrita. De maneira geral, apesar das limitações mencionadas, os dados da presente pesquisa oportunizam possibilidades de reflexões sobre o fenômeno da selfie no Museu Oscar Niemeyer ao considerar um olhar sobre a instituição, os visitantes e os artistas expositores.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES).

Referências

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Autores

Luiza Moura Schnitzler é mestre em Comunicação (Formações Socioculturais) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e graduada em Licenciatura em Artes Visuais na UFPR.
E-mail: luizasch6@gmail.com .

Claudia Irene de Quadros é professora do PPGCOM - UFPR. Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Pompeu Fabra. Jornalista e relações públicas pela UFPR. Líder do COM XXI.
E-mail: clauquadros@gmail.com .

Notas

1 Espetáculo de origem norte-americana em que a participação ativa do público é fundamental para promover a criação artística.

2 Oscar Niemeyer (1907–2012) foi um arquiteto brasileiro reconhecido pelos seus inúmeros trabalhos arquitetônicos no Brasil e no mundo.

3 Informações institucionais da página oficial do Museu Oscar Niemeyer (MON): https://www.museuoscarniemeyer.org.br/institucional/sobre-mon , acesso em 22 de julho de 2022.

4 Parcão é como os visitantes e os moradores da cidade de Curitiba se referem popularmente ao gramado localizado aos fundos do Museu Oscar Niemeyer. O parque é frequentado por diversos públicos, mas é reconhecido pela grande visitação de cães, os quais podem circular e brincar livremente no gramado. Para saber mais, acesse: https://www.facebook.com/parcaodecuritiba/ .

5 O trabalho Spider de Louise Bourgeois pode ser descrito como uma grande escultura em forma de aranha que esteve em exposição do Museu Oscar Niemeyer em 2019 e rendeu várias selfies nas redes sociais digitais.

6 Trash selfies são selfies que possuem como pano de fundo acidentes, desastres, enterros e, até mesmo, assassinatos.