1 Introdução
Os museus e centros de ciência, parques e geoparques vêm ganhando atenção nos estudos sobre ensino de ciências, pois se apresentam como espaços educacionais de interação com o visitante de forma mais ampla do que o ambiente escolar. As relações de ensino-aprendizagem, contudo, não se dão entre professor e aluno, mas sim entre o público (visitante), o ambiente e os mediadores (monitores). Apesar de, em alguns aspectos, essas relações se aproximarem daquelas observadas no ambiente escolar, guardam especificidades que demandam reflexão.
O monitor ou mediador em geoparques e geossítios, ou museus/centros de ciência, tem grande relevância e deve ter seu potencial investigado pela academia indo além dos estereótipos. Pesquisas da área consideram os mediadores como “explainers-on” [Pavão e Leitão, 2007 ] evidenciando seu papel e importância [Gomes e Cazelli, 2016 ]. Ou seja, são peças-chave para o sucesso de qualquer ação museológica, uma vez que se aceita a interação entre pessoas como aquela que possui maior potencial educativo. Veja-se, por exemplo, uma edição muito recente desta mesma revista [SISSA Medialab, 2020 ]. A forma como o monitor aborda o público poderá determinar a experiência para o visitante [Aragão, 2013 ]: todas as formas de interatividade são subordinadas à interação com os mediadores, normalmente essenciais, para o envolvimento do público e para sua experiência.
A atuação dos monitores, sendo relacional e interativa com os visitantes, necessita de instrumentos para se articular com as dificuldades de sua função. A ampliação do potencial da mediação requer que a interatividade do monitor seja pautada por sua apropriação da mediação de forma autônoma, flexível, adequando-se aos ambientes, momentos e públicos, favorecendo a aquisição de conhecimento significativo [Macías-Nestor, Haynes e Torreblanca-Navarro, 2020 ]. Acreditamos na necessidade de compreensão da importância das relações e interações entre indivíduos — monitores-público e monitor-monitor, — para o processo formativo, assim como do espaço e ambiente propícios à reflexão sobre as práticas e ações desenvolvidas, a fim de aprimorá-las. Como afirmam Daza-Caicedo et al. [ 2020 , tradução nossa]:
(…) trabalhando na formação dos mediadores, superando com eles concepções essencialistas da ciência e difusionistas da comunicação, dando-lhes ferramentas para que o diálogo e o debate possam surgir e se qualificar em conteúdo e emoção e também dando-lhes condições para fazer bem o seu trabalho, bem como as condições para que a sua aprendizagem seja reconhecida. O que parece tão óbvio não é uma tarefa fácil para os museus latino-americanos que, muitas vezes, trabalham com recursos econômicos muito escassos que os impedem de manter equipamentos e dedicar tempo à formação, pesquisa, avaliação, reflexão, mas apesar dessas condições têm muito a contar e dialogar.
Por meio da metodologia do tipo pesquisa-ação, essa pesquisa 1 objetivou refletir sobre possibilidades de atuação dos mediadores do Parque Rocha Moutonnée (Brasil), a partir de ações por eles planejadas que visaram tornar a visita ao local mais atrativa para o público e, nesse processo, investigar como suas ações influenciavam os contextos em que estavam inseridas e, por sua vez, eram por eles influenciadas. O trabalho foi construído de forma colaborativa entre pesquisadora, gestores e mediadores.
1.1 Objetivos e questão norteadora
O objetivo desse estudo é identificar quais fatores influenciaram positiva e negativamente a ação dos mediadores em seu processo de formação continuada.
Por se tratar de uma pesquisa-ação, os objetivos foram formulados em etapas, envolvendo a participação dos monitores sempre que possível, em consonância com a metodologia da pesquisa-ação. Primeiramente, elaborou-se uma questão-base norteadora, ressignificada já no início do projeto em conjunto com os atores da pesquisa, assim resumida: “De que modo, através da atuação dos mediadores, a exposição do Parque Rocha Moutonnée pode se tornar mais significativa para os visitantes?” Após a apresentação desta questão aos participantes, a posteriori ganhou relevância a valorização da Rocha como ponto-chave e, em conjunto com eles, a questão norteadora tornou-se: “De que modo, através da atuação dos mediadores e de medidas por eles planejadas, os visitantes do Parque Rocha Moutonnée podem se aproximar da rocha e compreender sua importância científica e social para a cidade, assim como para o planeta?” Em um terceiro momento fez-se necessário revisitar os objetivos da pesquisa, agora como “observadora externa” e pesquisadora que pretende analisar os resultados obtidos.
2 Revisão bibliográfica
De início, vale destacar que, apesar do amplo levantamento que se realizou, não foi possível encontrar pesquisas análogas ao projeto. Isso porque não são comuns pesquisas do tipo pesquisa-ação com monitores de espaços de educação não-formal.
As características do Parque Rocha Moutonnée permitem aproximá-lo dos geoparques: por definição, um território delimitado com ‘geossítios’ — sítios geológicos de particular importância, raridade ou beleza, — que funcionam como núcleos de atração para atividades turísticas e afins, sendo o conjunto todo regido por um projeto de desenvolvimento econômico e social sustentável [Brilha, 2009 ]. Por outro lado, certas características fazem com que o Parque Rocha Moutonnée destes se distancie, requerendo-se outras referências para dar conta do objeto de estudo. Pode-se aproximar o Parque Rocha Moutonnée da definição que Luciana Koptcke dá aos museus de ciência, considerando-os como intermediários entre ciência e sociedade. Especialmente em países com sistemas educacionais problemáticos, como o Brasil, tais instituições complementariam vivências dos alunos e atualizariam os docentes [Koptcke, 2003 ]. É também possível associar Martha Marandino [ 2008 ], preocupada em destacar, dentre as funções de espaços de educação não-formal, a divulgação da ciência e seu papel social. Ainda, não se pode ignorar o trabalho pioneiro de Margaret Lopes [ 1988 ], preocupado com a educação não-formal em museus com foco na Geologia e sua função social.
Portanto, dois atores são essenciais para se pensar as dinâmicas e relações nesses espaços: o público e os mediadores. Quanto ao público, não é recente sua importância para instituições como centros e museus de ciência. Atualmente, essa importância para instituições de educação não-formal só tem crescido, pois seus objetivos também se modificaram e são elaborados pensando diretamente no público, adequando-se às suas expectativas e necessidades.
Ao mesmo tempo, os museus de ciência têm forte relação com seus acervos e mediação, seja através de textos e displays ou com guias e monitores. Até recentemente, os guias eram vistos como transmissores de esquemas previamente pensados, cujas funções se resumiam a fornecer explicações aos visitantes sobre o que poderia ser observado na instituição [Sánchez-Mora, 2007 ]. Contudo, esse autor elenca mudanças e defende que a mediação em espaços como museus de ciências deve considerar variadas facetas do desenvolvimento intelectual dos visitantes, não mais abordando a ciência como um corpo estático de conhecimento, mas propiciando atividades de construção de conhecimento entre guia e visitante. Assim, o monitor torna-se figura-chave nas instituições de educação não-formal, relevância constatada pela preocupação com esse profissional na produção científica atual [Carlétti e Massarani, 2015 ]. Conferir destaque e importância ao mediador é admitir que “ o monitor é o elemento interativo por excelência e natureza ” [Pavão e Leitão, 2007 , p. 41] e, portanto, poderá fazer toda a diferença numa exposição.
É notório que o parque investigado possui potencial educativo e, mesmo numa visão mais abrangente do local como espaço de lazer, pode-se identificar possibilidades de realização de práticas educativas. Embora entendamos o Parque Rocha Moutonnée com grande potencial educacional, sobretudo para o Ensino de Ciências e Geociências, isso não o torna um lugar com a finalidade principal de ensinar ciências, haja vista se tratar de ambiente de educação não-formal. Ou seja, não se defende que o parque seja caracterizado como um local de aprendizagem de conteúdos escolarizados, mas acredita-se que seu potencial educacional deva ser aproveitado, atuando como um “laboratório de motivação” para despertar o interesse pelas ciências. Assim, nossa pesquisa insere-se na intersecção da educação não-formal, geoparques e ensino de ciências/geociências, cujas relações são ilustradas na Figura 2:
3 Metodologia
3.1 Campo de pesquisa e participantes
O trabalho foi desenvolvido no Parque Rocha Moutonnée, Salto-SP, Brasil, abrangendo uma área de 43.338m. Sua atração principal é o afloramento Rocha Moutonnée, mas o parque também compreende área de vegetação nativa, vista para o rio Tietê e para construções históricas da cidade de Salto. A Rocha Moutonnée de Salto foi identificada, em 1946, por Marger Gutmans [Rocha-Campos, 2000 ], possuindo importante registro da direção e do sentido de deslizamento de geleira neopaleozóica [Almeida, 1948 ].
Quando da identificação da rocha como um exemplar do tipo Moutonnée, parte dela já havia sido retirada, durante décadas, para comercialização. Consequentemente, tomaram-se medidas para sua proteção e conservação, como: tombamento da área do monumento geológico em 1990 pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo); desapropriação das áreas tombada e periférica; instalação e inauguração do Parque, na área desapropriada, pela prefeitura.
Apesar do parque ter sua história e importância vinculadas à Rocha Moutonnée, atualmente também é conhecido como “Parque dos Dinossauros”. Isso porque uma gestão da prefeitura (2009–2012) adquiriu exemplares de dinossauros-robôs, que foram colocados no parque, de modo aleatório, entre a vegetação nativa. Estes dinossauros são peças grandes, não em tamanho real, com movimentos e sons para parecerem mais realistas, apesar da aparência grotesca do ponto de vista científico. A escolha dos dinossauros, assim como sua instalação, ocorreu sem qualquer proposta pedagógica prévia ou estudo de impacto no ambiente, fato que está intimamente ligado a vários problemas que o parque enfrenta.
Por ser uma instituição vinculada à prefeitura, os monitores que aí atuam são servidores públicos. Foram contratados mediante concurso e, portanto, possuem a estabilidade de funcionários públicos municipais. Os concursos, demandando formação de nível médio, foram abertos para a função de guia turístico, na qual os profissionais atuariam, em esquema de rodízio, em todos os pontos turísticos da cidade sob responsabilidade da secretaria de turismo. 2 Quando da realização da pesquisa, o parque contava com 08 (oito) monitores ativos concursados, provenientes de concursos diferentes. Todos receberam treinamento prévio, assim como recebem formação continuada, mais frequente ou mais espaçada conforme as possibilidades da prefeitura, visando à aquisição e manutenção de conhecimentos técnicos atualizados sobre os pontos turísticos em que atuam. Especificamente quanto ao parque, os monitores receberam diversos treinamentos, incluindo palestras de especialistas e visitas técnicas, a fim de conhecer, entender e saber explicar a Rocha Moutonnée e seu contexto.
O grupo de monitores possui características muito diversas, sem qualquer homogeneidade. São 03 homens e 05 mulheres, à época com idades entre 26 e 55 anos. Apesar do concurso exigir nível médio ou técnico, a maioria tinha nível superior (em formação ou completo), nas seguintes áreas: biologia, história, turismo e psicologia. Ficou claro, com o andamento da pesquisa, que essas características — inclusive o local de nascimento e residência, já que no grupo há saltenses (naturais e residentes), bem como pessoas vindas de outras regiões ou residentes em cidades próximas, — influenciam o trabalho como monitores do parque, trazendo para cada guia especificidades de atuação.
4 Pesquisa-ação
Utilizamos a metodologia do tipo pesquisa-ação, cujo surgimento se deu em contexto muito diverso das questões educacionais. Bastante comum em pesquisas de educação formal, tal metodologia é menos presente na educação não-formal. Admite-se que a pesquisa-ação foi proposta e utilizada, pela primeira vez, por Kurt Lewin em 1946 [Lewin, 1946 ; Franco, 2005 ; Tripp, 2005 ]. Nossa opção por essa metodologia decorreu tanto da oportunidade encontrada junto à prefeitura de Salto, que deu abertura para atuarmos de forma ativa em iniciativas de educação não-formal, quanto por acreditarmos em seu potencial como ação que busca a reconstrução do objeto de estudo.
Devido às variações de usos e interpretações da metodologia pesquisa-ação, é necessário explicitar nosso entendimento. Assumimos que pesquisa-ação é uma forma de investigação participativa que almeja uma mudança prática, uma transformação, de modo que a “ação” tem igual relevância à “pesquisa”, e ambas devem caminhar conjuntamente e em pleno diálogo. Tomamos por base metodológica a teoria original de Lewin [ 1946 ] somada à sua posterior diferenciação, denominada pesquisa-ação crítica [Kincheloe, 1995 ]. Segundo Lewin [ 1946 ], a “ gestão social racional prossegu [e] com uma espiral de passos, cada um dos quais composto por um círculo de planejamento, ação e averiguação do resultado da ação ” (tradução nossa). Seguimos as três etapas em espiral sugeridas por Lewin [ 1946 ], a saber: 1) Planejamento e reconhecimento da situação; 2) Tomada de decisão; 3) Identificação de fatos ligados aos resultados das ações (a serem incorporados como fatos novos na fase seguinte de planejamento). Esse processo, desde a primeira fase até seu retorno, deve ser feito em conjunto com os participantes, como reforça Barbier [ 2007 , p. 59]: “A pesquisa-ação torna-se a ciência da práxis exercida pelos técnicos no âmago de seu local de investimento. O objeto da pesquisa é a elaboração da dialética da ação num processo pessoal e único de reconstrução racional pelo ator social.” Assim, seria impensável realizar as fases de nossa pesquisa independentemente de seus atores — os monitores do parque. Atores esses que devem, consoante a metodologia, assumir a direção de seus papeis no processo, propondo e experimentando ações que tornem suas práticas emancipatórias 3 e transformadoras, a fim de produzirem, apropriarem-se e utilizarem o conhecimento.
5 Instrumentos de coleta de dados
Em uma pesquisa-ação crítica é difícil definir a priori objetivos de pesquisa bem delimitados, porque tais objetivos devem ser traçados de forma democrática e participativa com o grupo — no caso, mediadores e gestores do Parque Rocha Moutonnée. Ações hierarquizadas, com predefinições do objeto de pesquisa por parte do pesquisador, seriam autoritárias e excluiriam o caráter crítico que se buscava. Segundo Franco [ 2005 ], ideias simplistas de pesquisa-ação, incluindo apenas práticas determinadas pelo pesquisador, com finalidade predefinida e sem preocupação com os demais atores envolvidos, surgem de interpretação errônea das ideias de Lewin e têm povoado a área educacional, lugar-comum do qual procuramos fugir. Não apenas pela prática de uma metodologia crítica ouviram-se todos os envolvidos e com eles se definiram os objetivos da pesquisa, mas também para garantir o sucesso da ação, pois é imprescindível que os agentes estejam plenamente inteirados e concordantes com as propostas de transformações em suas práticas.
Essa metodologia implica escolher instrumentos de registro que melhor se encaixem na proposta. No caso, a partir das reuniões entre pesquisadora e monitores surgiu a opção pelo uso do diário de bordo, e entrevistas posteriores. O diário de bordo, que também pode ser um diário de campo, é um instrumento conhecido para registrar diferentes experiências e vivências do pesquisador. Essa forma de registro é importante para o tipo de trabalho desenvolvido, pois deve ser escrito e conter as reflexões não apenas do pesquisador, mas também, e sobretudo, dos participantes diretamente envolvidos. É necessário registrar, além de observações, interpretações ou conclusões individuais, também resultados das discussões ocorridas [Falkembach, 1987 ]. Nosso diário de bordo constituiu instrumento de anotações que possibilitaram definir/redefinir constantemente os rumos da pesquisa e analisar seus resultados, seguindo a espiral metodológica. Esperava-se que servisse, em seu sentido mais amplo de repositório, de instrumento efetivo para a realização da pesquisa-ação de modo cíclico, contendo dados sobre as reuniões, visitas, problemas e soluções observadas pelos mediadores e pesquisadora.
Na prática do projeto, entretanto, nosso diário de bordo mostrou-se insuficiente, o que deu espaço também para entrevistas, maneira clássica e eficaz de se obter respostas e ter acesso às reflexões dos mediadores. Apesar de, quando comparadas ao diário de bordo, as entrevistas servirem como relato apenas do que foi percebido e lembrado como mais relevante e não das reflexões pontuais e momentâneas, sua contribuição para a pesquisa foi significativa. Esses dois instrumentos foram utilizados em conjunto na análise dos dados, possibilitando sua validação e aprofundamento. De um lado, o diário de bordo contou com relatos de observação da pesquisadora, imagens recolhidas durante a pesquisa em diferentes momentos e reflexões pontuais produzidas pelos monitores do parque. De outro, as entrevistas trouxeram mais detalhes a posteriori , permitindo a conexão com, e entre, os dados relatados no diário. A utilização de outros instrumentos de coleta de dados para melhor triangulação e análise, como filmagem das monitorias, entrevistas regulares incluindo a equipe de gestão, e questionários com o público, não foram possíveis, devido à atribulação e burocracia geradas pelas eleições municipais e à mudança de gestão da prefeitura que delas resultou. Esses fatos foram relatados no diário de campo e contribuíram para os resultados aqui descritos.
Devemos ressaltar a importância que as reuniões em grupo tiveram na construção e desenvolvimento do projeto. No início, o desenvolvimento das reuniões era embasado exclusivamente pela pesquisa-ação. A fim de alavancar a troca de conhecimentos e experiências, de início um tanto tímida, pareceu-nos mais produtivo trabalhar em duplas ou grupos. Pensar as ações de forma conjunta, discuti-las e avaliá-las dessa forma mostrou-se muito efetivo para propiciar reflexões, tanto conjuntas quanto individuais. Contudo, a pesquisa-ação é uma metodologia de caráter abrangente que não se preocupa com fatores pontuais e relacionais em escala de detalhe. Considerando que no trabalho de monitoria há toda uma cultura e história específicas do local onde se atua, criada pelos próprios monitores e profissionais que por anos ali trabalham, decidimos considerar as relações sociais entre os monitores e os visitantes como referencial para balizar a condução das reuniões. Para tanto, recorremos complementarmente à perspectiva teórica de Lev Vygotski — dada a relevância atribuída à linguagem e às interações na construção dos saberes. No entanto, por questões de espaço, essa perspectiva não será explorada aqui.
6 Resultados: reuniões e ações desenvolvidas
Tratando-se de uma pesquisa-ação que, como dissemos, é uma forma de investigação participativa que almeja mudanças práticas, nossos resultados são constituídos pelas ações desenvolvidas junto aos, e pelos, monitores. Estes trabalham em sistema de escalas todos os dias da semana, sendo que os pontos turísticos em que atuam, como o parque, funcionam de terça a domingo. Às segundas-feiras os monitores escalados participam das reuniões com gestores e de processos de formação continuada. Esse tempo também é empregado, muitas vezes, para suprir demandas dos pontos turísticos quanto à manutenção. O desenvolvimento da pesquisa contou com a colaboração da prefeitura, a qual, mediante calendário previamente combinado, cedeu períodos das reuniões semanais. No total, realizamos 17 reuniões, mensais ou, quando possível, quinzenais, com a presença dos monitores conforme a escala. Em duas situações somente houve a presença de todos, pois nos demais encontros havia folga de alguns. A dinâmica dos encontros variou. No princípio, houve mais espaço para os monitores participarem e falarem, possibilitando estabelecer uma relação de confiança e entendimento entre as partes, o que não ocorreu de imediato, apesar da abertura do grupo para participar.
Foram muitas reuniões e não faria sentido descrevê-las individualmente. Houve situações mais proveitosas e outras em que não obtivemos muitos avanços, períodos de maior e menor motivação. As reuniões transcorreram basicamente em dois formatos: 1) apresentação de textos, ideias da pesquisadora e discussão com os monitores sobre o tema, de modo que aproximassem as teorias apresentadas de suas experiências no parque; 2) no formato de roda de discussão, quando os monitores elencavam problemas, dificuldades, ideias para ações no parque, avaliação das mesmas e replanejamento quando necessário. É importante pontuar que a pesquisadora não buscou avaliar de forma externa o andamento das ações, uma vez que isso não se coaduna com a perspectiva metodológica adotada.
Os registros do diário de bordo, tais como pautas das reuniões, anotações dos temas discutidos e dos materiais produzidos nesses momentos evidenciam que havia participação ativa da pesquisadora no planejamento e, quando necessário, envolvimento na execução das ações. Em trecho no diário de bordo há o comentário de um monitor: “Com a conversa que foi se desenvolvendo chegamos [monitores e pesquisadora] à conclusão de uma otimização do auditório do parque e seu vídeo juntamente com a monitoria” [Aragão, 2015–2018 , p. 80]. Sobre um dos eventos realizados, a pesquisadora comenta em registro: “Fiquei ajudando em uma das bases, não vi tudo, mas tive a percepção das crianças (…)” [Aragão, 2015–2018 , p. 31]. Entretanto, as avaliações foram sempre, prioritariamente, feitas pelos próprios monitores, participantes ativos, que eram convidados a refletir sobre os sucessos e dificuldades das ações em andamento. Essa postura, adotada durante o processo, aparece expressa nas entrevistas e no diário de bordo, como nesse trecho de registro do Monitor 9: “Quanto a sessão de vídeo, a procura é pouca, mas as que eu fiz foram muito positivas, e os turistas elogiaram muito.” [Aragão, 2015–2018 , p. 77]. Isso foi essencial para o estabelecimento de elos de confiança sem o peso do julgamento de uma pessoa externa à instituição, o que, caso ocorresse, afastaria o grupo e diminuiria sua participação e empenho.
A seguir descrevemos as ações planejadas, realizadas e avaliadas pelos monitores participantes. Muitos assuntos foram abordados e discutidos nas reuniões e, provavelmente, influenciaram suas práticas. Contudo, são as ações, detalhadamente planejadas e executadas, que constituem o corpus mais significativo. Algumas ações foram pontuais e outras contínuas, ou seja, algumas foram eventos com período de ocorrência pré-definido, enquanto outras são permanentes, reavaliadas e replanejadas se necessário.
Ação 1: identificação das rotas para circulação no parque. O Parque da Rocha Moutonnée recebe muitas visitas escolares, guiadas, mas recebe ainda mais visitantes espontâneos, especialmente nos finais de semana. São famílias com crianças, atraídas em sua maioria pela possibilidade de ver as réplicas de dinossauros que se pretendem realistas. Os visitantes podem seguir uma rota que leva diretamente aos dinossauros, sem necessidade de passar pela Rocha Moutonnée, que é afinal a razão de existir do parque. Segundo depoimento dos monitores em reunião, essa rota era aquela utilizada preferencialmente, o que consideravam um dos grandes problemas para a visibilidade da Rocha Moutonnée, já que muitos sequer a visitavam, conforme o diário de bordo: “Relato de observação 08/10_Fim de semana de eleição; _ Concentração de visitantes nos dinossauros; _ Maioria dos turistas não passa pela rocha” [Aragão, 2015–2018 , p. 7]; “Ata da reunião 15/8: […] em passeio pelo parque os Monitores 1 e 7 indicam que o caminho mais utilizado pelos visitantes é o que não passa pela rocha, indo diretamente aos dinossauros” [Aragão, 2015–2018 , p. 3]. Uma das soluções apontadas por eles seria forçar os turistas a percorrerem o mesmo caminho das visitas guiadas valendo-se da identificação da rota. Assim, os visitantes passariam pela face da rocha, onde é possível ver suas importantes marcas glaciais e os painéis explicativos, para então seguir até os dinossauros e outras trilhas.
Após implementação dessa ação, os mediadores avaliaram-na como positiva, conforme registros no diário de bordo, pois, apesar de não ser uma rota obrigatória, a maioria dos visitantes, novos ou habituais, optou seguir as orientações e passou pela rocha. Isso despertou interesse de alguns visitantes, observando as marcas, lendo os painéis e consultando os monitores. O único ponto de replanejamento dessa ação foi a colocação de sinalização, de forma gradual até atingir os objetivos, e sua complementação com outras ações, como a que será descrita a seguir. Houve discussões posteriores entre monitores e gestores quanto à instalação de placas e rotas em outros locais do parque, por fim não instaladas por falta de consenso. As discussões com os gestores, porém, indicam ganho de confiança e autonomia dos monitores (ou de parte deles), que atribuímos à metodologia utilizada: “Reflexões pós reunião 27/04 […] agora tem escrito nas setas indicativas de caminho ‘saída’; foi uma iniciativa própria deles [monitores]; questionados informalmente mencionaram que alguns chegaram até a sugerir colocar outras placas de indicativo de rota, mas a sugestão não foi acolhida pelos gestores apesar de ter sido discutida algumas vezes. Demonstraram [monitores] descontentamento com o descaso com suas ideias por parte dos gestores” [Aragão, 2015–2018 , p. 32].
Ação 2: caça ao tesouro. A ação aqui descrita possui características muito específicas. Tratou-se de evento inteiramente idealizado e promovido pelos monitores, também com o objetivo principal de destacar outros aspectos do parque além dos dinossauros. O potencial educativo do parque foi então muito explorado, e propiciou um tipo de lazer diferenciado para as famílias. Porém, foi evento de perfil pontual, não permanente. A ação “Domingo no Parque — Caça ao Tesouro” previa um evento de férias que fosse significativo para a comunidade e abarcasse o objetivo principal destacar Rocha Moutonnée. Os encontros preparatórios levaram à criação de uma sequência de atividades para envolver crianças e adultos numa investigação das diversas trilhas do parque, explorando fatos interessantes da rocha. O público-alvo do evento (gratuito) eram os moradores que no período de férias estariam na cidade. Essas foram as bases para a concepção da ação, além da premissa de que os espaços de educação não-formal podem também ensinar, mas são, antes de tudo, espaços de lazer, que, para se tornarem significativos para os visitantes, devem propiciar interações em três níveis: hands-on , minds-on e hearts-on [Wagensberg, 2001 ].
Como prevê toda pesquisa-ação, após a ocorrência da ação deve haver um momento de avaliação e reflexão, para definir os próximos passos da pesquisa. No caso da ação “Domingo no Parque” (nome conferido pela prefeitura), realizamos breve reunião logo após o evento e outra, algum tempo depois. Em ambos os momentos, discutiram-se pontos relativos ao planejamento e execução do projeto, a partir da percepção dos monitores quanto ao aproveitamento para si mesmos e para os participantes/visitantes. Os principais pontos negativos relatados foram a falta de comunicação entre a equipe para a execução da atividade, pois nem todos participaram de todas as reuniões e a comunicação por e-mail foi pouco efetiva. Muitos desses problemas haviam sido levantados pelos monitores nas reuniões de planejamento, contudo não foi possível evitá-los, em decorrência do sistema de organização da prefeitura. Os pontos negativos, entretanto, não suplantaram os positivos no que se refere à experiência dos visitantes e participantes. A equipe organizadora, em especial os monitores, notou e sofreu com os problemas, mas isso pouco impactou as crianças e demais visitantes do parque, que, segundo a percepção dos monitores, saíram bastante satisfeitos “Monitor 4: A elaboração de um ‘caça ao tesouro’ com pistas, personagens e premiação possibilitou uma melhor aproximação de turistas e moradores em nosso Parque ” [Aragão, 2015–2018 , p. 82]. Ainda segundo seus relatos, o principal ponto positivo, apesar das falhas de execução, foi a própria iniciativa de realização do evento, totalmente deles: “Relato do Monitor 9: ‘Caça ao Tesouro: foram feitas algumas reuniões para planejar o caça, e houve um fechamento das ações feita por nós, como todo evento sempre tem coisas positivas e negativas, eu não participei no dia [no evento] e considero que foi como sempre um sucesso, pois era algo que nós pensamos. Gosto muito dessas atividades e a população também” [Aragão, 2015–2018 , p. 77].
Outras ações também foram realizadas, não discutidas aqui por questão de espaço:
Ação 3: exposição monitorando a natureza. Exposição de fotografias autorais dos monitores;
Ação 4: discurso e mediação. Reflexões sobre os próprios discursos durante a mediação;
Ação 5: panfleto. Material idealizado e produzido pelos monitores para distribuição ao público.
7 Discussão
Entrevistamos a maioria dos monitores para saber quais suas percepções sobre a pesquisa, as ações e suas relações com o trabalho de monitoria. As entrevistas foram pensadas para complementar as observações registradas no diário de bordo, dando mais voz e espaço para a reflexão dos monitores. Isso se fez essencial já que os monitores tiveram dificuldade em manter um registro sistemático de diários de bordo, e era fundamental um segundo aporte para complementar as análises. Embora os monitores tenham tido uma ação muito efetiva na realização das ações, as conclusões aqui apresentadas resultam das análises e interpretações a posteriori da pesquisadora. Uma vez descritas as ações, apresentaremos uma seleção das principais respostas das entrevistas que possibilitaram chegar às conclusões e reflexões apresentadas a seguir.
Percepção quanto ao próprio trabalho. A primeira questão pediu que contassem mais sobre o trabalho no parque, destacando o que julgassem relevante. Os monitores descreveram as ações diárias para execução de suas funções. Destaca-se o atendimento ao público, nos finais de semana ou durante a semana (público escolar), quando, em ambos os casos, é exibido o vídeo institucional sobre o parque. Além disso, os monitores são responsáveis por passar informações aos visitantes, não apenas sobre o parque, mas sobre a cidade e região. Tais aspectos são considerados de influência positiva por eles, já que estão no cerne de sua função [Monitores, 2015–2016 ]:
Monitor 5: “Nosso trabalho aqui é receptivo, atendimento a grupos escolares e também nos finais de semana a visitação de turistas, de famílias e afins.”
Monitor 4: “A gente tem que monitorá-los, recepcioná-los e estar sempre à disposição de passar a informação que eles têm finalidade.”
Monitor 2: “Passamos por altos perrengues, algumas escolas são fáceis de trabalhar, já outras são mais difíceis.”
Na sequência, perguntamos qual a percepção sobre o funcionamento do parque e eles elencaram diversas questões, na maioria problemáticas, destacando-se a manutenção, mormente dos dinossauros, que aparecem nas falas dos monitores como um problema em diversos âmbitos: atraem número excessivo de turistas, para o qual o espaço não estava preparado, gerando outros problemas, como sujeira nos banheiros (o fluxo de visitantes é muito grande em alguns momentos), até impacto ambiental, dado o grande número de pessoas que caminham nas trilhas, falta de estacionamento e organização para atender à demanda nos finais de semana. Enfim, questões relacionadas a um mau planejamento do desenvolvimento turístico do parque, que os afeta negativamente. Soma-se ainda a insatisfação quanto ao descaso com a rocha, que perdeu destaque e visibilidade com a chegada dos dinossauros [Monitores, 2015–2016 ]:
Monitor 1: “E as reclamações, se você for olhar o que o público justifica, é a manutenção dos dinossauros.”
Monitor 2: “Esse parque aqui ele já foi…maravilhoso, porque ele era natural, não tínhamos réplicas de dinossauros.”
Monitor 3: “Bom, é, tá um pouquinho precária atualmente, a parte até de manutenção, né, a gente começa aqui pela entrada, eu acho que o estacionamento não comporta a demanda de final de semana e feriado.”
Outros pontos mencionados como positivos, quanto à organização e funcionamento do parque, relacionam-se ao horário de funcionamento [Monitores, 2015–2016 ].
Percepção quanto à formação continuada e ao envolvimento em nossa pesquisa. Outra questão da entrevista referiu-se aos cursos, treinamentos e capacitações que recebem e como os percebem. A maioria dos monitores relatou as capacitações que recebeu quando passou no concurso público para o cargo, muito variáveis entre os processos seletivos. No que se refere à capacitação continuada, há clara influência das mudanças de governo na prefeitura da cidade.
A entrevista tratou ainda das ações desenvolvidas no projeto de pesquisa-ação, sendo solicitado que comentassem como as perceberam. Ficou claro que, no início, desconfiaram, mas, ao longo do transcorrer do trabalho, compreenderam do que se tratava e julgaram que propiciou melhorias em suas atividades. Como pontos negativos, mencionaram apenas a falta de desenvolvimento de algumas ações sugeridas [Monitores, 2015–2016 ]:
Monitor 4: “Eu acredito que o seu trabalho veio trazer um questionamento, trazer algumas reflexões, sabe, até tirar um pouco da curiosidade, de pesquisar, de ver outras coisas, eu acredito que tenha melhorado nosso trabalho e a gente até questionar algumas coisas.”
Monitor 2: “Negativamente, ainda informação; alguns acabaram, assim, não tem aqui aquela discussão que fala “nossa, que legal vamos fazer alguma coisa nova”. O novo pra alguns acabou sendo assustador. Mas no final acabou sendo tudo positivamente, o pessoal acabou se adaptando (…).”
Monitor 1: “Mas enfim, de modo geral foi bastante positivo e tem acrescentado. Foi preciso colocar algumas coisas de forma imposta, outras não. Às vezes, pra eles entenderem melhor. As reuniões passaram a ser mais participativas da parte deles, entre eles. É importante eles verem que era pra eles, que também fosse deles algumas questões. E algumas deram certo.”
Nos registros do diário de bordo, alguns pontos do andamento da pesquisa mostraram-se bastante claros e, inclusive, apareceram durante as entrevistas. No diário de bordo já se identificava alguma tensão entre gestores e monitores, por questões administrativas profissionais, e a pesquisadora foi vista como uma imposição da gestão. Sentimentos, como insegurança de ser avaliado e julgado pela pesquisa, ficaram evidentes já no primeiro contato com o grupo, que reagiu com desconfiança e teve dificuldade em compreender a dinâmica do projeto, mudando o comportamento depois. As ações, sempre propostas com muito entusiasmo pelo grupo e bem conduzidas nos primeiros momentos, acabaram perdendo força com o passar do tempo. A falta de contato entre pesquisadora e monitores em alguns momentos, dificultado por questões burocráticas e a ocupação dos monitores com outras funções e afazeres, tornaram a implementação mais complexa do que esperado. Apesar do apoio oficial da prefeitura, suas práticas de gestão afetaram negativamente o desenrolar do projeto. É perceptível também, nas falas acima, uma tensão interna ao grupo, com monitores se referindo a colegas como “eles” — ou seja, demarcando grupos internos, dos quais procuravam se diferenciar.
Um outro ponto relevante demonstrado pelos registros é o caráter cíclico da pesquisa-ação, com altos e baixos, entusiasmos e frustrações, que conduziram a reflexões cada vez mais elaboradas por parte do grupo. Consequentemente, quando olhamos com distanciamento para os registros, notamos que houve muitos ganhos e que as ações desenvolvidas tiveram bom alcance, extrapolando os objetivos educativos e científicos e adentraram outras questões, como a autonomia e motivação profissionais: “Reflexões pós reunião26/10: […], escolheram [monitores] as fotos sozinhos (sem a gestão) em reunião que eu [pesquisadora] não estava, boa organização, […], animados e prestigiados com o evento.” [Aragão, 2015–2018 , p. 52].
A partir das observações e registros da pesquisadora, das reflexões e ações dos monitores, e das conclusões e comentários nas entrevistas, trazemos alguns pontos que consideramos generalizáveis quanto à atuação de monitores em locais de interesse na natureza, como é o caso do Parque Rocha Moutonnée. Um primeiro ponto é que a interação humana, intensificada pelas ações planejadas e propostas durante esta pesquisa-ação, é essencial tanto para maior vitalidade desses espaços quanto para formação dos monitores no exercício de suas funções. Esse ponto se coaduna com outros trabalhos que admitem a possibilidade desses espaços funcionarem sem mediação, mas também destacam as possibilidades transformadoras dessa mediação [Macías-Nestor, Haynes e Torreblanca-Navarro, 2020 ].
Entretanto, nosso trabalho pretendeu focar nos monitores, sua atuação e formação nessa ação. Concordando com Uriarte e Zdradek [ 2021 ], a atuação de mediadores em espaços não-formais requer interação, diálogo e troca e, assim, é preciso ampliar suas competências teóricas, mas também as relacionais, a fim de desenvolver relações de afeto e atitudes no campo educacional e da mediação. Portanto, um segundo ponto é que ações que favorecem o protagonismo e a criatividade dos monitores tendem a apresentar resultados mais significativos, pois há maior comprometimento. Isso foi percebido nas análises das ações, feitas pelos monitores e pela pesquisadora em reuniões posteriores, além das entrevistas. Um exemplo é a fala a seguir:
Monitor 1: “Eu fui contra no início, e daí no desenrolar das coisas eu vi que foram várias ações interessantes, que por menor que tivesse sido a mudança naquela ou na outra, no conjunto foram ações que fizeram diferença.”
Notou-se também que as relações interpessoais e de trabalho entre pares e gestores têm grande impacto em suas práticas diárias. Em suas falas, muitos problemas que vivenciam surgem atrelados a questões estruturais, como oscilações nas administrações municipais, intervenções administrativas e espaciais sem interlocução com os monitores, precariedade da carreira, dentre outras. Os monitores identificaram, porém, que as mudanças que partem deles como grupo podem ser significativas, ainda que pequenas:
Monitor 2: “Positivamente mudou, mudou bastante. Nós tínhamos, por exemplo, um inicial, que foi a plaquinha na escada, a plaquinha na escada foi fenomenal, indicando pro pessoal ir pra rocha ao invés de descer a escada e ir direto pros dinossauros, validou mais.”
Nossa análise reconhece a importância das reuniões em grupo, que facilitaram a participação e as trocas entre os mais e os menos experientes, aprendendo, na prática, o que é ser monitor. Primeiro, porque a profissão de monitor não exige formação específica. Segundo, porque está exposta a imprevistos, que não podem ser transmitidos com teorias e técnicas, mas sim com vivências construídas cultural e historicamente (saber tácito), pois realizar monitoria em diferentes locais traz desafios distintos. Portanto, é necessária uma reflexão aprofundada sobre sua prática na ação , sendo a experiência de grande importância nesse contexto. Contudo, esse não é um desafio de fácil solução. Enfrentamos, por exemplo, muitos problemas burocráticos, de diversas origens (monitores, gestores, prefeitura, eleições), que moldaram os resultados, pois algumas ações concebidas pelo grupo esbarraram nessas questões. Apesar dos percalços, defendemos que as relações sociais são inerentes ao aprendizado e essenciais para a superação desses desafios.
Observamos que é necessário propiciar ações que favoreçam a formação dos monitores em sua prática efetiva. Os discursos, durante as ações e visitas, têm conteúdo e sentido próprios, trazendo mais significado para a mediação e, portanto, qualidade para a relação visitante-monitor. Assumimos, em concordância com Martins [ 2012 ], que a principal função de um mediador é incitar jogos de percepção em encontros com o público, o que implica desenvolver atitudes pedagógicas intencionais. Tais atitudes constituem-se a partir de um processo reflexivo, como o que procuramos propiciar, no qual a interação entre os pares é essencial e deve ser priorizada, pois a troca entre os mais e os menos experientes é muito rica para uma formação além da mera reprodução e imitação.
8 Considerações finais
O campo da educação não-formal vem sendo repensado em muitos aspectos [Marandino, 2017 ] e consideramos imprescindível que exista continuidade de estudos que busquem valorizar o trabalho humano e suas interações, num mundo como o atual, que anseia por visões mais holísticas das necessidades das pessoas e ações mais abrangentes, seja com o ambiente, seja umas com as outras, inseridas que estão num sistema único como o Sistema Terra. Os espaços de educação não-formal são privilegiados nesse sentido. Mas ainda é difícil para o público, escolarizado ou em geral, perceber que um parque ecológico, um museu, ou mesmo as praças são lugares que aliam adquirir conhecimento ao lazer [Oliveira e Silva, 2019 ]. Ampliar esse potencial passa, dentre outros pontos, pelo aprimoramento da formação dos mediadores.
Reflexão e troca constantes, numa área de atuação profissional tão ativa quanto a mediação, são vitais para alcançar tais objetivos, como demonstram artigos recentes [SISSA Medialab, 2020 ]. Em campos tão dinâmicos e complexos como a educação e o ensino (nomeadamente em ambientes não formais), não é possível nem desejável produzir receitas, mas sim, essencial compreender as estruturas que propiciam atingir os resultados que almejamos. Em nosso caso, a troca entre pares, as reflexões sobre as ações de forma constante e habitual dentro do espaço oferecido pela burocracia das instituições, se mostraram significativas para alcançar os objetivos da prática da mediação, e foram positivamente incorporadas ao cotidiano dos monitores: “já faz parte da nossa função e a coisa tá meio entrando no ciclo do monitor, fazer parte do nosso dia a dia, do nosso esquema.” Concluímos, então, que dar voz aos mediadores e trabalhar com eles propicia ganhos significativos em suas práticas. Haverá desafios, pois não é simples refletir e executar ações em conjunto, de forma interacionista, mas sua superação dependerá da participação de todos, de maneira democrática e comunicativa, de modo que todos possam ser ouvidos e respeitados.
Referências
-
Almeida, F. F. M. d. (1948). ‘A Rocha Moutonnée de Salto, Estado de São Paulo’. Geologia e Metalurgia 5, pp. 112–117.
-
Ambrosini, T. F. (2012). ‘Educação e emancipação humana: uma fundamentação filosófica’. Revista HISTEDBR On-line 12 (47), pp. 378–391. https://doi.org/10.20396/rho.v12i47.8640058 .
-
Aragão, T. Z. B. (2013). ‘Concepções de ciência presentes na divulgação e prática de instituições não formais de ensino de ciências’. Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática. Campinas, Brazil: Universidade Estadual de Campinas. URL: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/250787 .
-
— (2015–2018). Diário de bordo. Município. 1 diário de bordo.
-
Barbier, R. (2007). A pesquisa-ação. Brasília, Brazil: Liber Livro.
-
Brilha, J. B. R., Dias, G. e Pereira, D. (2006). ‘A geoconservação e o ensino/aprendizagem da geologia’. Em: Livro de actas do simpósio ibérico do ensino da geologia (Aveiro, Portugal), pp. 445–448.
-
Brilha, J. B. R. (2009). ‘A importância dos Geoparques no ensino e divulgação das geociências’. Geologia USP. Publicação Especial 5, pp. 27–33. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9087.v5i0p27-33 .
-
Carlétti, C. e Massarani, L. (2015). ‘Explainers of science centres and museums: a study on these stakeholders in the mediation between science and the public in Brazil’. JCOM 14 (02), A01. URL: https://jcom.sissa.it/archive/14/02/JCOM_1402_2015_A01 .
-
Daza-Caicedo, S., Ariza, A. P., Falla, S., Múnera, A. e Quiroga, J. (2020). ‘Encuentros y desencuentros de quienes median y sus públicos. Reflexión sobre el rol de la mediación desde un museo de ciencias en Colombia: el Museo Interactivo Maloka’. JCOM — América Latina 03 (02), A06. https://doi.org/10.22323/3.03020206 .
-
Falkembach, E. M. F. (1987). ‘Diário de Campo: um instrumento de reflexão’. Contexto e Educação 2 (7), pp. 19–24.
-
Franco, M. A. S. (2005). ‘Pedagogia da pesquisa-ação’. Educação e Pesquisa 31 (3), pp. 483–502. https://doi.org/10.1590/s1517-97022005000300011 .
-
Gomes, I. e Cazelli, S. (2016). ‘Formação de mediadores em museus de ciência: saberes e práticas’. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte) 18 (1), pp. 23–46. https://doi.org/10.1590/1983-21172016180102 .
-
Kincheloe, J. (1995). ‘Meet me behind the curtain: the struggle for a critical postmodern action research’. Em: Critical theory and educational research. Ed. por Mclaren, P. e Giarelli, J. M. New York, NY, U.S.A.: Suny Press.
-
Koptcke, L. S. (2003). ‘Observar a experiência museal: uma prática dialógica?’ Em: Caderno do Museu da Vida 2003. Rio de Janeiro, Brazil. URL: http://www.fiocruz.br/omcc/media/paper%20Luciana%20publicado%20Workshop%20Gilson.pdf .
-
Lewin, K. (1946). ‘Action research and minority problems’. Journal of Social Issues 2 (4), pp. 34–46. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1946.tb02295.x .
-
Lopes, M. M. (1988). ‘Museu: uma perspectiva de educação em geologia’. Dissertação (Mestrado em educação). Campinas, Brazil: Faculdade de educação da Universidade Estadual de Campinas. URL: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/252696 .
-
Macías-Nestor, A. P., Haynes, E. R. e Torreblanca-Navarro, O. (2020). ‘Formación de mediadores en los museos y centros de ciencias de la Universidad Nacional Autónoma de México’. JCOM — América Latina 03 (02), A03. https://doi.org/10.22323/3.03020203 .
-
Marandino, M. (2008). ‘Ação educativa, aprendizagem e mediação nas visitas aos museus de ciências’. Em: Workshop Sul-Americano & Escola de mediação em museus e centros de ciência. Ed. por Massarani, L. Rio de Janeiro, Brazil: Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, pp. 21–28. URL: http://www.museudavida.fiocruz.br/images/Publicacoes_Educacao/PDFs/WorkshopSulAmericano.pdf .
-
Marandino, M. (2017). ‘Faz sentido ainda propor a separação entre os termos educação formal, não formal e informal?’ Ciência & Educação (Bauru) 23 (4), pp. 811–816. https://doi.org/10.1590/1516-731320170030001 .
-
Martins, M. C. (2012). ‘Expedições instigantes’. Em: Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. Ed. por Martins, M. C. e Picosque, G. São Paulo, Brazil: Intermeios, pp. 9–22.
-
Monitores (2015–2016). Entrevistas . Parque Rocha Moutonnée. [Novembro 2015 e Fevereiro 2016]. Entrevistadora: Aragão, T. Z. B. Salto, 2015/16. 7 arquivos .mov (3 horas). Acervo da pesquisadora.
-
Oliveira, A. R. H. R. de e Silva, C. C. da (2019). ‘Os espaços não formais amazônicos como potencializadores de aprendizagem para o ensino de ciências: uma perspectiva a partir da teoria fundamentada’. Investigações em Ensino de Ciências 24 (3), pp. 59–73. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2019v24n3p59 .
-
Pavão, A. C. e Leitão, A. (2007). ‘Hands-on?, Minds-on?, Hearts-on?, Social-on? Explainers-on!’ Em: Diálogos & ciência: mediação em museus e centros de ciência. Ed. por Massarani, L. Rio de Janeiro, Brazil: Museu da Vida/Casa Oswaldo Cruz/Fiocruz, pp. 39–46. URL: http://www.fiocruz.br/omcc/media/EVCV_KOPTCKE_Analisando_a_dinamica.pdf .
-
Rocha-Campos, A. C. (2000). ‘Rocha Moutonnée de Salto, SP’. Em: Sítios geológicos e paleontológicos do Brasil. Ed. por Schobbenhaus, C., Campos, D. A., Queiroz, E. T., Winge, M. e Berbert-Born, M. Brazil: SIGEP — Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, pp. 155–159. URL: http://sigep.cprm.gov.br/sitio021/sitio021.htm .
-
Sánchez-Mora, M. C. (2007). ‘Diversos enfoques sobre as visitas guiadas nos museus de ciência’. Em: Diálogos & ciência. Mediaçao em museus e centros de ciência. Ed. por Massarani, L., Merzagora, M. e Rodari, P. Río de Janeiro, Brazil: Museu da vida, pp. 21–26.
-
SISSA Medialab (2020). JCOM — América Latina. Volume 3, Edição 02 . URL: https://jcomal.sissa.it/pt-br/03/02 .
-
Tripp, D. (2005). ‘Pesquisa-ação: uma introdução metodológica’. Educação e Pesquisa 31 (3), pp. 443–466. https://doi.org/10.1590/s1517-97022005000300009 .
-
Uriarte, M. Z. e Zdradek, A. C. S. (2021). ‘Mediação cultural: construção de sentidos ético-estéticos na Educação Não-formal’. ETD — Educação Temática Digital 23 (1), pp. 117–134. https://doi.org/10.20396/etd.v23i1.8655678 .
-
Wagensberg, J. (2001). ‘A favor del conocimiento científico (los nuevos museos)’. Éndoxa: Serie filosóficas 1 (14), pp. 341–356. https://doi.org/10.5944/endoxa.14.2001.5031 .
Autores
Thayse Zambon Barbosa Aragão. Doutora em Ensino de Ciências e Matemática (2018) pelo Programa de Pós Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com sanduíche no Geoparque da Costa Basca (Geoparkea) pelo Programa Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE — CAPES). Mestra em Ensino de Ciências e Matemática (2013) pelo PECIM/ UNICAMP. Graduada em Licenciatura em Ciências Sociais (2011), Bacharel Geral em Ciências Sociais (2010) e Ciência Política (2010) pela Unicamp;Atualmente atua como Professora de Sociologia da Rede Estadual de São Paulo. E-mail: thaysezambon@gmail.com .
Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa. Geóloga pela Universidade de São Paulo (1981), mestre (1987) e doutora (1992) em História Social pela Universidade de São Paulo, ambos na especialidade da História das Ciências. Obteve a livre-docência em 2001 na Universidade Estadual de Campinas e tornou-se professora-titular em 2006. Seu pós-doutorado foi junto ao Centre Alexandre Koyré d’Histoire des Sciences et des Techniques (França, 2002). De 1987 até 2013 foi docente do Instituto de Geociências da UNICAMP, onde exerceu o cargo de Diretora (2009–2013). A partir de 2014, passou à Faculdade de Educação da UNICAMP. Tem experiência na área de História, com ênfase em História das Ciências, assim em Ensino de (Geo)Ciências e na temática de arquivos científicos, atuando principalmente nos seguintes temas: História das ciências e das Geociências, com ênfase no Brasil; relações entre história das ciências e ensino; documentação científica / tecnológica. Atua na graduação e na pós-graduação, orientando pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado, bem somo supervisionando pós-doutorados. Participa das seguintes associações científicas: Membro, desde 1987, da International Commission on the History of Geological Sciences (INHIGEO — IUPHS/IUGS), ocupando a presidência de 2008 a 2012; Presidente da Sociedade Latino-americana de História da Ciência e da Tecnologia (SLHCT) (1995–1998); Councillor (1997–1999 e 2015–2017), President-ellect (1999–2001) e President (2001–2002) da History of Earth Sciences Society (HESS); Presidente da International Commission “Science & Empires” (IUPHS-DHS) (2001 a 2005). Membro Correspondente da International Academy of the History of Sciences (IAHS) (a partir de 2019). Tem dois filhos, nascidos em 1993 e 1999 (#parentinscience). E-mail: silviamf@unicamp.br .
Notas
Artigo baseado em Tese de Doutorado: Contribuição à educação não formal: pesquisa-ação na formação de mediadores no Parque Rocha Moutonnée, Salto-SP, Campinas, 2018. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES) — DS e PDSE (88881.134084/2016-01).
1 Número do CAAE: 45999915.3.00005404.
2 A gestão assim se hierarquizava, na época da pesquisa (da base ao topo): Monitores<Coordenador<Diretora de Turismo<Secretária de Turismo<Prefeito. Não havia qualquer gestão educativa ou específica do Parque, todos trabalhavam em todos os pontos turísticos que pertenciam à secretaria de turismo.
3 Neste trabalho entendemos que “emancipação humana é uma categoria […] que representa uma tarefa propriamente educativa, de construir coletivamente a conscientização do inacabamento e a inconclusão do oprimido, criando possibilidades para ser mais e superar os condicionamentos históricos, alcançando assim a sua vocação própria: a humanização (Freire).” [cf. Ambrosini, 2012 ].