Mulheres na Ciência e no Cinema, organizado por Ana Carolina Vimieiro Gomes (UFMG) e Gustavo Rodrigues Rocha (UEFS), e publicado pela editora Fino Traço em 2024, é o sexto volume da série História da Ciência e Cinema, coletânea organizada por pesquisadores do Scientia — Grupo de Teoria e História das Ciências, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O grupo, que celebra 25 anos de atividades quando da publicação do livro, tem sido uma referência em estudos sobre a interseção entre história da ciência e audiovisual.

Fundado em 2005 pelo professor Dr. Bernardo Jefferson de Oliveira, que assina o último capítulo, “Sexologia nas telas, com Shere Hite e Sue Johnson”, o Scientia produziu, ao longo dos anos, uma sequência de publicações que contribuem para a compreensão das relações entre ciência, cinema e sociedade. Nesta obra, em especial, os autores e autoras debruçam-se sobre as complexas relações entre as mulheres e as ciências, visando contribuir com um debate que, mesmo no século XXI, parece ainda pautar-se majoritariamente por exclusão e silenciamento.

O livro reúne análises de 20 filmes, tanto brasileiros quanto estrangeiros, abordando o tema “mulheres na ciência” por meio de diferentes gêneros, desde documentários institucionais e corporativos até produções de grande impacto, como Estrelas Além do Tempo (2016). Nem todos os filmes que compõem os capítulos tratam, necessariamente, do tema “mulheres na ciência”, mas foram escolhidos por serem obras audiovisuais que se debruçam sobre temas na interface entre a produção do conhecimento, relações de gênero, lutas feministas e o empreendimento científico. Esse conjunto diversificado de produções cinematográficas permite uma abordagem ampla, mas também complexa, que pode ser percebida pelos leitores mais atentos.

A coletânea apresenta variações de estilo e densidade teórica, conforme cada autor ou autora propõe diferentes leituras das obras analisadas. Essa multiplicidade de vozes e abordagens permite que o livro atenda tanto a uma audiência acadêmica interessada em estudos de gênero e ciência quanto a leitores que desejem expandir sua visão sobre a presença de mulheres no campo científico. Pode-se dizer também que é um bom exemplo de livro de divulgação científica, por contribuir para despertar nos leitores um ímpeto de curiosidade e deslumbramento em torno das narrativas audiovisuais analisadas.

Há um valor geral da obra na robustez teórica com que confronta o tema e no modo como oferece um espaço para o questionamento das visões nacionais e estrangeiras sobre mulheres nas ciências. Os autores e autoras apresentam uma gama de cientistas reais e fictícias, passando por figuras históricas como Hipátia e Marie Curie, e abordando cientistas menos conhecidas e mulheres que colaboraram anonimamente para o avanço científico ou debates do campo. De certa forma, essa variação de mulheres possíveis e de suas atuações nas ciências contribui para desconstruir a imagem tradicional do cientista como homem branco de jaleco, uma representação hegemônica que se destaca ao longo da história do cinema e é recorrentemente citada nos capítulos como um estereótipo a ser superado.

Contudo, algumas limitações podem ser identificadas: o teor de muitos artigos é altamente especializado, utilizando jargões teóricos que podem dificultar a compreensão de leitores que não estão familiarizados com o vocabulário acadêmico. Além disso, há capítulos que se distanciam significativamente dos filmes em análise e adentram discussões mais amplas sobre as mulheres na ciência, o que pode tornar o foco do texto menos claro. Também, ao discutir estereótipos sobre mulheres cientistas, alguns capítulos acabam por reforçar inconscientemente certas representações limitadas que a obra tenta desconstruir. Cabe apontar, também, que há pontos em que os autores abordam temas conhecidos no campo dos estudos sociais de ciência e tecnologia sem fornecer explicações suficientes para o público não especializado na área, o que pode resultar tanto em lacunas de compreensão, quanto em uma curiosidade despertada para que o leitor busque outras fontes.

A despeito dessas fragilidades, a obra oferece contribuições significativas ao debate contemporâneo sobre ciência e gênero a partir das obras audiovisuais. Um ponto de destaque está no modo como os capítulos flexibilizam e diversificam a noção de “cientista”, abordando não apenas temas científicos tradicionais, mas também temas sociais amplos, como transgeneridade, maternidade e sexualidade, enriquecendo o debate sobre mulheres e ciência. Esses temas, aliados a uma análise das figuras históricas e anônimas na ciência, fornecem materiais ricos para uso em sala de aula e em projetos de extensão voltados para o incentivo às mulheres na ciência.

O volume também propõe correlações interessantes entre ciência, política e sociedade, abrindo espaço para a reflexão sobre a visibilidade das mulheres no campo científico e para a ampliação das discussões sobre o que é, afinal, “fazer ciência”. A obra discute figuras notórias como Marie Curie e Bertha Lutz, ao lado de mulheres ainda invisibilizadas na narrativa tradicional da ciência.

Mulheres na Ciência e no Cinema cumpre um papel importante ao trazer à tona temas atuais e urgentes, e ao propor uma celebração crítica da contribuição feminina para o campo científico. A obra é uma adição valiosa tanto para estudiosos de gênero e história da ciência quanto para educadores e divulgadores que buscam enriquecer suas práticas de ensino e divulgação. Com sua abordagem multifacetada, a coletânea estimula debates contemporâneos sobre representatividade, ciência e sociedade, ao mesmo tempo que convida a reflexões futuras sobre como a história da ciência pode ser contada de maneira mais inclusiva e representativa.

Sobre o autor

Verônica Soares da Costa. Jornalista (Facom UFJF), mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais (CPDOC/FGV) e doutora em Comunicação e Sociabilidade (PPGCOM/UFMG). Atuou como jornalista e editora de mídias sociais do projeto Minas Faz Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), entre 2014 e 2021. É professora da Faculdade de Comunicação e Artes e membro permanente do PPGCOM da PUC Minas, onde realiza pesquisas sobre comunicação pública da ciência, jornalismo científico e comunicação digital.

E-mail: veronicacosta@pucminas.br