A desinformação não é um fenômeno recente, mas ganhou força na década de 2010 e ampliou sua dimensão com a pandemia da Covid-19, especialmente nos campos da ciência e da saúde.

Esse contexto tem contribuído para um aumento de estudos relacionados à desinformação no contexto da divulgação da ciência e da saúde em nível global, mas também em nossa região.

Isso nos levou a abrir uma chamada para esta edição especial sobre Desinformação e divulgação da ciência e da saúde na América Latina. No total, reunimos sete artigos e um ensaio.

Abrimos a edição com um artigo especialmente preparado para esta edição, em que visamos, como editoras da edição especial, em colaboração com Kaique Mancoso e Amanda Paes, realizar uma revisão de literatura dos estudos realizados na América Latina sobre desinformação e divulgação científica, com foco em particular nos artigos acadêmicos sobre essa temática. Nosso corpus consistiu de 142 artigos, identificados nas bases Scopus, Web of Science, Dimensions e Scielo. Se, por um lado, observamos que de fato houve um aumento de artigos sobre a temática, por outro, há ainda fragilidades conceituais. Enfatizamos, ainda, a necessidade de fortalecer a colaboração entre grupos de pesquisa nos países latino-americanos como forma de entender as particularidades da circulação da desinformação científica na região e estruturar melhores formas para o seu enfrentamento.

Em seguida, Claudine Friedrich discute o discurso sobre as vacinas contra a Covid-19 no Brasil em um contexto de crise epistêmica dos campos jornalístico e científico. Em particular, a autora analisa os sentidos presentes nos discursos sobre ciência que circularam no podcast Café da Manhã durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, em um contexto de crise epistêmica enfrentada pelos campos jornalístico e científico.

Mariana Hafiz e colaboradores, por sua vez, focaram na imprensa, partindo da premissa de que tem um papel fundamental na comunicação social da pandemia de Covid-19. Em particular, os autores analisaram um conjunto de textos sobre Covid-19 publicados na “Folha de S. Paulo” e no “The New York Times” no primeiro semestre da pandemia para categorizar as informações publicadas em seis grupos. Os resultados evidenciam que informar sobre ciência e sobre crises nas duas gestões da pandemia (incluindo desinformação vindo de autoridades) pode ter recebido o mesmo peso da imprensa.

Já Miguel Garcia-Guerrero e colaboradores se debruçaram sobre a discussão pública sobre Covid-19 no Twitter no México. Os autores exploraram como personalidades públicas difundiram suas opiniões sobre temas de saúde no México, analisando tweets de 11 perfis, divididos em três grupos: celebridades, políticos e divulgadores científicos. Eles consideram que houve quatro grandes categorias de atitudes das mensagens: negacionistas, moderados, precavidos e críticos.

Também com foco em redes sociais, Ana Cecilia Vaca-Tapia, Sofía Cabrera-Espín e Nicolle Mendoza realizaram um estudo de caso no contexto andino com o ainda pouco estudado TikTok, para analisar em que medida foi usado como ferramenta de divulgação científica.

Já Pedro Farnese propõe uma estruturação conceitual para refletir a sociedade midiatizada e suas imbricações nas estratégias de comunicação organizacional empreendidas por universidades públicas para difusão da ciência e o combate à desinformação.

Rodolfo Marques e colaboradores discutem os desafios do combate à desinformação no Brasil, buscando mapear as principais modalidades de desinformação existentes e discutir as consequências danosas para o público.

Para fechar a edição, Ana Regina Rêgo e Ranielle Leal discutem, em um ensaio, as tensões que se localizam no encontro entre as novas configurações capitalistas neoliberais a partir da vida nas plataformas digitais e o mercado da comunicação que se ocupa da desinformação científica, com foco na desinformação acerca das vacinas.

O tema não se encerra nesta edição — e nem seria possível, considerando a amplitude e a complexidade. Mas esperamos que a edição estimule, ainda, mais a produção acadêmica em torno do assunto. Boa leitura.

Autores

Luisa Massarani é Coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. É coordenadora para América Latina de SciDev.Net (https://www.scidev.net/). Pesquisadora Produtividade 1B do CNPq e Cientista do Nosso Estado da Faperj.
E-mail: luisa.massarani@fiocruz.br.

Thaiane Oliveira é Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação. Pesquisadora do Instituto Nacional Disputas e Soberania Informacional e do Instituto Nacional de Administração de Conflitos. Membro da Academia Brasileira de Ciências.
E-mail: thaianeoliveira@id.uff.br.