1 Introdução

Neste estudo analisamos a série de reportagens Bastidores da Ciência, produzida pelo Jornal UFG durante o primeiro ano da pandemia da covid-19, entre os meses de junho e setembro de 2020. A série é composta por cinco reportagens sobre pesquisas que estavam sendo realizadas pela Universidade Federal de Goiás (UFG) com relação à covid-19.

A proposta das reportagens jornalísticas surgiu após ataques sofridos nas redes sociais por um dos pesquisadores da instituição, questionando a veracidade de seus estudos. O objetivo é analisar a série de reportagens como defesa da ciência, da universidade e seus pesquisadores, por meio do jornalismo, frente aos processos de construção de desinformação.

Por meio da análise de conteúdo [Bardin, 2020], observamos como as reportagens se estruturam e quais ideias sobressaltam nas reportagens. A partir da observação das palavras utilizadas no texto, foram criadas categorias de análise e agrupadas conforme a intenção das expressões e palavras utilizadas. A partir dessa análise e por meio de conceitos sobre a ciência [Merton, 2013; Castelfranchi, 2008], buscamos perceber quais valores são defendidos nas reportagens, sua relação com a ciência, bem como o jornalismo como verdade. A intenção é perceber as ideias, como elas se estruturam para criar uma proposta de defesa da ciência, seus métodos e sua produção como verdade, bem como do jornalismo como forma de credibilização.

Para tanto, o artigo discute o conceito de desinformação e contextualiza o caso. Para a análise, além de discutirmos o papel do jornalismo na crise epistemológica da ciência, utilizamos, com base na sociologia da ciência, a caracterização do discurso científico por autores como Merton [2013] e Castelfranchi [2008]. A partir desses conceitos foram criadas categorias e avaliados os elementos utilizados para credibilizar o discurso científico da universidade, bem como o papel do jornalismo no combate à desinformação.

2 O Contexto da Desinformação

A desinformação é um termo reservado para “designar os relatos pretensamente factuais que inventam ou alteram os fatos que narram e que são disseminados, em larga escala, nas mídias sociais, por pessoas interessadas nos efeitos que eles poderiam produzir” [Gomes & Dourado, 2019, p. 35]. Esse fenômeno ganhou forças com o advento de uma sociedade cada vez mais midiatizada.

Pinheiro e Brito [2014] ressaltam que a desinformação seria a manipulação da informação com a intenção de enganar alguém. Há uma intenção do autor da desinformação em “distorcer a percepção de realidade do alvo de sua ação com vistas a se beneficiar de seu logro” [Pinheiro & Brito, 2014]. Os autores ainda destacam a complexidade que é utilizar desta ação para “enfrentar um indivíduo ou aparato de Estado agindo para ludibriar” [Pinheiro & Brito, 2014]. É algo muito mais complexo do que simplesmente um erro de dados ou ignorância de quem produziu o material. A desinformação passa por questões de apropriação por parte de quem recebe a informação. Entender os efeitos dessa recepção exige considerar o contexto sociocultural desses receptores. A desinformação em geral “rejeita a produção científica e apela para as emoções que estimulam os algoritmos de recomendação, fazendo com que os usuários se aprofundem em suas próprias crenças” [Gehrke & Benetti, 2021].

Em 2020, com a pandemia da covid-19, o cenário tornou-se ainda mais propício à desinformação com um outro fenômeno emergente: a infodemia, termo que designa o excesso de informação verdadeira ou falsa sobre um tema, o que gera um alerta da população, agravado com o distanciamento social, a dificuldade em entender cientificamente o fenômeno e o acesso ampliado à internet e às redes sociais [Souza & Santos, 2020]. Neste momento a sociedade voltou-se para todas as possibilidades de vencer o vírus e as mais promissoras delas eram as respostas trazidas pela ciência: entender o comportamento do vírus, os mecanismos da doença para então buscar vacinas e medicações efetivas. No entanto, a ciência precisa de tempo para sua realização e verificação. Não era possível, como muitas vezes foi dito durante esse período, adotar apenas soluções simples para um problema complexo. Nesse cenário, o mundo voltou-se para as instituições científicas, entre elas as universidades.

A pressão por soluções fez surgir um cenário apocalíptico para a desinformação. Diante do fenômeno da infodemia, mesmo com diversas iniciativas informacionais de organizações e instituições, qualquer suposto estudo ganhava status de solução rápida e era adotado pela sociedade: hidroxicloroquina, ivermectina e o “tratamento precoce”1 ganharam espaço, inclusive entre profissionais. Por outro lado, soluções que não respondiam com a mesma facilidade ao problema, o caso da proposta de distanciamento social, eram contestadas em sua eficácia, justamente por ir contra interesses, principalmente econômicos.

3 O fato gerador da desinformação

Em Goiás, no dia 13 de março de 2020, o governo estadual, com base nas informações divulgadas pela Organização Mundial de Saúde, com o apoio de diversos setores da sociedade civil, entre eles universidades e instituições de pesquisa, decidiu pelo fechamento de escolas e comércio como forma de tentar barrar o avanço do vírus e permitir que o Estado pudesse entender o contexto e organizar os serviços de saúde para a imensa demanda que o vírus poderia causar. A UFG, a maior universidade do Estado, foi procurada para o apoio científico de cada uma dessas decisões.

Naquele momento, um grupo de professores da UFG criou o Grupo de Modelagem da Expansão da covid-19 em Goiás.2 Formado por dois biólogos e uma médica e epidemiologista, o objetivo era simular os cenários de desenvolvimento da doença de acordo com os dados epidemiológicos disponíveis até o momento, como número de notificações, mortes, tempo de duração dos sintomas, entre outros.

Apesar de um engajamento inicial ao isolamento social, ele foi caindo ao longo do tempo e os resultados foram percebidos na demanda por leitos e hospitais. Em uma reunião realizada em 29 de junho de 2020, do Comitê de Operações de Emergência em Saúde Pública do Estado de Goiás (COE-covid-19), um dos pesquisadores do grupo apresentou um estudo que tinha como um dos cenários possíveis, caso nenhuma ação de contenção do vírus fosse tomada, a ocorrência de 18 mil mortes [Rodrigues, 2020]. Com esse alerta, foi proposto o isolamento intermitente para o comércio, com a abertura das atividades por 14 dias e fechamento por outros 14 dias. A ideia era manter o valor de isolamento social em 50% a 60% para que a curva de crescimento de casos da doença diminuísse [Rezio & Silva, 2020].

Mas a ideia não foi bem recebida pelo comércio, que alegava estar sofrendo com as perdas econômicas no setor desde o início da pandemia. [Alcântara, 2020]. O que se seguiu a esse descontentamento foi uma série de ataques à universidade e seus pesquisadores. É importante ressaltar o papel dos atores [Gehrke & Benetti, 2021] na propagação da desinformação. Mesmo não sendo necessariamente os responsáveis pela criação das peças, quando têm grande importância nas redes (políticos e personalidades), corroboram para a proliferação nas redes sociais, de acordo com seus interesses e crenças.

No contexto desinformativo, os pesquisadores foram acusados de oferecer dados incorretos ao governo, que teria incorrido em erro ao decretar o isolamento intermitente. Um dos pesquisadores foi questionado sobre sua expertise para levantamento desses dados [Longo, 2020]. Além de declarações públicas de erro no estudo, uma das peças de desinformação apresentava o professor em um fundo cheio de beija-flores, fazendo uma referência a um dos estudos realizados por ele, que não teria — segundo a peça desinformativa — relação com questões epidemiológicas [Rezio & Silva, 2020, p. 13]. Abaixo na Figura 1 podemos visualizar a imagem utilizada como peça desinformativa.

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Figura 1: Peça desinformativa. Fonte: peça de desinformação difundida nas redes sociais.

O professor, em sua formação, trabalhou os mesmos modelos evolutivos aplicados a populações de beija-flores, bem como outras populações animais, para entender como o coronavírus se desenvolvia. A peça desinforma e mostra desconhecimento sobre os processos de produção da ciência. Utiliza-se de um fato comprovado: o professor estudou populações de beija-flores para atacar a credibilidade do estudo [Stecca & Melo, 2020]. Eis o problema da desinformação: ela é produzida a partir de fatos, verdades que são deturpadas no sentido de criar cenários hipotéticos que condizem com opiniões e interesses de uma determinada faixa da população.

Como o próprio professor destaca em uma das entrevistas, os argumentos são infantis e risíveis [Diniz, 2020]. Mas estas são características das mensagens desinformativas: são simples e facilmente assimiláveis. Destaca-se também na peça desinformativa o apelo à “família” que é um dos valores explorados politicamente, o que deixa claro a intenção política do argumento. O caso analisado é uma entre várias peças de desinformação que ocorreram neste momento do tipo “falso contexto”: “utilizam uma imagem ou um fato verdadeiro, tirando-o de contexto […] dificulta o rastreamento pelos sistemas de inteligência artificial, além de induzir à confiança no todo (falso) a partir da confiança na parte (verdadeira) [Gehrke & Benetti, 2021].

Este e outros modelos de desinformação geraram mobilização de várias instituições, inclusive do jornalismo, por meio do fast checking, que objetiva desmentir as peças desinformativas. No contexto internacional, a Organização Mundial de Saúde, tentava combater a infodemia e desmistificar as principais desinformações sobre o vírus e a pandemia com o apoio da sociedade [Souza & Santos, 2020]. No entanto, o apelo emocional e político atrelado à questão econômica é de difícil combate e solução.

4 O Jornal UFG: jornalismo como filtro da realidade

Diante do cenário de ataque à instituição e seus pesquisadores, matérias foram publicadas para explicar de forma estratégica e mais aprofundada a maneira como o estudo foi construído. A partir do ataque pessoal vivenciado pelo pesquisador do Grupo de Modelagem, a equipe do Jornal UFG decidiu criar uma série de reportagens para mostrar quem eram os pesquisadores por trás de cada uma das grandes frentes de pesquisa sobre a covid produzida pela UFG.

O Jornal UFG3 é um jornal produzido pela Secretaria de Comunicação da UFG desde 2006, sendo primeiramente apresentado apenas na versão impressa e, a partir de dezembro de 2018, passando a ser exclusivamente online. O jornal foi criado com o intuito de ser um veículo institucional, mas também de divulgar as pesquisas produzidas pela universidade.

O Jornal UFG pode ser enquadrado como jornalismo institucional, no sentido de que mostra uma versão produzida por uma instituição. Ressaltamos, porém, que não consideramos o conceito apenas pelo viés de uma defesa institucional, mas sim como voz que complementa o processo de comunicação. O “jornalismo produzido pelas instituições é um processo de interação social e de uma série de negociações”, emprestando “um papel sociopolítico nas sociedades contemporâneas” [Duarte, 2002]. Portanto, o material produzido pelo jornalismo institucional é, para além de uma “propaganda institucional”, uma nova perspectiva sobre a realidade. Aliado a isso, consideramos que a melhor denominação seja o jornalismo institucional universitário [Fernandes Neves, Stecca & Coleta Santos Pereira, 2022], devido a características muito específicas destas instituições produtoras de conhecimento.

Outro conceito com esta mesma perspectiva é o de Mídia das Fontes [Sant’Anna, 2009], que abarca o jornalismo produzido por veículos institucionais próprios, que para o autor tem características peculiares no contexto brasileiro. São estruturas que se assemelham às dos veículos de comunicação de massa e são respostas ao poder hegemônico da imprensa tradicional. No caso específico analisado, é exatamente a proposta do Jornal: produzir um conteúdo para além do que a imprensa teria interesse em produzir, defendendo valores próprios da instituição que não são explorados da mesma maneira pelo jornalismo de mercado, como forma de ocupar o espaço público.

Sabe-se que, no cenário da desinformação, apenas apresentar fatos e checagens não tem sido suficiente para dar credibilidade ao jornalismo e à ciência: “[…] discursos em torno da legitimidade científica têm como imbróglio não apenas uma dificuldade em se comunicar a ciência para a população em geral e a distinção que tende a separar a academia de outras esferas sociais” [Oliveira, 2020, p. 22] A crise, como ressalta a autora, envolve todas as instituições consolidadas em torno da produção de verdade, o que compõe uma crise epistemológica.

Mesmo assim, estudos como o de Recuero [2011, p. 16] mostram que, no cenário de propagação de notícias em redes sociais, o jornalismo é uma ferramenta para “credibilidade, legitimação, filtragem e hierarquização” da informação por parte dos usuários dessas redes. Meditsch [1997] ressalta que o jornalismo, como “modo de conhecimento”, é limitado, mas não pode de forma alguma ser descartado, sendo como várias outras uma forma de “conhecer e re-conhecer o mundo, por mais limitada e singela que possa parecer” [Meditsch, 1997]. Entre os questionamentos feitos pelo autor está que o jornalismo trabalha com o senso comum, mas é justamente essa proximidade com a realidade que o faz frágil, mas ao mesmo tempo importante para a leitura da realidade. No entanto, ele ressalta que o jornalismo precisa ser controlado para além dos próprios jornalistas e das instituições que trabalha.

A crise da ciência se deve ao fato “de que a ciência não consegue atender a algumas das mais caras promessas da modernidade: a da justiça social, a da construção ética e a da solidariedade, racionalmente fundamentadas” [Signates, 2012, p. 140]. Por outro lado, para se constituir na contemporaneidade, a ciência torna-se dependente da comunicação da ciência, pois seu impacto social passa a ser medido “através da influência da produção científica em políticas públicas, mas também na presença de cientistas em jornais e na circulação em plataformas digitais e sites de redes sociais” [Oliveira, 2020, p. 23]. No entanto, o jornalismo também sofre dessa mesma crise de credibilidade da ciência, pois tal qual ela, é uma forma de construção da realidade.

Nesse contexto, os próprios cientistas, os jornalistas e qualquer produtor de conteúdo para redes sociais pode produzir essa divulgação e os filtros passam a ser dispensados [Oliveira, 2020]. O jornalismo, por sua vez, perde espaço, até por posturas anteriores que o descredibilizam, como as manipulações do jornalismo [Christofoletti, 2018], que são constantemente lembradas pelos produtores de desinformação, que muitas vezes destacam esses “erros” como forma de impulsionar o seu conteúdo. Some-se a isso temos a ação dos algoritmos, que potencializam os gostos pessoais do usuário, fazendo com que as informações cheguem apenas parcialmente a eles na forma das câmaras de eco [Colleoni, Rozza & Arvidsson, 2014].

Mas, se por um lado, há esse questionamento, por outro percebe-se que a mídia é acionada como discurso de autoridade para reforçar discursos de desinformação, o que mostra que, mesmo na desinformação, a institucionalização da ciência e do jornalismo ainda reverberam [Oliveira, 2020].

O grande gargalo observado é o fato de o próprio jornalismo servir muitas vezes como canal de descredibilização de outras instituições que servem a construção da ciência, como as universidades. Como ressalta Oliveira [2020], o jornalismo produz matérias que servem como “impulsionadores para a própria crise que a ciência enfrenta atualmente”, entre elas destaque para críticas às ciências humanas, drogas dentro das instituições e incentivo à privatização desses ambientes.

O jornalismo se constitui como um filtro para a realidade que utiliza os fatos e a verdade como premissas de construção, embora não produza uma realidade especular. O fato de poder ser utilizado para construir várias versões da realidade constitui uma das fragilidades do jornalismo, mas ainda assim, não há como renunciar a seu papel social na democracia. A proposta de Oliveira [2020] para essa crise é criar canais próprios de diálogo com quem está sendo afetado por essa crise de desinformação, mesmo em meio a disputa de narrativas com a desinformação. O que corrobora com a proposta analisada neste artigo do Jornal UFG, um veículo de uma universidade, que produz por meio do jornalismo um mecanismo de construção de uma narrativa que defende a ciência.

5 Características e ethos da ciência

Por um tempo na sociedade, principalmente no século XX, houve uma “supervalorização da ciência e a crença de que tudo poderia ser explicado por meio de métodos científicos, em detrimento de outros tipos de saber” [Oliveira, 2020, p. 23]. Merton [2013], em texto de 1942 publicado no livro Ensaios de Sociologia da Ciência, já levantava as fragilidades de sustentar a ciência como verdade:

A ciência, como qualquer outra atividade que envolve a colaboração social, está submetida às mudanças da fortuna. Por mais difícil que a noção possa parecer àqueles educados em uma cultura que garante à ciência um lugar de destaque, quando não de comando, no esquema das coisas, é evidente que a ciência não é imune ao ataque, à restrição e à repressão [Merton, 2013, p. 181].

Para Merton, há quatro contributos que caracterizam o ethos da ciência moderna: o universalismo, ou seja, a ciência deve se submeter a critérios impessoais; o comunismo, que avalia que a ciência é resultado de pesquisa colaborativa e os resultados pertencem à sociedade; o desinteresse, que seria o fato de buscar o engrandecimento da pesquisa e não do ego do pesquisador; e o ceticismo organizado, esta uma das mais importantes características que é a verificação do conhecimento produzido, buscando erros, incoerências e fragilidades [Merton, 2013].

Percebe-se uma ideia de que a ciência, apesar de ser feita socialmente e para a sociedade, precisa ser objetiva e se separar da pessoa do pesquisador. A ideia fez sentido por muito tempo e sustentou a ciência em seus critérios subjetivos. Mas hoje, diante de uma crise de credibilidade da ciência e do avanço da desinformação, como angariar defensores da ciência? Como o jornalismo pode ser ferramenta de defesa dos ideais científicos?

Castelfranchi [2008] atualiza essa análise com o conceito de tecnociência, que seria a ciência aliada à tecnologia, investigando as diferenças da ciência analisada por Merton e a ciência atual. O autor propõe que a ciência já não está isolada como antes: ela tem forte ligação com a política, a sociedade e o mercado.

Para ele, a ciência não é mais como a descrita pelas regras mertonianas e, apesar de adquirir características neoliberais — “midiática, proprietária, encomendada, voltada para o lucro tanto quanto para a busca do conhecimento, para produção de informações confiáveis tanto quanto de utilidades ‘socialmente robustas”’ [Castelfranchi, 2008, p. 28–29] — ainda assim, ela é um “complexo conjunto de enunciados” que “consegue ajudar a ciência e a tecnologia a estar no centro da atenção política, mas também a despolitizar-se, deslocar-se da submissão à negociação política” [Castelfranchi, 2008, p. 18].

Em Microfísica do Poder, Foucault caracteriza os regimes de verdade de uma sociedade como “os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros” [Foucault, 2006, p. 12]. O que o discurso da ciência — ou da tecnociência, como coloca Castelfranchi [2008] — busca é afirmar determinado regime de verdade. Para isso, o autor analisou diversos textos, press-releases e documentos que balizam o discurso da ciência atual para destacar nesses discursos as características que os diferenciam e legitimam.

Em um quadro de campos narrativos e enunciações, em sua tese ele levanta elementos que constituem os discursos da tecnociência, permitindo a união do capital, da ciência e da tecnologia. Destacamos aqui algumas destas palavras: fronteiras, proibições, transformação, revolução, inovação, progresso, aceleração, desafios, razão versus irracionalidade, fatos versus opinião, desinteresse, comunitarismo, ciência para todos, luzes versus trevas, sábios versus ignorantes, empreendedorismo, informação e rede [Castelfranchi, 2008, p. 154–155]. Outro destaque que o autor coloca é que a “comunicação pública da ciência está se tornando menos uma opção e mais uma parte integrante do metabolismo da tecnociência” [Castelfranchi, 2010, p. 18].

Com base nessas teorias a seguir expomos a metodologia do trabalho e propomos a criação de categorias de análise que englobam essas características do ethos científico para avaliar como as reportagens fazem a defesa desse regime de verdade da ciência.

6 Aspectos metodológicos do estudo

O artigo utiliza como metodologia a Análise de Conteúdo [Bardin, 2020]. O corpus da análise constitui-se da Série Bastidores da Ciência produzida pelo Jornal UFG no ano de 2020, com cinco reportagens que apresentam algumas das pesquisas e dos pesquisadores da universidade com relação à covid-19. As reportagens têm um mesmo padrão, o que obedece ao critério de homogeneidade [Bardin, 2020]: apresentam os pesquisadores, seus currículos, as estratégias para construção da pesquisa e como essa pesquisa auxilia o combate à pandemia.

Após leitura flutuante dos textos, buscamos, por meio dos estudos de Merton [2013] e Castelfranchi [2008] sobre o que caracteriza o ethos da ciência moderna, elaborar hipóteses e objetivos da análise. Nosso objetivo é perceber que elementos presentes nos textos, de acordo com esse ethos, são argumentos levantados pela reportagem para a defesa da ciência, bem como da universidade. A partir da teoria, criamos categorias de análise temáticas e buscamos no texto elementos ou códigos [palavras, expressões, frases] que compõem unidades de registro e de contexto que se enquadram nessas categorias. A partir das categorias definidas, foi feito um quadro com as palavras encontradas em cada um dos textos da série, relacionando as palavras e expressões de forma a categorizá-las.

Assim, ao olhar para as categorias, percebe-se o destaque de estruturas que representam o ethos da ciência e como eles são utilizados no sentido de argumentação em defesa do fazer científico e da universidade como instituição, mas também credibilizar o trabalho dos pesquisadores, de forma a promover um filtro, por meio do jornalismo, para a sociedade.

7 Estudo de caso e análise dos dados

O conteúdo aqui analisado faz parte da série de cinco reportagens produzidas com o selo “Bastidores da Ciência”. O objetivo é analisar a série proposta isoladamente e não todo o trabalho produzido pelo Jornal UFG, devido especificamente ao contexto em que foi produzida como ação de defesa dos pesquisadores e da instituição frente à desinformação. A série foi desenhada para “apresentar os estudiosos da Universidade e as áreas de conhecimento envolvidas no combate à pandemia” [Stecca & Melo, 2020].

Diante do ataque à credibilidade do pesquisador, a intenção da série foi mostrar o currículo dos pesquisadores por trás de cada uma das quatro pesquisas: o Grupo de Modelagem da covid-19, o teste rápido para covid-19, o conserto de respiradores do Projeto Pneuma e a rede de Laboratórios de Campanha da covid-19. Para além da apresentação dos estudos, a série propõe, por meio do jornalismo e do destaque de aspectos do discurso da ciência, ir além da pesquisa, mostrando o pesquisador e os processos de produção do conhecimento.

A partir das características propostas por Merton [2013] e também por Castelfranchi [2008] sobre questões que compõem o discurso da ciência, e por meio da análise de conteúdo de Bardin [2020], fizemos uma análise de conteúdo destacando palavras que mais se aproximam desses modos de fazer ciência e da defesa do discurso da ciência. A partir desses grupos de palavras, criamos cinco categorias para analisar os textos da série de reportagens.

A primeira categoria visou observar palavras que indicam ações dos pesquisadores que caracterizam o fazer científico: evidência, combate, esforço, experiência, avanço, proposta e otimização. Palavras de abordagem positivista que mostram o posicionamento da ciência no sentido de avançar na construção do conhecimento. A segunda categoria é a autoridade ou expertise, que mostra que quem está produzindo a ciência tem formação e conhecimento para que possa produzir o conhecimento, entre elas: professor, mestrado, doutorado, áreas de conhecimento, entre outras.

A terceira categoria reúne o que Merton [2013] chama de comunismo e também desinteresse da ciência, que mostra que, para além do interesse econômico e o ego do pesquisador, a ciência preza pelo seu desenvolvimento enquanto um regime de verdade e também pelo bem-estar social. Entre essas palavras e expressões estão: responsabilidade social, participação, auxiliar pessoas, conciliar o tempo, entre outras expressões que demonstram que, acima dos resultados, está o interesse de auxiliar a comunidade.

A quarta categoria é o trabalho em grupo, ressaltando que a ciência não é produzida individualmente. Essa categoria também conversa com a característica do comunismo de Merton, mas optamos por separá-la, posto que, como destaca Castelfranchi [2008], esta é uma das novidades da ciência do século XX, em que não é possível produzir ciência de forma isolada. Palavras como grupos, equipes multidisciplinares, redes, áreas de conhecimento, entre outras, são importantes nesse aspecto.

Por último, a quinta categoria é a técnica, que se aproxima do que Merton [2013] propõe como ceticismo organizado, que reúne palavras que mostram que a ciência é composta por método científico, modelos, projetos. Abaixo destacamos palavras e expressões que foram categorizadas de acordo com esta perspectiva em cada um dos quatro textos. Abaixo destacamos na Figura 2 uma imagem do banner de divulgação da série.

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Figura 2: Banner de divulgação da primeira reportagem da série.
Fonte: Stecca e Melo [2020].

Para efeitos de identificação, o texto 1 (ver Figura 3), intitulado “Conheça os pesquisadores da UFG do grupo de modelagem” [Stecca & Melo, 2020], destacou o trabalho do grupo composto por uma epidemiologista e dois biólogos na criação de modelos para mostrar como a covid cresceria ao longo do tempo, de forma a auxiliar em medidas de contenção do vírus. O texto possui 1778 palavras, o selo da série e fotos dos pesquisadores do grupo, além de sugestão de fontes de complementação da reportagem. Em março de 2024 chega a mais de 2 mil visualizações4 no Jornal UFG. O enfoque da matéria é no currículo dos pesquisadores e em como ele se entrelaça à pesquisa realizada pelo grupo. Esta é a matéria que inaugura a série, publicada no dia 30 de junho de 2020 e traz um detalhamento sobre o currículo do professor questionado na peça de desinformação divulgada nas redes sociais, especificando particularmente o fato do professor realmente ter estudado a população de beija-flores e como esse tipo de estudo corrobora com estudo de populações de diversas espécies, inclusive o vírus da covid-19.

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Figura 3: Trecho da reportagem 1 da série Bastidores da ciência. Fonte: Stecca e Melo [2020].

O texto 2 (Figura 4), “Química e Bióloga desenvolveram o teste molecular rápido para covid-19” [Melo, 2020b], que mostra a parceria das duas professoras que criaram um teste rápido e barato para diagnóstico da doença. A matéria publicada em 10 de julho de 2020, com 1010 palavras, o selo da série, foto das pesquisadoras, tem 4086 visualizações em março de 2024. Seguindo a mesma linha da primeira reportagem, mostra como a carreira das pesquisadoras determinou a pesquisa realizada e como a junção das áreas permitiu o desenvolvimento do teste para covid-19.

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Figura 4: Trecho da reportagem 2 da série Bastidores da ciência. Fonte: Melo [2020b].

O texto 3 (Figura 5), “Voluntários da UFG mantém rede de laboratórios de campanha de covid-19” [Melo, 2020c], mostra o trabalho conjunto dos laboratórios da UFG que auxiliaram no diagnóstico da covid-19 principalmente entre profissionais de saúde em um momento em que faltavam testes. A reportagem tem 1315 palavras, o selo da série e foto dos voluntários do projeto. A matéria teve 822 visualizações. Esta reportagem especificamente não traz foto dos coordenadores, mas dos voluntários, e foca no trabalho da equipe que foi para a linha de frente, expondo-se à possibilidade de contaminação em um momento importante da pandemia, onde havia muito medo e uma consciência do papel dos profissionais de saúde neste campo.

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Figura 5: Trecho da reportagem 3 da série Bastidores da ciência. Fonte: Melo [2020c].

O texto 4 (Figura 6), “Projeto Pneuma: Engenharia Mecânica a serviço da saúde” [Stecca, 2020], que destacou um grupo criado para conserto de respiradores mecânicos que estavam fora de uso em um momento de completa falta dos equipamentos no mercado. O texto publicado em 30 de julho de 2020, com 2333 visualizações em março de 2024, tem 2187 palavras e destaca o desafio de aprender o conserto de um equipamento a partir da teoria da engenharia mecânica, mas com a parceria do trabalho técnico do mercado e do governo. As fotos destacam esse trabalho em equipe e função das parcerias, mas ao mesmo tempo o espírito de curiosidade dos cientistas que criam o projeto.

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Figura 6: Trecho da reportagem 4 da série Bastidores da ciência. Fonte: Stecca [2020].

E, por último, o texto 5 (Figura 7), “Geógrafos e a análise do estado social em destaque” [Melo, 2020a], grupo de geógrafos que analisou dados do estado como serviços de saúde, indicadores de trabalho e renda durante a pandemia. O texto publicado em 27 de agosto de 2020 tem 1412 palavras, selo da série e fotos dos pesquisadores. Foram contabilizadas 681 visualizações em março de 2024. A reportagem entrelaça a história de vida dos pesquisadores, seus currículos e a temática da pesquisa realizada pelo Observatório do Estado Social Brasileiro.

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Figura 7: Trecho da reportagem 5 da série Bastidores da ciência. Fonte: Melo [2020a].

Em cada texto, destacamos palavras que, por inferência [Bardin, 2020], reforçam essas características do ethos científico. Depois de destacar as palavras que se enquadram nessa perspectiva, categorizamos os códigos na tabela abaixo.

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Tabela 1: Análise de Conteúdo das reportagens Bastidores da Ciência. Fonte: elaborada pelos autores (2024).

Sánchez Mora [2003, p. 7] faz uma ponderação sobre a divulgação científica: “[…] não se trata de verter de uma língua para outra, mas de criar uma ponte entre o mundo da ciência e os outros mundos”. Por meio da análise da série Bastidores da Ciência, é possível perceber a utilização de elementos do ethos científico de forma a mostrar não apenas o que a pesquisa apresentou, mas como a pesquisa foi construída e, assim, defender sua existência.

Por meio das categorias, podemos inferir ações importantes no mundo da ciência com o emprego de termos como combate, evidência, referência, esforço e otimização. Ao analisarmos essas palavras, percebemos que são palavras positivistas, que ressaltam um movimento rumo ao desenvolvimento da ciência em nome do crescimento da sociedade.

A valorização da expertise na produção do conhecimento, demonstrando que não há pessoas despreparadas e que, mesmo quando os conteúdos parecem não ser os mesmos, há uma ligação entre as áreas, sendo este um importante ponto a se destacar, já que a série surgiu como uma resposta a um ataque sobre a expertise de um dos pesquisadores da instituição. Doutorado, Mestrado, “experiência em” são algumas das palavras que denotam que ciência é feita por pessoas que se prepararam para isso. Esse item é importante também nos textos, já que a peça desinformativa questionada atacava a expertise de um dos pesquisadores. O primeiro texto inclusive explica sobre a expertise do professor e sua relação com o estudo realizado, que tinha características multidisciplinares.

A valorização da ciência construída de forma abnegada, que Merton nomeia como desinteresse da ciência, também fica clara em expressões como responsabilidade social, auxiliar as pessoas no meio de uma pandemia, participação e dedicação. A intenção é destacar essa preocupação da ciência com questões ligadas ao social. Em sua capacidade de auxiliar o desenvolvimento da sociedade e, no caso, a superação da pandemia, um problema social que se tornou a principal preocupação da humanidade naquele momento.

O trabalho em grupo também é uma forma de valorizar a ciência como um produto social, mas também mostrar que não são criações individuais, mas trabalhos que têm a colaboração não só da ciência já construída, mas de outros pesquisadores sejam da mesma área ou áreas afins. Esse ponto é importante pois foi evidenciado na peça de desinformação sobre o Grupo de Modelagem, que destaca apenas um pesquisador como se ele tivesse feito a pesquisa individualmente. Por isso, palavras como multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, grupos de pesquisa, equipe de voluntários, rede de laboratórios, valorizam esse esforço conjunto para a produção da ciência.

Essas duas categorias acima valorizam a questão social, de que a ciência existe para servir à sociedade e que é construída em grupo. Ambas reforçam o discurso científico de que, para além de decisões econômicas, a ciência só tem sentido ao priorizar a questão social.

Por fim, destacamos a valorização da técnica e dos estudos por meio de palavras como estimativa, métodos, modelos, protótipos que mostram um padrão na produção das pesquisas. A valorização do método científico e da possibilidade de provar por meio de dados e métodos que os resultados são verdadeiros e não criados sem nenhum critério.

O que podemos perceber na série de reportagens é uma tentativa de reforçar o discurso científico como saída para a pandemia e o destaque dos detalhes de como as pesquisas são realizadas de forma a dar transparência aos processos, expertises e nomes dos pesquisadores por trás destes trabalhos. Todas as categorias estão representadas nos cinco textos em maior ou menor grau, o que mostra um determinado padrão de construção das reportagens para valorizar a ciência por meio de suas características e, ao mesmo tempo, explicá-la de forma a conquistar o leitor para o discurso científico. Por meio do jornalismo, pela explicação dos processos e formatos da ciência, pretende-se angariar os leitores à defesa do trabalho da universidade, da ciência e dos cientistas.

Após essa análise é possível perceber as intenções do conteúdo da série de reportagens e como foi construída. Há uma intenção de defesa da ciência. Mas no contexto da desinformação, percebe-se que dar voz ao discurso científico não tem sido o suficiente para o combate à desinformação. Porém, não acreditamos que seja o caso de desistir dessa defesa, mas sim de pensar formas de engajamento da sociedade na construção do processo científico. É aí que retomamos a fala de Castelfranchi [2008] dita anteriormente: a comunicação pública da ciência é uma parte que não podemos mais abster da produção científica.

8 Conclusões

A ciência, durante a modernidade, foi tomada como verdade, baseada em ideais modernos e iluministas. No entanto, hoje ela disputa espaços com outros saberes e verdades. Isso também ocorre com o jornalismo. Como então disputar espaço na arena virtual com outros modelos existenciais? O que o Jornal UFG propõe na série Bastidores da Ciência é uma narrativa de forma a mostrar como a ciência é feita e não apenas os resultados de uma pesquisa. É mostrar a teia de contribuições de governo, agências de fomento, empresas e, principalmente, pesquisadores de áreas distintas para produzir um conhecimento que permitiu ao mundo algumas saídas para a crise sanitária da covid-19.

A série, como o nome sugere, mostra o que há “por trás” do saber construído dentro da universidade e que, apesar de ainda existir no imaginário da sociedade a imagem estereotipada sobre a universidade como instituição isolada, seu conhecimento produzido só existe porque ela está vinculada ao social. Daí a importância em destacar nas matérias o trabalho em equipe, bem como a busca desinteressada pelo bem da sociedade, valores destacados pelos teóricos que apresentamos nesse artigo.

A pandemia evidenciou o papel social da instituição universitária. Com a conjuntura do governo em que essas instituições vinham sendo criticadas como locais em que muito se gasta e pouco se produz, em que estudantes estariam ocupados com “balbúrdias” e não com aprender. A pandemia trouxe uma oportunidade única de mostrar o papel das redes de produção de conhecimento, dando resultados rápidos a um problema social.

Obviamente os ataques a essas instituições não cessaram durante a pandemia. O ataque ao estudo do Grupo de Modelagem foi claramente uma defesa de um ponto de vista econômico, de um grupo que se viu afetado pela decisão de fechamento do comércio [Rezio & Silva, 2020]. Culpar um estudo da universidade, não só protegia o apoio político ao governo estadual, como atacava a instituição que é um símbolo importante questionado pelos grupos de extrema direita no país. A “balbúrdia”, que é um argumento comum em campanhas de desinformação contra a universidade, nada mais é do que um “falso contexto”. Um julgamento moral e não objetivo contra a reflexão produzida dentro destas instituições.

Enquanto as soluções propostas pela universidade ao governo não interferiam no poder econômico, não houve ataques a essas instituições, posto que estavam atendendo a interesses como a descoberta de alternativas para a saída da pandemia: produção de equipamentos de proteção individual que se esgotaram no mercado; atendimento médico que o mercado não foi capaz de suprir; bem como testagens, conserto de respiradores e criação de testes mais eficientes. A universidade supriu o mercado em um momento em que a demanda cresceu vertiginosamente e deu respostas científicas à pandemia.

A defesa da universidade cessa quando a ciência confronta o preço dos ganhos econômicos de curto prazo, criando a problemática ideia de que havia uma escolha a ser feita: economia ou saúde. A escolha naquele momento por parte do governo era mais ampla e implicava tanto a economia quanto a saúde: era preciso frear a economia no curto prazo para que houvesse capacidade de atendimento nos hospitais, evitando mortes e maiores prejuízos, não só sociais, mas também econômicos no longo prazo [Rezio & Silva, 2020].

Durante a pandemia, é notório o papel e o reconhecimento que as universidades tiveram. Isso ficou claro tanto na imprensa como no crescimento da busca por parcerias de pesquisa, bem como na informação produzida nessas instituições. Prova disso foi o crescimento do número de acessos ao Jornal UFG durante a pandemia [Secretaria de comunicação, 2020], uma fonte confiável de informação que partia de uma universidade, instituição produtora de conhecimento baseado em ciência.

Recuero destaca que o papel do jornalismo não é mais o de dar a notícia, mas de “legitimar e aprofundar informações, ancorado em sua credibilidade e papel social” [Recuero, 2011, p. 3]. Oliveira [2020] por sua vez ressalta que não se pode deixar que o impacto social da ciência seja medido por sua relação com a mídia ou circulação nas redes sociais e que a melhor forma é estabelecer diálogos com quem é afetado pelas disputas sobre a informação.

Como ressaltamos, não há respostas simples para questões complexas, mas analisando o caminho ocupado pela desinformação, de se fazer presente nas redes e de utilizar a emoção para cooptar adeptos, o que podemos avaliar é que instituições como a universidade, que tem como missão produzir o conhecimento e transformar a sociedade, precisam produzir conteúdo como o apresentado na série Bastidores da Ciência. Vale a pena investir em conteúdo jornalístico e científico de qualidade e, por outro lado, aprender a utilizar as ferramentas do “inimigo” para angariar mais pessoas na defesa da ciência e das instituições.

Se em dado momento a universidade foi considerada uma “torre de marfim”, isolada da sociedade para a produção de ciência, fica cada vez mais claro que ela não só não o é, como só se mantém dentro de uma rede de colaboração social, econômica e política. E uma dessas ferramentas é justamente a divulgação da ciência, seja por pessoas envolvidas com o tema, sejam veículos institucionais das universidades, cientistas, divulgadores de ciência ou pessoas que acreditam na ciência como verdade. Se não é possível dominar a arena pública, é possível ocupar espaços e, assim, evitar que os vazios sejam ocupados pela desinformação.

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Autores

Kharen Stecca é Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e jornalista da Secretaria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG).
E-mail: kharen@ufg.br

Luiz Felipe Fernandes Neves é doutor em Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e jornalista da Secretaria de Comunicação da UFG.
E-mail: luiz.felipe@ufg.br

Tiago Mainieri é Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP com sanduíche na University of Florida e Universitat Autónoma de Barcelona, pesquisador e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (mestrado e doutorado) da Universidade Federal de Goiás.
E-mail: tiagomainieri@ufg.br

Notas