1 Introdução

Os novos circuitos de consumo de notícias e trocas informativas consolidados pelo amplo uso de plataformas digitais e aplicativos de mensagens têm se mostrado um desafio sem precedentes para quem trabalha e pesquisa a comunicação. Reconhecidos seus potenciais para ampliação de vozes silenciadas e aumento da diversidade de representações de posições na discussão pública, a disseminação de informações que circulam nas redes sociais virtuais também trouxe como efeitos a ampliação da crise de credibilidade desses media e dos atores institucionais, que são recorrentemente contraditos, questionados e desconsiderados, gerando um cenário de incerteza perene em relação à veracidade dos fatos e dos conteúdos compartilhados a todo instante.

Essa transformação digital apresenta oportunidades e desafios para pesquisadores da área de comunicação, pois parece claro que novos assuntos e habilidades devem ser incorporados, como análise de dados, infográficos, jornalismo de dados, distribuição através de redes sociais, novos formatos audiovisuais, marketing de conteúdo etc. A componente científica da informação torna-se relevante face a problemas que têm afetado a sociedade como um todo, que perpassa, prioritariamente, ao combate à desinformação, exigindo da ciência uma ligação com a sociedade, ora direta, ora mediada por profissionais da mídia.

No mundo hiperconectado em tempo real, publicações das grandes corporações, de especialistas e de instituições dos campos da ciência circulam nas plataformas digitais, segundo lógicas algorítmicas, em paralelo a opiniões de indivíduos baseadas em suas experiências pessoais e profissionais. Essa pluralidade enunciativa marca um cenário de complexidade singular, próprio de sociedades midiatizadas, e faz das apropriações midiáticas frentes decisivas para este enfrentamento.

São digressões iniciais que norteiam a proposta deste trabalho, que pretende abordar as diferentes dimensões e desafios de se estabelecer estratégias de comunicação organizacional em universidades públicas no contexto midiatizado. Comunicar o conhecimento científico a públicos alargados é o grande desafio do quão complexo é o entendimento de ‘ciência’, tanto quanto o de ‘fazer ciência’. O fazer científico produz como resultado um conhecimento científico, que se acumula com o tempo. Descobertas, modelos e métodos tendem às mudanças, que são as inevitáveis adaptações ou reedições teóricas, incrementos, avanços, ou mesmo mudanças bruscas de paradigmas; e a sociedade que, por sua vez, é o grande termômetro para o seu desenvolvimento.

Um momento como o de uma pandemia é de crise, mas também pode ser de reflexão. O surgimento da doença, conhecida como “Novo Coronavírus”; e o estado de alerta mundial nos convidam à reflexão sobre o papel da ciência na sociedade, diante do relativo subdesenvolvimento e pouco crédito que a ciência recebe no Brasil.

Uma preocupação que levou a Revista The Lancet, uma das mais prestigiadas e conceituadas do mundo, a publicar um editorial retratando o contexto brasileiro. Na edição de 09 de maio de 2020, o texto “COVID-19 in Brazil: “So what?”, uma referência a uma resposta do então presidente da República Jair Bolsonaro (PL) à pergunta de um repórter sobre o grande número de casos de infectados e mortos no Brasil “E daí? O que você quer que eu faça?” [The Lancet editorial board, 2020, p. 1461, tradução nossa]. No texto, a revista defende a necessidade de um posicionamento das entidades representativas da ciência contra a postura negacionista do chefe do executivo e clamam por mais investimentos na área.

Muitas organizações científicas, tais como a Academia Brasileira de Ciências e ABRASCO, têm se oposto firmemente a Bolsonaro por causa de duros cortes no orçamento para a ciência e um desmantelamento geral da seguridade social e serviços públicos. No contexto da COVID-19, muitas organizações têm lançado manifestos direcionados ao público, como o Pacto pela Vida e pelo Brasil, e feito declarações escritas e apelos aos membros do governo clamando por unidade e soluções em conjunto. Panelaços de janelas como protesto durante pronunciamentos presidenciais acontecem com muita frequência. Há muita pesquisa em andamento, da ciência básica à epidemiologia, e há uma dinâmica produção de equipamento de proteção pessoal, respiradores e kits para exames. [The Lancet editorial board, 2020, p. 1461, tradução nossa]

Nesse sentido, uma das vozes institucionais mais representativas neste quesito são as universidades. Segundo o relatório da empresa Clarivate Analytics [Escobar, 2019] quinze instituições de ensino superior — todas elas públicas — produzem mais da metade da ciência brasileira. São para elas que nossos olhares analíticos se voltam neste trabalho.

Sendo as universidades locais que prestam serviços de atendimento à comunidade, nas diversas áreas do saber, e oferecem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, quais as representações que delas emergem na sociedade? Segundo Wanderley [1988, p. 15], “é um lugar — mas não só ela — privilegiado para conhecer a cultura universal e as várias ciências, para criar e divulgar o saber, mas deve buscar uma identidade própria e uma adequação à realidade nacional”.

Marcovitch [1998, p. 23] complementa que “a universidade tem ainda o papel de formar a cidadania. Cabe-lhe, e talvez seja essa a sua principal função, desenvolver a inquietude do ser social”. Com essas reflexões, podemos dizer que as universidades são organizações sociais, inseridas em um contexto de agentes que influenciam e que são influenciados no campo de sua atuação. A universidade ao mesmo tempo em que tem como missão a transformação da sociedade, é também um espelho de como essa mesma sociedade se constitui.

Tais prerrogativas ganham corpo quando se verifica um debate atual e em aberto sobre o crescente processo de midiatização da sociedade, já que a mídia hoje está disseminada no cotidiano dos indivíduos, alterando a lógica de funcionamento social. Hjarvard [2014], que trabalha nessa perspectiva, afirma que não se pode tratar a mídia como uma instituição separada das demais, como a cultura, a família e a religião. Para o autor, deve-se tentar entender as maneiras pelas quais as instituições sociais e os processos culturais mudaram de caráter, função e estrutura, a fim de se adaptarem a lógica midiática, tendo em vista que a mídia se tornou parte integral do funcionamento das instituições.

2 O papel das universidades no proceso de divulgação científica

Iniciativas de divulgação científica tentam esclarecer, com argumentos baseados em métodos, experimentos e observações com uso de dados, o que pode ocorrer nas dinâmicas da vida cotidiana. Ao aproximar sociedade e ciência, essas ações somam esforços que podem contribuir, entre outros aspectos, para informar sobre riscos e formas de combater problemas na área de saúde pública, por exemplo, uma vez que a comunicação pública da ciência tem o papel de situar um país no mundo contemporâneo [Fayard, 1999].

O objetivo da divulgação científica, portanto, "deve ser trabalhar para que todos os membros da nossa sociedade passem a ter uma melhor compreensão não só dos resultados da pesquisa científica, mas da própria natureza da atividade científica"[Lévy-Leblond, 1992, p. 43].

Segundo Bueno [2010, p. 2], divulgação científica é uma atividade que utiliza “recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais) para a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo”. De acordo com o autor, a função da divulgação científica é transmitir o conhecimento científico para um público amplo, com o intuito de democratizar as informações e descobertas produzidas nos laboratórios de pesquisa. Desde o surgimento dos primeiros periódicos científicos em 1665, a comunicação da ciência ocorre de forma concomitante aos meios de comunicação, adaptando-se às inovações tecnológicas que foram surgindo ao longo dos anos.

O acesso facilitado das pessoas às novas tecnologias trouxe diversas mudanças no comportamento da sociedade. Dentre as transformações está o maior acesso à informação e a facilidade de comunicação, o que proporcionou ampliar a possibilidade de expressão e socialização. Essa realidade tem reflexos diretos no processo de formação e exercício nas relações de poder que são construídas e desafiadas em todas as áreas de prática social. Tais práticas, segundo Castells [2015], exigem uma compreensão da especificidade das formas e processos de comunicação socializadas a partir de uma rede horizontal de comunicação, que o autor classifica como autocomunicação de massa.

Essas redes horizontais possibilitam o surgimento daquilo que chamo de autocomunicação de massa, que definitivamente amplia a autonomia dos sujeitos comunicantes em relação às corporações de comunicação, à medida que os usuários passam a ser tanto emissores, quanto receptores de mensagens. [Castells, 2015, p. 22]

De acordo com De Grandi e Flores [2020], por meio das mídias, os periódicos científicos enxergam a oportunidade de aumentar a sua visibilidade dentro da comunidade científica e entre outros públicos. Bueno [2010, p. 5] acrescenta que a divulgação científica cumpre duas funções primordiais:

[…] democratizar o acesso ao conhecimento científico e estabelecer condições para a chamada alfabetização científica. Contribui, portanto, para incluir os cidadãos no debate sobre temas especializados e que podem impactar sua vida e seu trabalho, a exemplo de transgênicos, células tronco, mudanças climáticas, energias renováveis e outros itens.

Considerando a informação como uma necessidade social, sendo a Internet uma ferramenta potente para o acesso aos mais variados tipos de informação, Brüggemann, Lörcher e Walter [2020] pontuam que a ascensão das mídias digitais engajou uma multidão de vozes na comunicação científica, além de jornalistas e cientistas. A situação de emergência em saúde pública provocada pela pandemia de Covid-19 é um dos cenários que deixa evidente a necessidade de os cidadãos acompanharem as informações científicas para que possam decidir sobre o melhor comportamento a adotar, por exemplo, com as práticas de prevenção ou sobre quais medidas políticas defender diante das discussões na esfera pública.

Segundo Perini-Santos [2022], o surgimento do novo vírus exigiu um grande esforço de conhecimento, mas era ainda mais necessário que a sociedade estabelecesse uma relação de confiança nas instituições.

Neste domínio, os resultados foram extraordinários — desde o sequenciamento do genoma do coronavírus à produção da vacina, o conhecimento científico avançou de maneira extraordinariamente rápida. Este avanço também ocorreu no Brasil, nos institutos de pesquisa e universidades que são, hoje, diretamente atacadas pelo governo e cujo orçamento cai de maneira assustadora. Mas, como vimos, junto com o conhecimento, vem também a exigência da confiança. Quanto mais nossas ações coletivas demandam um conhecimento científico, mais elas pedem a confiança em instituições que os produzem. [Perini-Santos, 2022, p. 12]

É nesta dicotomia que o problema está centrado, segundo Santos: a pandemia nos exige mais confiança, ao mesmo tempo em que ela cria um ambiente de profunda desconfiança, cujo conflito é exposto no negacionismo científico. “Como se não bastasse esta dificuldade, por razões que decorrem em parte desta mesma dinâmica, o Brasil tem um governo que trabalha ativamente contra instituições que produzem o conhecimento” [Perini-Santos, 2022, p. 13].

Traduzindo este problema em termos epistêmicos, a crise de confiança interfere na aceitação das mediações necessárias para todo conhecimento, o que afeta diretamente as instituições científicas. Mafra [2016] chama atenção para uma crise da ciência, presente nos ambientes democráticos atuais e que pressiona por novos modos de interação com a sociedade. O questionamento do ethos científico leva à necessidade de se repensar o lugar da comunicação organizacional nas instituições científicas, já que elas são chamadas ao diálogo público e há a emergência de grupos sociais que entendem a comunicação organizacional como um direito, um imperativo prático na democracia.

Isso demanda a formulação de políticas de comunicação organizacional que ultrapassem o olhar estratégico e se comprometam em dar respostas às reivindicações públicas de participação. Mafra [2016, p. 171] acredita ser possível o desenvolvimento de políticas de comunicação da ciência que conciliem o “interesse público e o múltiplo conjunto de interesses existentes no complexo das instituições científicas”, acolhendo o diálogo. O cenário organizacional é tenso e controverso, mas deve ter por horizonte normativo os contextos democráticos.

A mais importante forma de comunicação de uma universidade — o caminho por excelência para que a universidade não seja calada, escanteada e irrelevante para a sociedade — é seu jornalismo próprio, “oficial”. Não “oficial” no sentido de apenas publicar no papel ou nas telas […] aquilo que agrada seus “oficiais”, seus dirigentes acadêmicos, aquilo que é pré-aprovado, não incomoda e de preferência promove carreiras individuais em cargos diretivos — […]. O jornalismo oficial deve ser oficial porque consolida, enraíza, “constitucionaliza”, “oficializa” na Universidade um princípio simples, mas potentíssimo: se a Universidade é a casa do conhecimento, da pesquisa, da dúvida metódica, da troca e também do embate (civil e respeitoso) de ideias, então sua comunicação por excelência é a jornalística, a que questiona, relativiza, contextualiza e põe às claras as diferenças de opinião, sem impedimentos ou interdições. [Muniz, 2018, p. 41]

A discussão sobre o papel estratégico dos órgãos de comunicação das universidades públicas brasileiras se torna ainda mais evidente quando se verifica a quantidade de falsas verdades, desinformação, informação enganosa ou errónea, sob uma infinidade de formas e disfarces no que é mais conhecido por fake News [Forbes & Mintz, 2002]. Santaella [2019] afirma que não se trata de um fenômeno relativamente novo, o conceito que se refere ao propósito de enganar é na verdade, bem antigo. Porém, a emergência da internet, bem como o uso crescente das redes sociais, potencializaram as notícias falsas, amplificando os riscos da divulgação do conhecimento científico e a crescente onda de movimientos negacionistas.

3 Desinformação e movimentos negacionistas

O processo de desinformação, de fake news e do negacionismo tem sido construído sob a forma de rizoma [Deleuze & Guattari, 2017] e, portanto, tem se valido da dinâmica frenética, da capacidade de conexão em dimensões multilaterais que a vida em rede oferece. “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” [p. 46]. Os três fenômenos podem vir à luz a partir de intenções independentes, mas podem, igualmente, ser potencializados e agir conjuntamente, de maneira interdependente.

Os efeitos proporcionados pelas características inerentes da vida em rede digital, como o imediatismo e a capilaridade, têm contribuído para expandir o espectro de estrago na confluência desses três fenômenos e sua relevância como risco à democracia. Assemelham-se, portanto, às características de um rizoma que encontram na configuração da rede digital um perfeito habitat: é no meio dele em que as coisas adquirem velocidade e um rizoma é unicamente aliança [Deleuze & Guattari, 2017].

A desinformação teria como propósito a alienação da população, com o intuito de manter projetos de dominação política, ideológica ou cultural. O engano proposital, por sua vez, assume o formato de informações que circulam com o propósito de enganar alguém, ou seja, trata-se de um ato deliberado para induzir ao erro.

Um dos empreendimentos de definição e categorização está no trabalho de Wardle e Derakhshan [2017]. Num quadro nomeado como “Information Disorder”, os autores buscam categorizar conteúdos de desinformação. Na categoria (a) misinformation, ou informação incorreta/imprecisa, estão as mensagens falsas e incorretas que não possuem a intenção de causar um dano a terceiros; em (b) “malinformation”, ou má informação, estão aquelas com base na realidade, mas que se constituem através de assédios, vazamentos e discursos de ódio com a finalidade de causar algum dano; na categoria (c) disinformation, ou desinformação, estão informações totalmente falsas e produzidas deliberadamente para prejudicar um indivíduo ou grupo social.

No contexto da crise sanitária enfrentada em virtude da pandemia do coronavírus, a sociedade tem se visto desafiada com a disseminação de notícias falsas que circulam em larga escala. Circunstância que pode ser creditada, em parte, ao crescimento do movimento anticiência. Albuquerque e Quinan [2019] apontam que os movimentos negacionistas já existem a um longo tempo e em partes eram influenciados pelo literalismo bíblico, notadamente a International Flat Earth Society fundada em 1956.

Os autores apontam que a sociedade midiatizada amplificou a voz dessa onda negacionista, que ganhou novo fôlego, aproveitando as oportunidades tecnológicas para propagar teorias conspiratórias, apoiada em recursos da pseudociência e do anti-intelectualismo. A pseudociência pode ser descrita como toda atividade voltada a tentativa de afirmar e/ou comprovar algo, sem o devido uso do método científico. Carl Sagan [1996] descreve que as teorias evocadas pela pseudociência supõem um tratamento científico, mas se apoiam em informações insuficientes ou ignoram pistas que indicam outro caminho. Os defensores da pseudoteoria são movidos pela ambição de apresentar uma teoria ou afirmação própria, sendo que a rejeição à ciência não é tida como objetivo principal, mas apenas um meio de promover suas convicções.

Já em relação ao anti-intelectualismo, definido por Merkley e Loewen [2021] como a suspeição e desconfiança generalizada nos intelectuais e especialistas, que se formalizam por meio do distanciamento ao meio acadêmico, os fundamentos são distintos. Os autores estabelecem algumas motivações ligadas ao anti-intelectualismo, entre as quais o desacordo entre a posição de especialistas e a autoridade religiosa; a resistência a novas tecnologias e ao progresso humano, nutridas por um sentimento saudosista ou mesmo aqueles que identificam no conhecimento prático e no bom senso um valor superior a educação e o pensamento crítico.

O descrédito em relação ao conhecimento científico também está associado, segundo apontam Albuquerque e Quinan [2019], a uma crise democrática de escala global que se traduz de modo mais abrangente em uma crise epistemológica, resultando na perda da confiança nas instituições fundamentais, entre elas a ciência. No contexto da pandemia da Covid-19, tais digressões retratam uma situação dicotômica: ao mesmo tempo em que a ciência é provocada a dar respostas rápidas ao enfrentamento da doença, o campo científico se vê questionado.

Assim, a negação da ciência tem se mostrado como o caráter mais nefasto da era da desinformação [Santaella, 2019]. Entendido como um fenômeno mundial, os negacionistas atualmente se dividem em distintas vertentes: aqueles que negam o Holocausto, os crimes cometidos durante Ditaduras Militares, os que contestam os efeitos do Aquecimento Global, os terraplanistas, os que aderem ao movimento antivacinação, entre outros que alcançaram visibilidade com a consolidação da internet e das redes sociais. Pelo visto, as narrativas em torno da pandemia do coronavírus também constituíram objeto de interesse dos negacionistas.

As questões sobre o Coronavírus estão marcadamente presentes nos diálogos e interações do ambiente digital na atualidade e neste espaço houve quem desacreditasse da ciência, desvalorizasse os investimentos em pesquisa e o esforço de universidades e outras instituições de tentar identificar, esclarecer e apontar caminhos para que se enfrente o problema.

O Brasil é considerado um dos países com maior produção, circulação e consumo de notícias falsas do mundo [Gorgulho, 2018]. Sabe-se, porém, que não se pode considerar apenas os aspectos da infraestrutura digital como características da desordem informacional que circula no espaço virtual. É nesse contexto no qual pessoas e organizações afloram em busca de representatividade, contestação e visibilidade, que vamos refletir no próximo tópico, na tentativa de compreender as estratégias adotadas por instituições representativas da ciência para dar respostas às solicitações e desafios que lhes são constantemente colocadas.

4 Metodologia e corpus de análise

Com o objetivo de materializar as discussões feitas até aqui, recorremos a estudos recentes que versam sobre as iniciativas de comunicação da ciência, em particular as que focam a problemática a partir das ações empreendidas no âmbito das universidades e as apropriações midiáticas possibilitadas pelo avanço das tecnologias digitais. Utilizaremos uma abordagem quali-quantitativa, tendo como método de coleta a pesquisa bibliográfica que, de acordo com Gil [2002], se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto e apresenta um resultado descritivo e analítico.

[…]a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvida quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas. [Gil, 2002, p. 44]

Fizemos uma busca sistemática nos anais dos cinco últimos anos de realização do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), de 2018 a 2022, em particular no Grupo de Pesquisa “Comunicação, Divulgação Científica, Saúde e Meio Ambiente” [Intercom, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022b]. Esta escolha se justifica pelo fato de o evento ser o de maior porte da área no país e por ser o único, até então, a disponibilizar um grupo específico para este fim. Na ementa do grupo, constam as seguintes especificações:

Diferentes perspectivas teóricas, metodológicas e práticas sociais da Comunicação relacionadas à divulgação científica, à saúde e ao meio ambiente, atravessadas pelos processos de midiatização e dataficação, movimentos negacionistas, crises sanitárias, ambientais e debates sobre gênero, raça e classe. Representações midiáticas e construções do imaginário social sobre saúde, ciências e meio ambiente. Compreensão do ethos e formação de comunicadores e cientistas. Difusão e apropriação da cultura científica, moralidades, posicionamentos políticos vigentes, divulgação de políticas públicas de CT&I, saúde e meio ambiente. Saberes tradicionais e decoloniais, comunidades epistêmicas, novas formas de autoridade e seus embates com o discurso científico. Intervenções no corpo, dispositivos tecnológicos, concepções de risco, biopolítica; novos coletivos e ativismos em contextos midiáticos. [Intercom, 2022a]

É impotante destacar que a partir de 2023, além deste evento acadêmico que ora estudamos, outro importante espaço de reunião de pesquisadores vai contar, também, com um grupo específico para discussão da comunicação da ciência, o que demonstra a importância de se discutir a temática e icentivar a participaçãos de pesquisadores: o encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). A decisão foi tomada a partir do processo de reclivagem dos grupos de pesquisa, que definiu o GT Comunicação da Ciência e Políticas Científicas para o quadriênio 2023/2026 [Compós, 2022].

Procedemos com a leitura de todos os artigos, de forma a mapear os objetos de estudo, as discussões teóricas apresentadas, as mídias exploradas e as contribuições para o campo. Assim, em um universo de 175 artigos publicados, apenas 12 tiveram como tema central aparatos midiáticos utilizados por universidades públicas para comunicar sua ciência, a saber:

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Tabela 1: Relação dos artigos. Autor: Elaboração própria.

5 Apropriações midiáticas para difusão da ciência

Ao considerar este resultado quantitativo, já podemos inferir, a princípio, que há uma lacuna do conhecimento que pode ser explorada por pesquisadores do campo da comunicação, bem como de outras áreas, de modo a promover um diálogo interdisciplinar para que seja possível aprofundar a compreensão da comunicação da ciência, quer do diagnóstico atual, quer das estratégias futuras. O que sugerimos aqui é um ponto de partida para orientar ações articuladas que possam fortalecer os estudos a partir das ações empreendidas por universidades e, ao mesmo tempo, direcioná-las para cumprir a missão social que dela se espera, num país com as características e dimensão que temos.

Dos 12 artigos mapeados, seis versam sobre uma análise macro, através de estudos que abragem todo o contexto organizacional de universidades, implicando em ações que podem contribuir para sua legitimação e representatividade no imaginário social. O uso de redes sociais é problematizada em dois destes trabalhos, sendo um deles abordando o contexto pandêmico.

Dois trabalhos traçam um panorama comparativo entre a comunicação pública da ciência praticada no Brasil e no Canadá, a partir de um estudo de caso com dados extraídos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Universidade de Ottawa (ON). Em 2018, o estudo foi apresentado de forma preliminar e no ano seguinte, com os dados consolidados, indicou que os países apresentavam discrepâncias relacionadas à cultura da divulgação, em especial aos marcos regulatórios governamentais, estando as iniciativas canadenses em um patamar que privilegia a alfabetização científica, estando a sociedade mais esclarecida e envolvida nas ações. A realidade brasileira demonstra um esforço que contempla um número maior de ações extensionistas que visam a valorização do campo, porém, não se constata um envolvimento efetivo do público.

As pesquisas também apontam para a necessidade de se formular estratégias em redes sociais virtuais, dada a constatação pela Fiocruz [ENSP, 2021] indicando serem estes os locais onde se dissemina a maior parte de notícias incorretas.Ao analisar fanpages de universidades públicas localizadas no estado de Minas Gerais, Farnese [2020] mensura o “core” comunicativo dessas instituições, ao analisar as postagens na plataforma, traçando o perfil que cada uma delas pretendeu em suas páginas, tendo em vista suas diversas funcionalidades. Tal estudo mostra que a depender da decisão estratégica dos órgãos de comunicação, os veículos podem ser utilizados como instrumentos politicos, relegando a comunicação da ciência a um patamar coadjuvante.

A UFMG se destacou ao priorizar em suas postagens a produção acadêmica, trazendo respostas às demandas da sociedade, publicando não apenas o desenvolvimento de pesquisas, como, também, os seus resultados e os impactos que podem trazer no cotidiano das pessoas. Já a UFV, chamou atenção o tom institucional que a página parece adotar, com a incidência de várias mensagens que tratam de medidas gerenciais personificadas na figura da atual reitora. A UFJF teve como premissa proporcionar condições para que os estudantes possam melhorar a qualidade de seus estudos, porém, acreditamos que a universidade falha em não dar visibilidade, também, às suas pesquisas. [Farnese, 2020]

Destacam-se os trabalhos produzidos a partir das ações empreendidas pela Universidade de São Paulo (USP) que, segundo o relatório da empresa Clarivate Analytics [Escobar, 2019], é a instituição que mais produz pesquisa no Brasil. A partir da análise da fanpage da Universidade de São Paulo (USP) foi possível verificar o esforço de se fazer reverberar as vozes da ciência, tendo como diferencial a adoção de uma linguagem mais coloquial, informal e acessível a todos, estando a instituição imbuída na função de “traduzir” a complexidade do fazer científico e as descobertas mais recentes devidamente comprovadas.

De acordo com Farnese [2021], o Facebook da USP funcionaria como uma espécie de “isca’, ao despertar o interesse do público para acessar informações de seu interesse de forma aprofundada e detalhada em outros veículos institucionais, como TV USP, Jornal USP, Rádio USP e portal de internet:

Percebe-se, portanto, que a comunicação da ciência estabelecida pela USP em sua fanpage empreende um esforço comunicacional com a utilização de diversos recursos possibilitados pelo meio midiático, indispensáveis ao processo de divulgação ao transmitir o conhecimento científico para um público amplo, com o intuito de democratizar as informações e descobertas produzidas nos laboratórios de pesquisa. [Farnese, 2021, p. 11]

A USP também foi tema de um outro trabalho com foco em seu canal no Youtube. O artigo foi elaborado a partir de uma entrevista semiestruturada feita com os responsáveis pelo veículo e mostra como o conteúdo audiovisual tem como diferencial a utilização de recursos como animações, cortes, sobreposição de imagens e dos efeitos de sonoplastia na edição, possibilitando a disseminação de mensagens que sejam mais receptivas para o público. Tal empreendimento, segundo os entrevistados, foram fundamentais para estabelecer uma conexão com o público, principalmente durante a pandemia.

Pela questão ética, faz parte da missão da Universidade tornar acessível a um público mais amplo o conhecimento e a inovação que produz. A democratização do saber deve ser uma das prioridades da Universidade, dá visibilidade à instituição e é também uma forma de prestação de contas à sociedade que a mantém, orientando-se pelo princípio da transparência. [Tôzo, 2020, p. 10]

Um outro trabalho faz uma análise a partir das ações de comunicação implementadas na Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade estadual de Londrina (UEL). A partir de entrevistas com os jornalistas lotados nos órgãos oficiais dessas instituições, Tôzo [2022] fez as seguintes reflexões: “como pode haver um movimento organizado com forte repercussão social que desqualifique o papel da universidade pública, das pesquisas, da Ciência, do jornalismo? Deve haver alguma coisa “errada”. Será que as universidades estão se comunicando adequadamente com a sociedade? E por que universidades públicas?” [p. 8].

É importante identificar o papel do jornalismo científico produzido nas universidades públicas e como isso se torna um agente da valorização da Ciência, em especial, no combate às desinformações sobre a universidade, educação, pesquisas e a própria ciência. A universidade fala com quem? Ela tem conseguido transpor os muros? De que forma isso tem sido feito? A importância de a universidade produzir seu próprio jornalismo científico é que se ela não fizer isso, a informação não chega para um público diverso. [Tôzo, 2022, p. 6]

Outros seis trabalhos abordam iniciativas que extrapolam o ambiente de comunicação organizacional de universidades e destacam iniciativas feitas por grupos de pesquisas. Um destes artigos faz uma análise dos impactos do uso da plataforma “Covid por CEP”. Criada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disponibiliza dados epidêmicos da cidade do Rio de Janeiro em tempo real, possibilitando que comunicadores comunitários possam desenvolver estratégias junto às comunidades mais vulneráveis e com alto índice de contágio, para conscientizar essas populações sobre os cuidados necessários para evitar a doença.

De acordo com Seto e Mensetier [2021, p. 9], através de entrevistas semiestruturadas com os comunicadores, o acesso à plataforma “demonstra que foi possível produzir uma contravisualidade cidadã que ampliou significativamente o alcance de dados oficiais sobre a pandemia, a partir de uma interface construída em diálogo e priorizando as demandas de representações da sociedade civil”.

As parcerias estabelecidas por universidades públicas na implantação de projetos que visam a conscientização de temáticas caras à sociedade também são problematizadas, demonstrando como ações de comunicação pública são consideradas decisivas para a efetividade das ações. Um artigo publicado no Congresso em 2019 analisou as campanhas publicitárias do Programa Municipal de DST/Aids, da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, desenvolvidas por alunos do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Metodista de São Paulo. “Como apontam os resultados dessa pesquisa, as parcerias também podem ser estratégicas para ampliar o acesso à informação, promover a comunicação pública com a participação social e, consequentemente, para manter ou mudar comportamentos que visem melhores resultados de saúde” [Pássaro & Abbate, 2019].

É preciso considerar que a universidade existe para produzir conhecimento, gerar pensamento crítico, organizar e articular os saberes, formar cidadãos, profissionais e lideranças intelectuais. Entendemos que há inúmeras linhas de investigação a seguir, portanto, não temos como meta apresentar todas as possibilidades, mas, sim, ser um ponto de partida para outras pesquisas que desejam investigar as potencialidades de implementação de estratégias de comunicação pública da ciência.

6 Discussões

De uma maneira geral, o conteúdo analítico abordado em nosso recorte se mostrou diverso, mas o aporte teórico que subsidiou as discussões de todos os trabalhos foram convergentes em três pontos: a reflexão sobre os efeitos nocivos da desinformação e de movimentos negacionistas e anticiência, podendo afetar profundamente todos os aspectos da vida; e a centralidade do aparato midiático que dita o comportamento social; e a necessiade de se pensar de maneira estratégica a comunicação da ciência.

Uma realidade que se transformou numa situação endêmica e demanda um olhar e combate sistêmico. Nos trabalhos que apresentamos, foi possível verificar a conjunção de alguns fatores que tem contribuído para a força do processo de desinformação: a configuração das redes digitais, a possibilidade de exploração dos recursos tecnológicos dentro do universo narrativo para alcançar audiências gerais ou delimitadas por bolhas e a crise de confiança sofrida por instituições como a imprensa e a ciência. Não se trata de fatores exclusivamente estanques, mas que têm capacidade de agir de forma simultânea e confluente.

A configuração das redes sociais digitais pode encabeçar a lista de fatores por conta da reconfiguração causada por elas na sociedade como um todo — do seu imediatismo, da capilaridade e da capacidade de atingir audiências gigantescas, diversas ou limitadas por bolhas, e, mais recentemente, da atuação dos não humanos como agentes comunicacionais, bots e algoritmos, por exemplo.

A desinformação é um problema sério durante a pandemia de COVID-19, com muitas notícias falsas sendo disseminadas on-line e nas mídias sociais. Algumas das informações desinformadas incluem curas falsas para o vírus, teorias da conspiração a respeito de sua origem, mitos sobre transmissão e efeitos colaterais de vacinas, dentre outros. A desinformação pode levar a comportamentos irresponsáveis, como a rejeição de medidas de saúde pública recomendadas e a manipulação de notícias falsas que podem causar pânico e confusão. Além disso, pode dificultar o controle da pandemia e prolongar a duração da crise.

Todo este contexto trouxe a Ciência e as universidades para o centro do debate. Enquanto as redes sociais foram contaminadas por informações falsas, replicadas massivamente, instituições públicas, principalmente de pesquisa ou ensino, precisaram lançar mão de mecanismos que demonstrassem seu reconhecimento científico e suas ações nesse sentido.

Um relatório produzido pela agência Clarivate Report, em 2019, a pedido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foram apresentados os números referentes à produção científica no Brasil entre 2013 e 2018, e esses dados revelam não só uma forte relação das Universidades Públicas com a produção científica nacional, como também um aumento de 30% na publicação de artigos científicos nesse período. Só para se ter ideia dessa importãncia, 60% de toda a pesquisa do Brasil estão concentradas em 15 instituições de ensino federais e estaduais [Web of science group, 2019].

A divulgação científica se manifesta como uma ferramenta importante para o futuro da sociedade brasileira que, assim como muitas outras, tem a ciência como um alicerce importante de suas instituições, mas que se encontra ameaçada por ter se distanciado do público comum. Portanto, sua relevância é evidente e o seu uso deve ser aprimorado, para que possa exercer sua função de forma eficiente.

Os comunicadores devem considerar emparelhar evidências científicas com histórias que falem e estimulem a reflexão sobre crenças e valores do público, pois quando o leitor reflete sobre as causas de suas crenças equivocadas, há uma maior possibilidade de revisá-las. As estratégias de relacionamento das universidades públicas devem ser pautadas na elaboração de mensagens de modo a fornecer uma explicação coerente que descreva o que realmente aconteceu e por que aconteceu, estabelecendo uma aproximação junto aos seus mais diversos públicos, tanto na forma, quanto no conteúdo.

De acordo com Farnese [2021] as universidades têm a missão de acompanhar e promover o progresso das sociedades, através do conhecimento e investigação que produzem. Este protagonismo assume particular relevância na atualidade, num momento pandêmico em que as expectativas face à sua atuação crescem e os públicos se diversificam. E, quando bem planeada e articulada com as demandas sociais, a comunicação pode ajudar as universidades a cumprir a sua missão social, gerando valor para si. Torna-se, portanto, necessário entender o contexto no qual as visões de mundo e a descrença são sentimentos recorrentes nas abordagens para o enfrentamento à desinformação

Ao estabelecermos um procedimento analítico, a partir de debates propostos por pesquisadores de todo o país, conseguimos acompanhar essas transformações da comunicação, das mediações, das percepções teóricas e metodológicas para entender os fenômenos contemporâneos.

As instituições devem pautar suas ações de divulgação visando fomentar a educação científica, aprimorando a compreensão da ciência e de suas metodologias. Este entendimento do modus operandi do fazer científico pode ser um caminho para combater a desinformação, juntamente com a necessidade de promover a transparência e a revisão aberta de informações científicas.

Todo este processo deve ter como premissa o envolvimento da sociedade, incluindo cientistas, jornalistas e líderes comunitários, na discussão e combate à desinformação científica., a partir do incentivo a um o diálogo construtivo e baseado em evidências entre aqueles com perspectivas diferentes sobre questões científicas.

Graça Caldas [2009, p. 63] afirma que o homem fica apenas sofrendo com os efeitos das decisões científicas, “sem nem mesmo saber de onde eles vêm”. Ao concordar com a autora, complementamos que as universidades, ao atuarem como porta-vozes acríticos dos cientistas, acabam realizando um importante serviço à sociedade.

7 Considerações finais

No espectro da função social de uma universidade pública está a produção e a difusão do conhecimento científico que devem incorporar preocupações sociais, políticas, econômicas e corporativas. Cabe a ela promover iniciativas de divulgação científica de modo a aproximar sociedade e ciência, em esforços que podem contribuir, entre outros aspectos, para informar sobre riscos e formas de combater problemas na área de saúde pública, por exemplo, uma vez que a comunicação pública da ciência tem o papel de situar um país no mundo contemporâneo.

Todo esse processo deve ocorrer no espaço formado pelos fluxos de informação e de interação entre agentes públicos e atores sociais, se ocupando da viabilização do direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e expressão. Assim, as universidades, ao fazer comunicação pública, assume umaa perspectiva cidadã, envolvendo temas de interesse coletivo.

Essas reflexões ganham veemência trazendo para o cerne do debate a importância dos dados, da informação, do conhecimento e das respostas científicas para os problemas sociais e suas consequências. Dados confiáveis e transparentes, velocidade nos fluxos de informações, produção de conhecimentos científicos e suas formas de comunicação tornaram-se pauta de discussões técnicas e das mídias.

O abalo das instituições tradicionais, como a ciência e o jornalismo, deram um espaço sem precedentes para circulação de teorias conspiratórias e para a atuação de fontes não oficiais e lideranças políticas que se manifestam a partir do ambiente virtual das mídias sociais. As declarações que rompem frequentemente com a normalidade institucional e até com consensos científicos, encontram nas redes sociais um canal adequado para que a retórica populista se manifeste e para que cidadãos expressem sua indicação com as elites tidas como corruptas.

Atrelado aos movimentos negacionistas, os movimentos anticiência fazem parte de um estilo político performático, cuja vocação é rotular os pesquisadores ou cientistas como inimigos ou amigos, a partir da forma como estes se posicionam em torno da retórica do governante.

Há, por isso, um longo caminho a percorrer até a verdadeira convergência de conteúdos caracterizada pela hipermultimedialidade por integração, com vários níveis de interatividade e possibilidade de personalização da informação. Compartilhar e ter acesso a dados possibilitam novos usos e podem servir de base para novas ideias nas respostas aos desafios da vida humana no planeta em tempos de mudanças climáticas e ambientais. Movimentos contrários à publicação e à transparência de dados, negacionistas e anticiêntíficos prejudicam a proteção das populações, deixando-as mais vulneráveis e expostas ao risco de morte.

As informações precisam realmente exercer a formação de uma sociedade alfabetizada e crítica em relação à ciência e, assim, promover mudanças nas estruturas sociais de pensamento. Os processos, pressupostos e objetos de pesquisa implicam sistemas explicativos e devem ser abertos ao público. A discussão que se pretende incentivar a partir deste texto deve ser enriquecida enormemente se novos e específicos estudos forem realizados.

Ou seja, a nossa comunidade científica, ou as nossas entidades, precisam assumir a enorme tarefa de tomar a própria produção científica como um objeto legítimo de estudo e investigação. Esforços conjuntos ou redes de parcerias que nos ajudem a diagnosticar com maior precisão as lacunas de um estudo robusto que envolve a comunicação organizacional de universidades públicas.

Reafirmamos o nosso propósito de apenas levantar questões e indicar algumas possibilidades de encaminhamento. As metas sugeridas são apenas provocações para reflexão e aprofundamento em futuros estudos e discussões da Área.

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Autor

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista (UNIP), com bolsa Capes, e jornalista do IF Sudeste MG — Campus Juiz de Fora.
E-mail: pedrofarnese@gmail.com